Nessa semana (30/9 e 1/10) aconteceu no Rio de Janeiro o I Fórum Internacional Direito do Entretenimento. Promovido pela Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e de Entretenimento da OAB-RJ, em parceria com o Cultura e Mercado, o evento teve patrocínio da Motion Picture Association e da RioFilme, e reuniu especialistas das áreas de cinema, televisão, games, música, livros e artes visuais para falar sobre as últimas tendências em termos de modelos de negócio e questões legais.

Foto: Christian HaugenConfira a seguir os principais destaques de cada uma das mesas:

Panorama econômico do entretenimento. Perspectiva do mercado 2015-2019 – Na palestra de abertura, Anderson Ramires, da PwC, apresentou alguns dos principais dados da última edição do relatório Global Entertainment and Media Outlook 2015-2019.

Segundo ele, o principal desafio do mercado de entretenimento hoje em dia é saber como monetizar e proteger o capital intelectual. “Boa parte dos gastos do consumidor serão concentrados para infraestrutura, para as empresas de telecomunicações, que também estão remodelando seus negócios para atrair mais conteúdo”, afirmou Ramires.

A TV aberta deve continuar relevante por muito tempo, ainda que com uma curva decrescente. E as TVs pagam continuam abrindo seu caminho, graças a seu conteúdo completamente diferenciado. “O consumo aumenta e a curva da TV por assinatura cresce”, apontou o palestrante.

Rádio e jornal diminuirão sua participação, mas ainda serão relevantes na cadeia do entretenimento. No caso do rádio, especialmente por ter uma segmentação especifica por Estados: ainda será o veículo preferido nas comunidades no interior. No entanto, todo o consumo de mídia tende a ficar efetivamente nos dispositivos móveis.

O mercado de exibição em cinemas deve ter uma queda de cerca de 50%. “Hoje as pessoas deixam mais de ir ao cinema para ver filme em casa”, afirmou Ramires. Segundo ele, o Now (NET) é mais representativo do que o Netflix no Brasil pela qualidade dos filmes disponíveis. O trunfo do Netflix são as séries, produtos nos quais as TVs começam a investir mais. “A pessoa paga em torno de R$ 10 para ver um filme no Now, enquanto no Netflix o custo fica por volta de R$ 20.”

As empresas de mídia terão que se adaptar aos diversos formatos e oferecer conteúdo personalizado em cada uma das plataformas. “Não adianta entregar 200 canais de TV. O consumidor quer poder comprar no varejo os canais que tiver interesse, para acessar na hora que quiser, em qualquer mídia”, explicou Ramires.

Além disso, o usuário não quer pagar muito. “Isso traz um desafio enorme em termos de propriedade intelectual. O consumidor entende que o conteúdo é dele a partir do momento em que foi disponibilizado. E quer dividir com quem quiser nas mídias sociais. Por outro lado, está disposto a assistir uma propaganda no caminho.”

O futuro, de acordo com o palestrante, é ter um usuário mais participativo e personalizado.

A decisão do STF sobre biografias – A mesa mediada por Mariana Ribas, presidente da RioFilme, começou com uma declaração dela de que a empresa, antes da decisão do Superior Tribunal Federal sobre as biografias, chegou a desclassificar dois filmes de seu processo de seleção porque não havia autorização dos biografados Hoje, no entanto, isso não acontece mais.

O advogado Daniel Pitanga, do escritório Siqueira Castro Advogados, lembrou que s pessoas nas redes sociais muitas vezes esquecem que autorizaram a circulação de informações ao abrir a sua privacidade nessas plataformas. “Quanto mais você abre para que as pessoas entrem na sua vida, menos direito à privacidade você tem nos tribunais”, afirmou.

Para ele, a decisão do STF foi importante por permitir que a obra possa ser feita. Muitos produtores tinham receio de publicar uma obra que pudesse vir a ser retirada do mercado. Hoje, com a decisão do STF, isso não acontece mais. “Pode colocar o que quiser no mercado, mas você tem responsabilidade sobre o que está falando. Ainda é necessário consultar um advogado, ainda que não se exija mais pré-autorização.”

Ricardo Brajterman, conhecido por ser advogado de diversas celebridades brasileiras, afirmou que a história de uma pessoa que influenciou a sua vida, seu jeito de se vestir e de pensar não é mais dela, mas de todos. Mas questionou se a decisão do STF realmente mudou um paradigma, ou tornou-se apenas uma orientação sobre o que a sociedade brasileira deseja em termos de liberdade de expressão.

“Houve um esforço do STF em indicar que a liberdade de expressão deveria estar acima da proteção da privacidade. Mas apesar disso, não se apagou da Constituição o direito de demandar em juízo quando você sente sua privacidade invadida”, disse. Por isso, ele acredita que as ações vão continuar e é pouco provável que o juiz não tome medidas se vir que há de fato violação de direitos. “Não acho que agora pode tudo. A decisão só serviu de orientação. Porque não existe direito absoluto. A liberdade de expressão nem sempre deve ser absoluta”, defendeu.

Conceitos de tecnologia digital – Diretor executivo da Sofa Digital, agregadora de conteúdos audiovisuais, ex-diretor da Mobz e um dos fundadores da Rain Network, empresa de distribuição digital para cinemas independentes, Fabio Lima fez uma apresentação detalhada sobre os conceitos de tecnologia digital, o impacto e o papel da tecnologia nos novos modelos de negócios.

Para ele, o Netflix não precisa ter o melhor conteúdo do mundo, mas sim ter uma boa relação preço-conveniência. “Essa relação vai determinar todos os outros modelos de negócios de quem pode criar serviços exclusivos em OTT (conteúdo over-the-top: aquele que trafega livremente na internet sem estar vinculado a um serviço de conexão)”, disse. No entanto, apontou, no modelo sob demanda não adianta colocar qualquer coisa. “O comportamento da demanda define o que entra. Nesse caso, não adianta ter cota, por exemplo.”

Games Físicos e on line: os desafios do mercado – A segunda mesa do primeiro dia do Fórum reuniu Arthur Protasio (Fableware), Carlos Estigarribia (Abragames) e Tania Lima (União Brasileira de Video e Games).

Tania apresentou dados do mercado de games no Brasil, destacando a alta tributação para os consoles. O país, segundo ela, está no topo da lista dos consoles mais caros do mundo.

Ela também falou sobre o perfil gamer no Brasil: o uso do computador, que tinha aceitação de 85%, caiu para 71% em 2015; celular foi de 73% pra 82%; console caiu de 66% pra 52%. “O videogame é físico, fixo. O computador também. Mas o celular dá mobilidade. Pode-se jogar em qualquer lugar, a qualquer hora”, explicou. Apesar do crescimento do mobile, o videogame está empatado com o smartphone na preferência dos usuários.

As mulheres já representam 50% do mercado gamer, mas de toda a base analisada, a grande maioria não se considera gamer – joga no celular, na fila do banco, no trânsito etc. E o Brasil, apesar de ser o 4º maior país do mundo em número de games, em faturamento está em 11º lugar. Para se ter uma ideia, 75% dos jogadores baixam apenas jogos gratuitos, o que segundo Tania dificulta a vida dos desenvolvedores.

Carlos Estigarribia lembrou que empresas brasileiras precisam de apoio para produzir os jogos de forma correta juridicamente, mas pelo faturamento e estágio de desenvolvimento, a maioria não consegue bancar os custos de uma assessoria jurídica. “Como ter esse suporte no início da empresa é uma questão muito crítica.”

Ele contou que em 2015 foi lançado pelo menos um jogo brasileiro por mês, sempre com boas críticas. Alguns conseguiram leis de incentivo, outros financiamento coletivo. Um dos obstáculos é a falta de conhecimento das empresas sobre as leis de incentivo e como fazer a captação de recursos. Nos casos de venture capital, os investimentos têm sido na faixa de um a três milhões de reais, mas para empresas que já estão no mercado há mais de cinco anos. “Hoje as empresas também não sabem que estrutura devem ter ao abrir, então quando chegam no momento de captar, vêem que havia coisas que precisavam ter sido feitas ao abrir a empresa”, explicou o fundador da Abragames.

Sobre o fato de que os games têm pouco espaço para a visibilidade da marca, ele defendeu que o potencial de público dos games não é só brasileiro, já que muitos jogos acabam sendo vendidos fora do país. “Então dependendo de onde você quer que sua marca chegue, apostar num jogo pode ser bom. O jogo tem vida mais longa e vai mais longe territorialmente.”

Arthur Protasio completou que há uma grande deficiência de informação sobre editais e leis de incentivo para games, mas lembrou que conhecer já não é o suficiente pra enquadrar um projeto. Como as empresas dessa área costumam ter equipes pequenas, elas acabam não tendo condições de se dedicar a todo o processo para submeter o projeto a esse tipo de financiamento. “Não podemos deixar de lado a produção de fato. Por isso precisamos de parcerias para conseguir formatar os projetos e captar os recursos.”

Ele também falou sobre a lei dos direitos autorais, que segundo ele não protege os games – há muita cópia de ideias; sobre a proibição de jogos por conta de classificação indicativa; a importância de leis como a Rouanet reconhecerem jogos como cultura e do fortalecimento desse mercado não só como industria, mas também como produto cultural.

Animação audiovisual: Publicidade infantil – Essa mesa reuniu o advogado Durval Pace, do escritório Helena Zoia Sociedade de Advogados; Isabella Henriques, do Instituto Alana; Mara Lobão, da Panorâmica, produtora de Gaby Estrella; e Marcos Magalhães, do Animamundi.

Pace contou que o Brasil tem um sistema de controle misto da publicidade infantil, ou seja, que se vale de todo o conteúdo normativo jurídico e legal vigente (Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor) com o Conar, que segundo ele é rápido, efetivo e não burocrático. Mas indicou que o poder de escolha sobre o que as crianças assistem ou não é dos pais.

Ele acredita que as empresas têm responsabilidade social e, se assinam um documento se comprometendo a não fazer publicidade infantil, o fazem independente de lei. “Controle prévio é antipático, para não dizer inconstitucional”, afirmou.

Para Isabella, apesar de haver uma Constituição que estabelece a criança como prioridade, do ECA e de todos os artigos do Código de Defesa do Consumidor, na prática, há um abuso diário com relação à publicidade voltada às crianças. “Defendemos a tese que, com a legislação que temos hoje, a publicidade que fala direto com a criança já estaria proibida. Até 12 anos de idade, a criança ainda não tem condições de responder com a devida criticidade a essas mensagens publicitárias. Ela não consegue sequer entender a mensagem como publicitária”, disse.

Por isso, o Instituto Alana criou um projeto (Criança e Consumo) em 2006, voltado especificamente a debater e tomar medidas como apoiar um projeto de lei sobre o tema. “O código de ética do Conar não é legislação, não tem o poder de polícia, só pode no máximo sugerir a sustação do comercial. Por conta dessa falta de poder, ele não dá a resposta devida à questão, que é muito ampla.”

Mara Lobão contou que a série Gaby Estrella, exibida pelo canal pago Gloob, não tem publicidade. Todos os recursos para a produção vêm de incentivos fiscais, da própria Globosat (a RioFilme participou na primeira temporada). Há também o licenciamento de produtos, mas que ainda traz uma receita muito pequena por conta da concorrência com marcas internacionais. E agora o programa começa a ser vendido para outros países e terá lançados um longa-metragem e uma peça musical.

A série colocou o Gloob entre os cinco canais infantis mais vistos, passando a Nickelodeon em agosto desse ano. Mas apesar desse sucesso, e de muitos prêmios, segundo Mara o produto não é um sucesso comercial. “Não se acha maneiras de engajar marcas de maneira que seja interessante pra elas e atendendo à legislação brasileira”, contou.

Outro lado da legislação que encarece a produção diz respeito à proteção do ator mirim. Como no Brasil a criança não pode ter tutor, precisa frequentar a escola, o dia de produção pode durar apenas seis horas. “A produção infantil vai ficar cada vez mais cara. E quanto mais cara a produção, mais precisamos arrumar gente que pague. Então precisamos pensar onde queremos chegar. Se ficarmos cada vez mais restritivos, meus netos vão voltar a só ver séries americanas”, alertou Mara.

Marcos Magalhães defendeu que a criança pode ser protegida em alguns casos, mas em outros deve estar totalmente inserida na comunicação. “A criança não tem capacidade de se defender, mas tem capacidade crítica”, disse. Para ele, o objetivo do bom produto de animação atualmente é falar com todas as idades, tanto com adultos quanto com crianças. Além disso, lembrou que animação cria marcas e propriedades que são produtos. “A gente tem solução de qualidade, de criatividade, para não precisar fazer uma venda de produtos tão nociva. Publicidade feita de forma agressiva não é só ruim para a criança”, completou.

Cadeia produtiva do audiovisual na nova era – A última mesa do primeiro dia de evento reuniu o advogado Dario Corrêa; o ator do Porta dos Fundos Luis Lobianco; a vice-presidente de relações legais da NBCUniversal, Sally NG (NBCUniversal); e a diretora da Ancine Rosana Alcântara.

Sally afirmou que o Brasil é o principal mercado da NBCUniversal na América Latina, seguido pelo México. Corrêa falou sobre a dificuldade dos produtores em acompanhar tantas regras e da necessidade de o mercado atentar mais à possibilidade de obter recursos do contribuinte pessoa física. Na sequência, Rosana apresentou diversas ações que estão sendo feitas pela Ancine no sentido de apoiar os produtores independentes e embutir uma lógica de produção e distribuição brasileira.

Já Luis Lobianco contou que é de uma geração de atores que quer produzir e captar investimento, não mais apenas atuar. E afirmou que a grande novidade do Porta dos Fundos foi levar para a internet um padrão de qualidade de produção e de artistas que até então a internet não tinha. “O que o Porta fez de revolucionário em primeiro lugar foi fazer esses filmes com profissionais, a maioria de cinema – toda a equipe é formada em cinema. Desde o primeiro episódio era um programa limpo, com som bem feito, com maquiagem feita por maquiador profissional, com figurino feito por figurinistas, com atores, com roteiristas de verdade”, apontou.

Em segundo lugar, disse, vivíamos em um ambiente em que o humor passava por uma crise, e o Porta rompeu com o que estava no ar. “Não usamos recursos de estereótipos, perucas, sotaques, que muitas vezes são depreciativos. A piada está no roteiro e no entendimento dos atores e da direção, e não em reforçar tipos que já são muito oprimidos na sociedade. Pelo contrario: o opressor fica num lugar ridículo, a gente julga ele, e o oprimido tem vantagem. É preciso muita coragem pra fazer isso.”

Além disso, eles também mudaram a forma como vinha sendo feita a publicidade – “As marcas começaram a se relacionar com a gente de outra forma, eles queriam ser zuados por nós” – e as TVs se aproximaram. “O que a TV fazia era comprar, colocar lá e mudar do jeito que ela quisesse. Conosco se viu obrigada a fazer suas mudanças internamente.”

O Porta dos Fundos hoje tem peça de teatro (Portátil), que vai também para a TV paga; uma série, da Fox (O Grande Gonzales); um programa de viagens (no Multishow); um filme (Entre Abelhas); além de produtos licenciados. “Não somos uma produtora de vídeos. somos uma reunião de artistas que precisam criar, dar vazão às suas criações”, finalizou o ator.

Estudo da remuneração do Streaming – O segundo dia do Fórum Internacional Direito do Entretenimento começou com a palestra da advogada canadense Susan Abramovitch.

Ela fez uma linha do tempo sobre a evolução tecnológica desde os anos 1990 até hoje, passando pelas novas mídias, o download, chegando ao streaming digital. “Até bem recentemente, os acordos falavam em direitos sobre álbuns, sobre produzir discos. Agora passamos a falar mais especificamente de como a musica realmente é consumida. A pergunta é: como a gente pode colocar o streaming e o download digital nesse tipo de lei?”.

Apesar de as empresas hoje pensarem em colocar palavras relacionadas ao streaming em seus contratos, ainda existem acordos antigos que precisam ser interpretados à luz das novas tecnologias. “Como um artista que fez contrato em 1995 vai ser pago hoje? No começo dos anos 1990, os contratos não tinham como ser específicos, pois não havia download ou streaming. Falava-se mais sobre a venda, sobre royalties, calculados de acordo com o preço ao consumidor. O artista receberia uma porcentagem do preço ao consumidor, o preço que a gravadora recomendava às lojas. É preciso interpretar os termos colocados nos contratos naquela época”, disse a advogada.

Entre os diversos exemplos de contratos apresentados por ela na palestra, havia o caso do cantor Eminem, que em 2005 deu início a um processo para receber 50% sobre suas masters, ao invés de 13%, como era sobre a venda de discos. Foi depois disso, a partir de 2006, que as gravadoras passaram a definir em contrato o álbum como transmissões eletrônicas, que incluíam download e streaming.

“A venda da gravação inclui o licenciamento para downloads. Ou seja, o download faz parte do licenciamento”, contou. Além disso, os contratos hoje têm deixado mais específicos os acordos sobre os chamados “basic works”, que incluem a gestão de websites, vídeos, domínio do nome do artista, material mobile, mídias sociais, ringtones etc. “A gravadora está assumindo o controle de tudo isso em contrato. Muito mais especifico do que era antes”, disse Susan.

Outra questão é o preço de atacado para transmissões eletrônicas. “Você escolhe o serviço de streaming baseado, principalmente, na variedade do catálogo que ele oferece. Geralmente o serviço só é bom se tiver uma grande inclusão de catálogo. Por isso, quando esses serviços fazem contratos com as gravadoras, eles querem o catálogo inteiro. Então a remuneração não é vinculada a uma master em específico”, explicou, completando que contratos de 1995 são de receitas não vinculadas, portanto a gravadora é paga pelos serviços de streaming, mas o artista não.

Susan contou que algumas organizações uniram-se e criaram um manifesto, uma declaração com princípios, como o que fala que os artistas devem ter uma parte, em boa-fé, da compensação dos serviços digitais que procedam da monetização das gravações, mas que não sejam das gravações específicas. “Talvez não seja fácil calcular como dividir isso entre os artistas, mas todos eles devem receber.”

Para ele, hoje os artistas não estão melhor em termos financeiros, mas ganham muito através da música digital. “O que aconteceu é que o bolo mudou: ao invés de ser da gravadora, passou para as empresas de hardware. O bolo ainda está grande, porque todos nós precisamos e queremos consumir música, mas o ponto é: para onde está indo o dinheiro?”, questionou.

Ela finalizou afirmando que hoje, com todas as facilidades para produção e distribuição, vê-se menos dinheiro, mas há muito mais trabalho. “Há trabalhos menores, uma série de pequenos acordos, então isso compensa.”

Os desafios do mercado editorial na era digital – Carlo Carrenho, criador e editor do site Publishnews, abriu a mesa agradecendo pelo fato de o mercado editorial ter sido incluído na programação do evento, porque geralmente os players desse mercado só conversam entre si.

Para ele os três principais desafios da indústria do livro hoje são: a democratização digital, a indefinição digital e a legislação. “A Amazon, com seu sistema de autopublicacao, está compensando a queda na venda dos livros digitais das editoras. Está crescendo a venda de livros independentes, os autores têm mais autonomia. O desafio é: como o mercado editorial pode abraçar o digital?”.

Ele afirmou que quem gosta de livro digital não é contra o livro físico. E que embora os jornais tenham questionado se o livro físico acabaria, ele não se lembra de que ninguém do mercado afirmando isso. “As duas coisas se complementam. Mas é preocupante quando o digital não cresce em uma geração totalmente digital. Aí a indústria editorial vai perder para as outras”, alertou.

Com relação à indefinição digital, ele comentou que ninguém questionou se o modelo Netflix funcionaria ou não, mas no caso dos livros ainda não se encontrou uma equação que funcionasse para streaming. E sobre legislação, ele explicou que o desafio está no fato de que o livro digital ainda não existe legalmente no Brasil. Não há definição sobre o pagamento de imposto, embora exista um projeto de lei em tramitação sobre isso. Ainda assim, o projeto só trata de compra e venda, modelo insuficiente para o atual mercado.

Para a agente literária na Villas-Boas & Moss, Anna Luiza Cardoso, com a leitura no celular, a tendência é que o livro digital cresça e tenha uma parcela mais significativa no mercado. No entanto, outra questão a ser pensada é a dos direitos autorais. “No caso do livro digital, o principal desafio do agente é a questão dos royalties, da remuneração. Hoje me dia os autores recebem 25% de direito autoral no livro digital – no físico é entre 8% a 12% do preço de capa -, mas isso já foi uma grande batalha.”

Ela lembrou que o custo final do livro digital é muito menor, então não faz sentido que os autores recebam tão pouco. “O ideal seria o autor receber 40%”, disse.

Cristiane Gomes, gerente de contas da Bookwire no Brasil, falou sobre o papel do agregador digital e a importância da distribuição dos metadados dos livros. E o escritor Raphael Montes comentou sobre seu interesse em pensar o livro digital como material para o que será escrito. “O digital tem uma vantagem de você estar ligado à internet. Então é interessante que se um personagem, por exemplo, entra em um computador e acessa um vídeo, o leitor possa de fato entrar nesse link, ao invés de eu descrever o que está lá. Gosto muito de pensar esses formatos.”

Montes disse ver pouco investimentos das editoras e das livrarias em fazer com que o digital seja uma cultura nossa. No entanto, ele acredita que o público do livro digital ainda está por vir. “Me parece que esse grupo vai crescer, porque é um público já digital, acostumado a sentar no sofá e pegar o celular.”

A era digital nas artes – Essa mesa reuniu a consultora e pesquisadora de cultura digital Eliane Costa; Julio de Marchi, diretor da Tecvidya Solutions; o advogado carioca Marcelo Salomão, da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e de Entretenimento da OAB-RJ, que falou sobre a relação entre teatro e produção audiovisual; e o advogado argentino Sebastian Bloj (Sociedad Argentina de Gestión de Actores Intérpretes – Sagai), que falou sobre os direitos do ator em tempos de alta conectividade.

Eliane Costa falou sobre a hiperconexão, as mídias móveis sem fio e as mídias rotativas. “A diferença não é só tecnológica, mas cultural. Do PC até os dias de hoje. É a cibercultura, uma outra era na cultura, na qual ainda estamos engatinhando. É cultura como modo de vida e a cibercultura como outros modos de vida”, disse Eliane, que apresentou diversos exemplos de como isso acontece na prática. Para ela, a perspectiva do digital e do compartilhamento traz novos desafios aos advogados.

Julio afirmou que nos Estados Unidos não existe assinante de TV com menos de 30 anos, e que a hiperconectividade da juventude cria um dilema no que diz respeito aos direitos autorais. A Tecvidya criou um serviço, concorrente do Periscope, de transmissão ao vivo via mobile. “Hoje o Periscope exige que você tenha uma conta no Twitter e o aplicativo baixado no seu celular. A gente permite que você jogue esse conteúdo onde quiser. Te dou um link e o player é seu. Eu entendo que o usuário é responsável pela transmissão, mas tenho certeza que nem todos concordam comigo”, disse.

Distribuição digital, Música por Demanda: Os desafios da gestão de conteúdo – Em uma das mesas mais esperadas do evento, a superintendente executiva do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), Glória Braga, questionou quem deve licenciar os arquivos digitais de música e que direitos estariam envolvidos nas diversas utilizações possíveis e decorrentes de serviços de streaming.

“Existe um desconforto, porque são modelos de negócios ainda em fase de maturação. Nenhuma remuneração aos artistas começou grande. No caso da TV por assinatura, por exemplo, ela começou sendo discutida e hoje é mais justa e razoável. Esses novos serviços não terão tanto tempo para remunerar os criadores, por conta dos rápidos processos dessas tecnologias digitais.”

Glória explicou que os órgãos responsáveis estão se cercando dos conceitos da Lei de Direitos Autorais, que coloca como item fundamental da execução pública musical a disponibilização das obras criativas para o público, podendo isso ser feito das mais diversas formas, inclusive por streaming. “Existem estudos de técnicos em engenharia especificando que tipo de transmissão existe em streaming e que, sob a ótica da nossa legislação, o fato de ser interativo não é requisito fundamental para determinar direito de execução pública musical”, disse. 

Rachel de Souza, da Diretoria de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura, falou sobre as mudanças na Lei de Direitos Autorais e como funciona o grupo de trabalho no MinC para estudar como os direitos devem ser tratados no ambiente digital. “Nossa intenção é elaborar uma instrução normativa para clarificar esses direitos, elaborar um projeto de lei para a adequação da LDA e assegurar que o autor nacional seja remunerado pela utilização de suas composições em nível internacional.”

Ela destacou que as diferentes plataformas digitais envolvem diferentes tipos de uso, interdependentes. E questionou: “Como fatiar o bolo? Como remunerar os diferentes titulares, sem privilegiar um em detrimento do outro?”.

Dentre os diversos serviços de download disponíveis, ela afirmou que ainda não se chegou a uma conclusão sobre quais usos devem ser remunerados, embora já se saiba que não há um único jeito. “Existem vários direitos envolvidos nessas plataformas. Nosso dever é acabar com a insegurança jurídica”, afirmou.

Renata Loyola, responsável legal do Spotify para a América Latina, explicou em detalhes como é feita a remuneração dos artistas nos sistemas free e premium da plataforma. Hoje o serviço tem mais 75 milhões de usuários, sendo 50 milhões pagantes. Segundo ela, mesmo as execuções free rendem remuneração aos titulares da obra, e hoje o Spotify paga em torno de 75% de todo a sua receita para os titulares. “Uma vez que todos os streamings são contabilizados para fins de remuneração dos titulares, eles recebem ao final do período o relatório com a quantidade de execução daquele fonograma, que possibilita a ele ter o conhecimento de como a música dele está sendo utilizada”, explicou. No entanto, o que determina o quanto de fato o autor está recebendo no final é o contrato que ele tem com os titulares dos direitos de sua obra, muitas vezes as gravadores ou sociedades de gestão coletiva.

O cantor Leoni, representando o GAP Pró-Música, reclamou do fato de que os profissionais da música ainda estão tentando “encaixar o mundo físico no digital” e de que pouco ainda se sabe como é feita a remuneração nos serviços de streaming. “Precisamos de regras claras sobre o pagamento. Pra mim não interessa muito se o streaming vai ser considerado execução pública. O importante é que temos 100% de um bolo pra dividir e todo mundo deve receber, mas os interesses ficam um pouco mascarados. Os músicos não estão representados. É uma certa zona, que é importante que seja regulamentada”, defendeu, lembrando que sem o autor e sem o intérprete, o resto não existe. “Se a gente não for remunerado e deixar de fazer isso, todos os outros sairão perdendo.”

Show business e os novos modelos de negócio – Encerrando o evento, estiveram reunidos na mesa Carlos Mills (GAP Pró Música), Luis Justo (CEO do Rock in Rio), Tahiana D’Egmont (Kickante) e Roberto Menescal.

O assunto streaming continuou em pauta na fala de Mills. Para ele, um dos principais problemas é que autores e compositores não têm recebido adequadamente no Brasil os direitos desses serviços. “Gerencialmente, me parece fazer mais sentido enxugar o número de representantes e de estruturas de recolhimento. Pensar em associações de direitos de reprodução talvez fosse um caminho mais simples e mais eficiente nesse novo mercado digital.”

Ele também falou sobre a importância dos agregadores para que os artistas independentes consigam estar nas plataformas de streaming e que isso esteja contemplado na regulação.

Tahiana explicou que o Kickante, para o artista, funciona como uma pré-venda, e para as gravadoras pode funcionar para o lançamento de novos formatos de produtos de catálogo, mas que no segundo caso a conversa ainda tem muito a caminhar.

Primeiro CEO do Rock in Rio, Luís Justo contou que hoje o festival tem um caráter menos de projeto e mais de negócio. “Ao longo desses 30 anos, o ambiente de negócios foi se tornando cada vez mais complexo, de relação com fornecedores, agências internacionais, mudanças no ambiente juridico”, pontuou. Hoje há 71 entidades governamentais atuando com relação ao evento, e só o arcabouço jurídico envolvido já torna o Rock in Rio um evento diferente.

O festival começou graças à relação de confiança entre Roberto Medina e o cantor Frank Sinatra – apenas depois de uma entrevista coletiva em que Sinatra falou sobre o profissionalismo de Medina, os artistas aceitaram vir participar da primeira edição do Rock in Rio, alguns sem assinar contrato. “É muito diferente da estrutura jurídica que se tem hoje para poder realizar o evento”, disse Justo.

Ainda assim, quando se trata de grandes artistas, sempre há uma insegurança: “Hoje em dia existe toda uma estrutura jurídica, mas que te dá uma falsa proteção. A verdade é essa. A gente sofre todo ano, como em um caso em que a gente tinha o direito pra broadcasting de uma artista internacional, e no dia do show ela decidiu que não queria fazer. Mesmo com contrato assinado”, exemplificou.

Roberto Menescal começou sua fala afirmando que o artista nunca é independente. Ele contou histórias de suas relações com artistas e como era diferente o trabalho para lançar um novo nome. “Era muito trabalho, mas também muita paixão. Não existia uma fórmula, como também não existe hoje”, disse. Lembrou ainda da época em que o jabá definia quem seria sucesso e da dificuldade que sempre existiu dos autores receberem seus direitos, mas se disse otimista: “quando a gente começou, era tudo no lápis. Mas hoje, com a internet, você tem muito mais chance de ter controle do seu negócio todo”.

Leia também:
Entre as leis e a tecnologia


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *