Na última semana, dois eventos movimentaram o setor audiovisual do país. Na segunda-feira (30/7), a Agência Nacional do Cinema realizou, no Rio de Janeiro, audiência pública sobre a Instrução Normativa que estabelece penalidades a quem infringir as normas dispostas na nova lei da TV por Assinatura, que cria o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e institui uma cota para programação nacional e/ou independente no horário nobre de canais por assinatura.

Na terça (31/7), a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) promoveu a Feira e Congresso ABTA 2012, em São Paulo, reunindo diversos nomes do setor para discutir, entre outros assuntos, a nova legislação. Em ambos, houve dúvidas dos canais em relação às melhorias que a lei pode trazer.

No próximo dia 18 de agosto, o Cemec promove, em São Paulo, o curso Nova Lei da TV por Assinatura, que vai abordar a lei desde os princípios técnicos e jurídicos até modelos de negócios. Um dos coordenadores do curso, Flávio Mendes, é criador, diretor artístico e roteirista de TV e cinema e sócio da empresa de “entretenimento para marcas” Ube Entertainment. Ele falou ao Cultura e Mercado sobre as possibilidades que as novas regras abrem e quais são os desafios que tanto as produtoras quanto os canais por assinatura terão que superar com a lei em vigor.

Cultura e Mercado – Na prática, o que a Lei 12.485 representa para os produtores audiovisuais independentes do país?
Flávio Mendes –
A redenção! As portas do paraíso foram abertas! As oportunidades são incalculáveis para os produtores independentes de um país. O brasileiro é muito talentoso e criativo. Além disso, somos um país multicultural e racial que trata o cotidiano de forma universal. Isso é mais do que atual e abrangente. O que for criado aqui pode ser exibido em qualquer lugar do mundo, exceto formatos muito regionais.

Logicamente haverão ajustes na lei para dimensionar os primeiros resultados. Nos países desenvolvidos que aplicam este tipo de lei, os ajustes sempre foram em grande quantidade e ditados pela própria capacidade de adaptação da cadeia produtiva. A lei brasileira tem bastante da lei americana, francesa e inglesa. Estes ajustes serão feitos respeitando as diferenças e realidade de cada país, como a TV é tratada pelo mercado, anunciantes e até pelo público.

Na Argentina, a lei teve por volta de 170 emendas para ajustar ao mercado. Aqui não será diferente e agora é a hora dos produtor independente mostrar a capacidade de empreender, respeitar a dificuldade de quem compra que já tinha planejado suas verbas de outra forma e também ficam inseguros com a capacidade de realização independente em escala industrial. Os preços também terão que ser competitivos, sem que sejam aviltantes e inviáveis. A qualidade e a coragem de empreender e aprender com quem faz programas de tv em larga escala será fundamental.

CeM – A demanda por produções nacionais deve crescer exponencialmente. Quais reflexos essa procura poderá ter na qualidade do conteúdo?
FM –
Em todo o mundo tem coisa boa e coisa ruim e aqui não é e nem será diferente. O Brasil é um celeiro de grandes talentos. Acabo de formatar o catálogo da Ube Entertainment, que está com 60 formatos e semanalmente recebo ideias sensacionais, até de quem, tecnicamente, nunca esteve envolvido na área. Acredito inclusive que á partir da demanda e exigência da lei, em pouco tempo, muitos países passarão a buscar o serviço por aqui e outras empresas de formato e realização serão criadas. São muitas janelas, muitas horas e quem será o beneficiado é o país.

Um fator importante da lei que muito me agrada, por sinal, é que as idéias terão que ser abrangentes, não apenas para os interesses dos compradores, mas também para os anunciantes. Com isso o conteúdo vai evoluir também. Com a publicidade limitada em tempo e forma de comercialização, as verbas das TVs sendo ainda pequenas para produzirem no Brasil e com qualidade, as marcas deverão estar nos conteúdos para colaborar com o mercado e de forma que sejam aceitas pelos órgãos reguladores. Quem vai criar vai precisar tirar coelho da cartola e aprimorar as idéias. Isso protege e valoriza o conteúdo e a qualidade.

Além disso, a composição das áreas artísticas, comerciais, jurídicas e de aquisição dos compradores, combinadas com a capacidade do realizador/criador/produtor de ser maleável e criativo para lidar com as necessidades, que é mais um fator que auxiliará na qualidade. Parece-me pouco provável que um formato “mal feito” por falta de qualidade de qualquer ordem, e ou pela incapacidade de transformá-lo em um produto comercial, entre ou permaneça no ar apenas para cumprir a cota. Ele seria obrigado a sair e a tv seguiria com a exigência da lei.

CeM – Existe algum segmento do audiovisual em especial que deve se destacar em relação ao crescimento no mercado?
FM – Estou certo que a cadeia produtiva como um todo será altamente beneficiada. Veja alguns exemplos de alguns segmentos: temos empresas de formatos brasileiras na mesma quantidade das internacionais? Quantas empresas brasileiras você conhece? A lei exige que a criação seja nacional. Quantas produtoras podem criar formatos universais e na quantidade exigida? Empresas de tecnologia terão um mercado absurdo, afinal, todos os segmentos precisam se alinhar tecnicamente/tecnologicamente, ampliar a abrangência e se modernizar.

Nem sei se existe capacidade para isso no Brasil na velocidade e investimento necessário em equipe, formação e até de equipamentos. As operadoras também chegaram para ficar na área e crescerão muito mais. As campanhas para fidelizar seus assinantes de telefonia está aí para que não pairem dúvidas. Canais brasileiros já estão sendo aprovados pela Ancine para servirem de cota para empacotadoras. Outros canais serão criados. Isso explode a demanda. Estes canais precisam de 12 horas de programação! Produtoras/realizadoras serão inundadas de trabalho. Em pouco tempo, depois da primeira rodada neste semestre, á partir de setembro, quando a lei entra para valer, vai ser uma corrida de quem compra em busca de quem seja capaz de criar e produzir.

As produtoras que saíram na frente, em breve estarão com suas capacidades “esgotadas” e os que ficaram “de fora” serão procurados. A área de equipamentos, serviços, mão de obra qualificada – criativa, a mesma coisa. Histórias precisam ser criadas, contadas, entregues, contratos terão que ser feitos, advogados serão importantíssimos na cadeia produtiva, na interpretação da lei e para ajudar o mercado a surfar essa onda que ninguém entrou e vai ter que “pular de cabeça”. Conheço até Fundo de Investimento que está sendo organizado com recursos federais. Os filmes não distribuídos serão telefilmes e séries. O entretenimento como um todo que é no Brasil um furação de crescimento será transformado em conteúdo. Show, teatro, festivais e etc. Sem contar que a web, crescendo como janela de exibição também será beneficiada.


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Jornalista, foi repórter do Cultura e Mercado de 2011 a 2013. Atualmente é assessor de comunicação da SPCine.

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