Foto: Minitar

Ontem, no primeiro encontro do movimento “A Lei Rouanet é nossa!” muitas resenhas foram expostas sobre o contexto geral da nova proposta do Ministério da Cultura em relação aos formatos de financiamento da nossa cultura. Porém, gostaria de trazer um foco mais pontual para as discussões, visto que o objetivo final é apresentar apontamentos de ordem prática em 45 dias.

Falamos muito em apoiar ou não a revogação. A resposta foi quase unânime: lutar para a continuação da Lei. Porém, acho que, neste caso, deveríamos nos lembrar de quais eram as principais alterações, às quais, nos últimos anos, gastamos o verbo em expor. Quais as falhas da Lei Rouanet?

Na minha opinião, um dos tópicos que deveriam ser colocados na mesa para discussão é a questão da “democratização de acesso” inerente à Lei.
 
:: O desenvolvimento da profissionalização de gestores culturais e artistas depende diretamente do uso da Lei.
Por mais que os números publicados estejam incorretos, é de conhecimento de todos que a  produção e o acesso aos bens culturais é muito maior na região sudeste do país. Não sou a favor da diminuição deste montante, porém, medidas devem ser tomadas para que haja maior acesso a este benefício nas outras regiões do país. “Os produtores dos outros estados que se organizem e profissionalizem para ter acesso a elas”, podem proferir os produtores paulistanos de plantão. Alerto para que não tenhamos um posicionamento com viseiras para esta questão… Produtores de outras regiões do país não se utilizam da Lei, pois as matrizes das empresas que se utilizam do benefício estão localizadas nesta região do país. Não haverá desenvolvimento da diversidade cultural, presente nas diferentes regiões deste país, se estes profissionais “regionais” não tiverem mecanismos de trabalho proporcionais ao que temos aqui. A questão não é a circulação de bens produzidos aqui para outras regiões, mas sim o potencial produtivo, de empregos e desenvolvimento de linguagens destes estados.

Sugestão: Haver uma renúncia fiscal proporcional ao montante de contribuintes de cada região.

:: A oportunidade de acesso aos bens culturais produzidos com o benefício da Lei deveria beneficiar contribuintes de todos os estados brasileiros.
Quando falo em democratização de acesso, não me refiro apenas a viabilização dos projetos por parte de produtores (a fim de gerir àqueles que representam: artistas), mas também ao fato de que, se nosso foco é o retorno do montante público investido em nosso trabalho aos contribuintes, devemos nos lembrar de que há contribuintes em todas as regiões do país. O montante per capita arrecadado nos outros estados brasileiros pode ser menor do que em São Paulo, mas ele existe, e estas pessoas têm o direito de ter acesso aos bens produzidos pela receita do seu imposto.

:: Todas as classes sociais têm direito ao acesso aos bens produzidos.
Grandes discussões já foram geradas no que diz respeito ao valor cobrado do público por produtos resultantes do uso da Lei. Encontramos espetáculos produzidos com este dinheiro público com um valor de ingresso três vezes maior do que uma produção independente. Olhamos para o número de expectadores do nosso cinema nacional, porém a qual classe ele tem atingido? Que democratização de acesso estamos promovendo quando ofertamos produtos tão caros à população? A população tem o direito de escolher comprar um ingresso (não sou a favor da gratuidade destes produtos) para o que preferir, e não apenas receber o que alguém decidiu que iria se apresentar (muitas vezes de maneira improvisada) em sua escola ou ginásio do bairro. Direito de escolha real é formação de platéia, isso é acesso democrático à Cultura.

Se iremos lutar para que a Lei continue, acredito que questões como estas não podem fugir do nosso olhar.


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2Comentários

  • Maria Alice Gouveia, 27 de março de 2009 @ 18:51 Reply

    Cara Nany:

    Eu vou usar um pouco dos meus longos anos de experiência para discordar um pouco de você.

    Você disse: “Produtores de outras regiões do Estado não se utilizam da lei porque as matrizes das empresas estão no Rio e em São Paulo”.
    Depois de passar 14 anos da minha vida ligada às leis de incentivos – como presidente de Comissões e Conselhos de seleção de projetos – eu agora vivo uma experiência muito diferente: estou em um cargo de Chefia da Divisão de Cultura em uma cidade média do interior do Estado de São Paulo, bem próxima à capital. Aqui, 2 ou 3 produtores locais – os organizadores de festivais – se utilizam da Lei Rouanet. O resto dos produtores não usam. Por que? Não porque aqui nao tem empresas capazes de patrocinar projetos. Tem. Mas porque o pessoal local está acostumado a usar outros mecanismos.
    Em primeiro lugar há a questão dos custos – qualquer produção aqui custa um décimo do que custaria em Sao Paulo.Porque são menos sofisticadas. Nemhuma peça de teatro usa monumentais efeitos de som e de luz. Nem que pudesse, não usaria porque o pessoal não conhece os equipamentos mais sofisticados, não sabe usar, não está tecnicamente preparado para isso.
    Depois, temos uma situação informal onde se consegue muita coisa de graça, de empréstimo, por permuta. A Prefeitura também cede espaços, colabora com a divulgação dos espetáculos, ajuda com o som e a luz – a prefeitura contrata anualmente equipamentos de som e luz, via licitação e cede esse equipamento aos grupos quando nao est usando.
    Depois temos colaborações dos pequenos empresários, das famílias, dos amigos. Enfim, toda uma situação que não encontramos no Rio e em São Paulo. Por isso os grupos não deixam de produzir aqui. NÃO É PELO FATO DE NÃO USAR A LEI QUE O PESSOAL NÃO ESTÁ PRODUZINDO. As pessoas estão produzindo, estão exibindo suas produções para o público local, só que sem o recurso à lei. A lei é muito mais necessária onde já há um nível de maior de profissionalismo e impessoalidade nas relações que faz desa´parecer esses outros mecanismos de “apoio” que estou citando. Aí me parece que não é justo tratar da mesma forma situações desiguais. O produtor local está numa situação completamente diferente do produtor de São Paulo ou do Rio. Por que, então tratá-lo como se ele fosse igual? Um abraço, Maria Alice

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 27 de março de 2009 @ 23:41 Reply

    Maria Alice
    Parte do seu conceito não se aplica ao país. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Petrobrás está em Campos e Macaé e várias outras cidades do estado do Rio. Furnas está em Angra dos Reis. A Light está em Piraí. A INB está em Resende onde também estão a Pegeaut, a WolksWagen. A Votorantin, a Gerdau e etc. Citei estas em que os escritórios e seus devidos departamentos de marketing estão na cidade do Rio. Já a CSN, aui onde moro, tem seu escritório em São Paulo. Não há investimento nenhum investimento destas empresas em cultura nas regiões onde estão os setores produtivos delas. As próprias comunidades que emprestam a suas mão-de-obra, são alijadas do processo que contempla as manifestações artísticas a que elas se propoem. Isso causa, mais do que antipatia, revolta das comunidas, não só na classe artística, mas na população em geral. O que inicia uma relação de antagonia entre os propósitos de uma empresa e seus funcionários que tem, além deles, os seus familiares que deveriam participar dessa dinâmica. E, consequentemente é um fator dentro da engenharia de produção, antiproducente. Além do quê, estimula o inchaço nas capitais, sem falar que restringe o universo da economia cultural em guetos, mesmo que estes estejam nas metrópolis e que, nos casos de Rio e São Paulo, os espaços não atendem à demanda da produção artística, fato que poderia, se não solucionado, amenizado se tivéssemos investimento em espaços e atividades artísticas por essas empresas em suas localidades, o que para a cultura brasileira estabeleceria uma engenharia de distribuição de bens culturais muito mais ampla. Teríamos, não só espaços para um corredor cultural, mas um público com pré-disposição para novos espetáculos, assim como acontece com qualquer outro produto que chega a essas localidades por ter infraestrutua comercial.

    Por outro lado, Maria Alice, aplaudo daqui a sua iniciativa de construir uma dinâmica produtiva a partir desta realidade e, consequentemente fazendo a roda girar, mesmo com a dificuldade de recursos que você menciona e também passa a construir um instrumento crítico como arma, não só das reivindicações naturais que a arte e sua visão crítica trazem implicitamente, mas como instrumento de pressão para que as autoridades municipais, estaduais e federais participem deste processo. E nisso, até por uma questão geográfica, o interior do Brasil exportou muito para as capitais essa vontade de construir novas formas de ação.

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