Como deve ser a interlocução entre poder público e sociedade civil articulada no campo da cultura? Nos últimos anos, vimos uma superposição de instâncias de participação, entrecruzadas por conselhos, câmaras, colegiados, comitês, grupos de trabalho, sindicatos, partidos políticos e um sem-número de iniciativas como consultas públicas, conferências, encontros e seminários.

Se por um lado o diálogo direto com o povo supre um vácuo centenário de presença do Estado, por outro gera uma quebra sistêmica, colocando a já desgastada democracia representativa em xeque, confrontando-a com uma frágil e caótica teia de relações que empodera agentes escolhidos por força da proximidade e empatia, reforçando vínculos clientelistas com feudos e igrejinhas legitimados pela força do poder público.

A coexistência entre democracia direta e representativa nas políticas culturais é uma urgência. Mas é preciso ciência. Governo e sociedade precisam se articular para criar novas metodologias de diálogo, que sejam legítimas, democráticas e fortaleçam as instâncias de participação, organizadas para facilitar o fluxo de informação, a transparência e a inclusão de agendas urgentes para a construção de uma democracia cultural.

 


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

13Comentários

  • zonda bez, 16 de abril de 2011 @ 14:10 Reply

    O modelo de representação está em franco desgaste, especialmente com o incremento do ativismo cidadão pela web, criando uma forma corrente e legítima de pressão aos tais representantes eleitos ‘democraticamente’.

    A ampliação da participação social direta – mesmo que ainda um tanto “entrecruzada”, como citado, por diversas estruturas organizativas – deverá ser o caminho para que as políticas públicas possam ser tão eficientes como as propostas de marketing ‘one-to-one’, preconizadas desde os anos 90!

    Essa reforma política que o senado pensa hoje, com raras exceções como o financiamento público, parece perpetuar o foco nos interesses de sempre e não leva em conta o acúmulo do exercício democrático e a transformação inevitável pela cultura digital ocorridas na última década no país.

  • Leonardo Brant, 16 de abril de 2011 @ 15:27 Reply

    Zonda, é por aí mesmo que eu gostaria de continuar a discussão. As novas tecnologias de informação e comunicação abrem caminho para uma nova forma de participação, uma cidadania digital que se consolida a cada dia. Mas ela ainda é restrita a uma parcela pequena da população. A vontade dos que utilizam facebook e twitter não pode representar a vontade do povo brasileiro. Nesse sentido, há uma repetição da concentração de poder nas mãos das elites, agora também digitais.

    Com certeza o futuro da democracia depende do acesso a essas tecnologias, mas isso é só o começo. Sem investimento em cultura e educação, apenas reforçaremos os vícios de concentração de poder e mediação de informação já existentes em nossa sociedade.

  • Robson Santana, 16 de abril de 2011 @ 21:21 Reply

    Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Acho que nunca conseguiremos fazer com que as instâncias de participação realmente funcionem no Brasil. Sempre tem os lobbies, os acessos privilegiados. A diferença é que antes só a elite tinha esses acessos, agora os representantes do povo também tem. É claro que esses representantes se tornam uma nova elite, como na África do Sul, por exemplo. Concordo com o Brant que este é um dos maiores desafios no novo Ministério da cultura.

  • Renato, 17 de abril de 2011 @ 16:57 Reply

    Caro Leonardo,

    Ótimo ponto que você atingiu. É exatamente algo que estou querendo dialogar, aproveitando que estou para começar a trabalhar com a Cultura Digital no MinC: as mudanças que a cultura digital insere para a cultura política dentro do modelo democrático – o verdadeiro conceito de participação.

    Isso incluiria um histórico dos instrumentos utilizados nos últimos anos, como vc citou: conferências, consulta pública, seminários, encontros entre outros. Até aonde podemos chegar com esses instrumentos? O desenvolvimento das tecnologias aumenta muito o canal de comunicação e de participação. Acredito que é uma discussão a ser estendida para os demais campos, não se submentendo apenas às políticas culturais.

    Ainda é uma ideia embrionária. Essa discussão pode ajudar. Vou ficar de olho no que surgir por aqui.

    Um abraço.

  • roberto m.j., 17 de abril de 2011 @ 21:39 Reply

    Brant, os Colegiados nesse sentido desempenharam um “bom papel”, nesse sentido de interlocução – poder público e sociedade – (eu fiz parte da primeira gestao do colegiado de artes visuais 2005-2009 e de fato vários fatores vimos refletidos em nossas discussões de planos e ações), mas oque vi no final do mandato passado foi um atropelamento e a perda no diálogo com a classe e o resultado foi o próprio edital PROCULTURA lançado ano passado (e em atraso nesse momento), que foi o pior texto e planejamento de edital do MINC……. como que sem noção nenhuma do que tinha sido já realizado em todas as áreas…….

    nesse sentido, é bem lembrar que o diálogo é feito por duas partes e se a “parte que gere” “não quer”, toda a classe mobilizada pode solicitar audiência por meses a fio, indicar e re-indicar moções em reuniões de CNPC e mil etcs…… mas tem que haver transparência e diálogos diretos…… e interesse em de fato colocar essa consulta pública como instância de equilibrio de planos..

  • Carlos Henrique Machado, 18 de abril de 2011 @ 0:45 Reply

    Leonardo, sinceramente a zona de debate, creio eu, seja mesmo política, porque não cabe em pleno auge da redemocratização um discurso do Pelé de que o brasileiro não sabe votar. Em plena ditadura, quando o Pelé fala uma bobagem dessa, perdeu 90% do brilho da sua coroa.

    Jandira Feghali e Molon acertaram o tom. Eles estão soprando certo o diapasão. Não pode haver a quebra de um acordo democrático entre o governo e o Estado.

    Esse jogo da Ana e do Grassi é tudo o que Aécio e a Mídia querem, já que é por esse caminho que o PSDB tenta juntar seus cacos. O MinC hoje é uma fusão disso tudo, de Aécio, Azeredo e seu AI-5 Digital.

    A questão da música, do Ecad, do direito autoral, assim como a Lei Rouanet, é uma tentativa de empurrar com a barriga questões que a sociedade não suporta.

    As lideranças de esquerda já entenderam o tamanho da dor de cabeça que hoje o MinC representa. O processo tem relação direta com a soberania do país sob o ponto de vista de sua identidade e desenvolvimento.

    O alerta dentro do PT é de luz vermelha piscando ao som da sirene. É uma bobagem muito grande tentar capitalizar adéptos da esquerda com uma política retrógrada de extrema direita como está fazendo a atual gestão do MinC. É claro que isso vai dar bode. O assunto daqui pra fente será menos técnico e mais político. E isso, tanto Jandira quanto Molon tem deixado claro. Os dois representam um sentimento comum de cumprir as metas estabelecidas em debates pela sociedade civil. Não há como reverter isso, Leonardo.

    Esse ambiente promíscuo da cultura que mistura interesses da indústria com os do setor corporativa não tem força suficiente para enfrentar a sociedade. Não vamos esquecer que o eleitorado que se renova é de uma geração absolutamente lincada com a revolução digital. Ela não vai aceitar um retrocesso em nome dos interesses de Greg Frazier. Aliás, esse cara só está queimando ainda mais o filme de Ana e Grassi. Não sei se você leu a entrevista dele na Folha.

    sss://www1.folha.uol.com.br/mercado/903278-democratizar-a-cultura-nao-e-nosso-interesse-diz-vice-presidente-da-mpaa.shtml

    Pois bem, você acha que a sociedade vai suportar toda essa arrogância? Veja lá os comentários, mas pule aqueles plantados pelo Ecad. Aquilo é ridículo, patético.

    É isso, a questão é, daqui por diante não mais o discurso do tirou ou colocou isso ou aquilo, é cumprir ou não a agenda determinada pela sociedade. Será esta a avaliação do governo, porque a pauta a partir de agora será eminentemente política.

  • Leonardo Brant, 18 de abril de 2011 @ 11:03 Reply

    O debate é político e estou falando de política mesmo. Mas é insuportável essa análise do bem contra o mal. É pequena e mesquinha. Não leva a lugar algum. Tudo que está fora do campo de reconhecimento de uma determinada ideologia está fora, deve ser descartado. Assim como os EUA descartaram Marx, agora queremos descartar tudo o que vem “de lá”.

    No campo da batalha digital significa dizer que a trolagem dos bons é admissível mas do “lado de lá” é imoral. Ou seja, argumento bom é sempre o meu e o dos meus. O resto deve ser descartado, subtraído do imaginário. Os sites e blogs então se dividem entre os que falam a língua de cada tribo e cada sisteminha de poder (ou igrejinha, como eu disse). Assim fica fácil. Pregar apenas para os convertidos…

    Mas a discussão não é esta. É sobre como constituir novos métodos para abarcar as ideias e os interesses dos poucos e bons, mas também como governar para os malvados. Ou a eles reservamos apenas a fogueira?

    Nessa análise de botequim, simplória e rasteira, a Ana de Hollanda é Ana do Ecad (o demo em pessoa). E tudo o que for contra a igreja é obra de satã. Mas quem se reserva o direito de dizer o que é bom e o que é ruim para a política cultural também tem interesses, aqui e além-mar. Há dinheiro, poder e ideologia nesse caldeirão. É inegável a força do mercado digital. Novos conglomerados começam a fazer sombra aos quatrocentões. E o discurso de liberdade agrega valor ao negócio.

    Quando a TV surgiu, a guerra foi muito parecida. A tese do direito autoral foi reavivada. O modelo de negócios da TV era mais “livre e democrático” e representou uma real ameaça aos estúdios de cinema. Logo veio a fusão e a incorporação dos grandes interesses, algo que ocorre a pleno vapor também com as “libertárias” novas mídias. No fim, tudo é uma questão de business. E o poder público que não dialogar com essa realidade estará entregue.

  • Carlos Henrique Machado, 18 de abril de 2011 @ 11:50 Reply

    Não Leonardo, argumento bom em democracia é o argumento da maioria, diferente disso é fisiologismo, casuísmo ou golpismo.

    É como eu já disse, a pauta agora é política e não mais técnica pois o debate tecnico já rolou na sociedade durante 6 anos sobre as reformas da LDA e da Rouanet. Agora o MinC só tem que cumprir esse compromisso de campanha, ou seja respeitar o que foi decidido pela sociedade, simples assim.

    Este governo e o que o antecedeu são do PT e não do PSDB. Quem gosta de casuímos é o tucanato. O PT tem, acima de tudo, compromisso com o seu projeto de democracia participativa. Ou seja, vale o que está escrito pela sociedade brasileira e não pelos interesses do capital americano.

  • gil lopes, 18 de abril de 2011 @ 12:30 Reply

    Quantos votos? Que representação de poucos votos é essa? E só faltava essa, patrulhar o Pelé…é brincadeira? Ajoelha pra falar em Pelé, primeiro, depois pode continuar…devia ser assim com sua Majestade. Querer politizar Pelé com mesquinharia, é não entender nada de nada…Pelé é nosso Rei! Foi o povão quem disse…aí vem os que querem falar pelo povo para inventar leituras sobre o que Pelé disse…Pelé é o Brasil, não interessa…é que nem ficar procurando erro na fala do Lula…francamente…
    O ambiente da cultura precisa mesmo ser politizado, tá certo, tem que politizar, colocar os interesses dos grandes partidos, os que representam a maioria dos votos, chega de nanicos na cultura, deu nisso…na hora da eleição é um Deus nos acuda, juntam tudo e não tem nada pra apresentar, nada…pela cultura Dilma estaria arrasada, não fosse o encontro salvação com Buarque de Holanda, sangue bom. A nanicagem quer porque quer hegemonia sem apresentar nada, criative commons e pirataria desenfreada não dão votos a ninguém…tem que politizar sim, começando por adotar uma nova agenda porque a que vingou aí durante os anos do Lula, na Cultura, foi um desastre. Desastre na música, na literatura, as artes cênicas e no cinema, quer mais o que? Chega de base aliada na Cultura, grandes interesses, novos interesses, ampliar as bases, esse é o projeto para o continuismo.

  • Carlos Henrique Machado, 18 de abril de 2011 @ 13:00 Reply

    Leonardo
    Dia desses eu disse que Ana de Hollanda era a Katia Abreu da cultura. Pois é, olhem o que a Maria Callas do latifundio fala sobre Direito autoral e sobre a propria Ana de Hollanda.

    “Não há lei menor que possa relativizar o que assegura a Lei Maior. A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que fez bem em propor uma nova rodada de debates sobre o tema” ( KÁTIA ABREU (DEM-TO), 49, senadora, e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)

    sss://sergyovitro.blogspot.com/2011/04/katia-abreu-tenha-tua-obra.html

  • zonda bez, 18 de abril de 2011 @ 17:15 Reply

    Alguns processos de participação social que temos vivido atualmente no Brasil devem ser levados em conta nessa reflexão, indo da proposta de conselho curador implantado pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) até as consultas públicas em torno de questões nevrálgicas para a sociedade, passando pela ampliação de cadeiras no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC)…

    Claro, ainda são ‘plantas pequenas’ diante da ‘floresta’ da representação política, mas se não cultivarmos as mudas de hoje, o que serão das árvores de amanhã?!

  • Robson Santana, 23 de abril de 2011 @ 18:18 Reply

    Compromisso de campanha? De que campanha vc se refere? Fica Juca? Maioria? De que maioria estamos falando? Daquela que tem o rabo preso com o descaso administrativo de Juca, que deixou o MinC vendido, com milhões em dividas? Vamos colocar os pingos nos is! O verdadeiro vilão da cultura brasileira chama-se Juca Ferreira. Somos todos vitimas desse embuste.

  • Mauro Aguirre, 6 de maio de 2011 @ 12:40 Reply

    Prezados Amigos:Levo dez anos no Brasil e mais de vinte trabalhando em artes plasticas porem tem coisas do mundo da cultura e em particular aqui no Brasil que ainda não comprendo.Obviamente o debate sobre a Cultura é sempre eminentemente político, porem quando digo político não esto falando que seja necesariamente político-partidario.
    Se os gestores dulturais ocupasem seus cargos por mérito e concurso e não só por “Q-I”(quem indica) adiantaría um bocado sem duvidas porem…as políticas públicas devem ser “PUBLICAS” quer dizer:POLITICAS DE ESTADO a curto meio e longo prazo, as políticas a curto e meio prazo devem ter coherencia com as de longo prazo se não não vamos atingir esses objetivos.
    O problema primario, na minha opinião, é que a base esta fraca, a gente esta debatendo os “grandes Temas” porem a base continúa esquesida.É verdade que temos novas gerações entrando com força nas novas tecnologias e agradeço o centro de democratização digital que temos faz dois anos no meu povoado rural a 500KM de Salvador\BA, onde moro,pois vejo como isso esta mudando a relação de crianças e adolescentes tem com a informação.
    Porem eu conheço muitos jovens aquí, que segundo a estatística são pessoas alfabetizadas porem tem dificuldades até para assinar seu nome.A sua caligrafía e comparável à de uma criança de 8 anos na minha terra natal e eu já vi as dificuldades de interpretação de qualquer texto que eles enfrentam e vejo que isso dificulta a qualidade de sua participação em qualquer processo de democratização da cultura.Eu não estou dizendo que eles não sejam capaces de producir cultura ou de reproducirla, pois a tradição oral não é coisa a desprezar só que o olhar crítico sobre os conteúdos do que se produz e reproduz não tem como surgir da nada.
    Agora quais vão ser as políticas públicas para modificar esta realidade…
    Porque meu povoado tem um agente de saúde e não tem um agente de cultura…
    Eu não estou subestimando as novas tecnologías nem a cidadanía digital poi so defensor delas desde o tempo em que morava em Uruguai e fiz parte de um forte debate nas organizaçoes da esquerda por lá para que abrissem os olhos para essa nova realidade já nos anos 90.
    Não subestimo o mercado nem os compromisos políticos asumidos pelo ESTADO BRASILEIRO alem de eventuais governos com seu povo, porem deve ser colocado na balança quais vão ser as políticas de base para ampliar participação popular em essa “democracía cultural”.
    Devemos pensar em os investimentos na qualificação do profesor do primeiro e segundo ciclo, pois se voçes vem o nivel de qualificação de o profesorado nas áreas rurais e nas cidades do Brasil,é claro para todo mundo que a situação é de dar dor.
    Não adianta a rapaçiada ter a´rendido a usar internet se o maior tempo por aqui, so acessam sites de pornografía e Orkut.
    Qual vai ser sua participação em nossa tão esperada democracia cultural…qual vai ser a sua insidencia nas desições sobre politicas publicas culturais no presente ou no futuro…
    Só como exemplo da insidencia da democracia digital nas desições publicas: voçes se informen do acontecido com a nominação da diretora do MAM\bahia em estos ultimos tempos…se realizou uma campanha no Facebook para tentar propor nomes ao governo do estado.
    E agora aparentemente não teve incidencia nenhuma nas decições do Secretario de Cultura do Estado.
    Eu como filho adotivo da Grande Mãe Bahia peço a voçes que pensem em políticas de ESTADO de curto, meio e longo prazo.
    E que tentem uma articulação com elementos abertos a pospor seus intereses particulares de curto prazo em favor de políticas de longo prazo.Eu sei que esses elementos não são faceis de achar, porem eu sei porque conheço,e sei que eles existem.
    Por trais de organizações publicas e privadas com fortes intereses existem pessoas, apelemos as pessoas e tentemos teçer um entramado de enrgías positivas para o bem do povo brasileiro.

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