Escrevi um artigo, em 2007, para um livro sobre dança contemporânea para crianças cujo título é este: Dançar como bocejar, contagia! Resolvi sintetizá-lo aqui, devido à importância que ele tem em relação ao ensino da dança e às questões sobre aprendizagem motora.
Os pesquisadores Rizzollati, Gallese e Fogassi revelaram ao mundo sua recente pesquisa sobre neurônios-espelho, em 1994, na Universidade de Parma/ Itália, quando, na verdade, essas células foram descobertas por acaso.
Até pouco tempo atrás, as pesquisas centravam-se no indivíduo e seus processos internos, com menor interesse em como compartilhamos experiências, como nós cooperamos, enfim, como a solidariedade está incorporada ou não em nossos pensamentos e ações. A descoberta dos neurônios-espelho traz à tona tais questões e revela que a observação de ações alheias ativa as mesmas regiões do cérebro de quem as executa. Isto é, ocorre uma duplicação interna dos atos alheios. Os neurônios-espelho lêem o outro e influenciam nosso comportamento a partir da leitura.
Seres humanos usam os neurônios-espelho para imitar diretamente as ações e para compreender seus significados. Tais células, pelo que os estudos têm apontado, são responsáveis pelo aprendizado de quase tudo, de uma simples maneira de olhar até o mais complexo passo de dança.
A qualidade da informação visual e da demonstração corporal é fundamental para o aprendizado motor. A visão de uma ação desencadeia um processo motor ainda sem instrução na criança. Olha aí o grau de responsabilidade do professor de dança!
Para mim, a dança nunca esteve dissociada da vida, uma aula de ballet, por exemplo, pode ensinar muito mais ao indivíduo do que a técnica simplesmente dita. Já em aulas de dança contemporânea, é inconcebível não situar o aluno, adulto ou criança, nos paradigmas da modernidade: simultaneidade, caos, ordem, repetição, contaminação, fragmentação, totalidade, por meio da pedagogia do movimento. A dança contemporânea pode conter em si tudo isso, mas será a metodologia transitória e em construção permanente que irá permear este universo de maneira criativa e emancipatória ou não.
Como os neurônios-espelho reagem a ações que são parte do repertório motor do indivíduo, minha hipótese é que se oportunizarmos uma gama extensa de estímulos motores às crianças, maior sua plasticidade ao longo da vida. E onde entram os neurônios-espelho? Justamente para reafirmar que quanto mais cedo a criança for estimulada de maneira global, mais repertório motor terá e mais possibilidades de conexão na fase adulta.
Se vemos o mundo com os nossos olhos e com os olhos do outro ou do grupo do qual pertencemos, nada mais interessante de desenvolver em aulas de dança do que a cooperação. Cooperação não como mero exercício de partilha, desprendimento, solidariedade, mas como uma habilidade inata que pode e deve ser estimulada pelos professores que acreditam na capacidade humana de troca e interação social mais saudáveis.
Para consultar:
MOURA, Gilsamara. Dançar como bocejar, contagia! in Põe o dedo aqui: reflexões sobre dança contemporânea para crianças. Organização de Georgia Lengos. São Paulo: Terceira Margem, 2007
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