O ministro da Cultura espera que até o final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o Congresso Nacional aprove dois projetos de lei (PLs) que modificam sensivelmente o sistema de financiamento à cultura no país: o PL 5.798/09, que institui o vale-cultura, e o PL 6.722/10, que revoga a Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura, instituída em 1991).

Juca Ferreira foi entrevistado no programa Bom Dia, Ministro, produzido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em parceria com a EBC Serviços.

O ministro estima que a criação do vale-cultura injetará R$ 7 bilhões por ano no que chama de “economia da cultura”. Conforme o PL, o valor mensal do vale (imprenso em cartão magnético) será de R$ 50. Terão direito ao benefício os trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos. A expectativa é que 12 milhões de pessoas possam usar o cartão para comprar livro, CD e DVD; ou assistir a filme, à peça de teatro ou a espetáculo de dança.

Juca Ferreira acredita que o vale-cultura estimulará a abertura de cinemas em bairros populares. Para ele, a mudança na Lei de Incentivo à Cultura acabará com as “distorções” da atual Lei Rouanet e promoverá eventos culturais em locais onde hoje eles não ocorrem. Segundo o ministro, “80% dos recursos da lei vão para dois estados [São Paulo e Rio de Janeiro]”.

Ferreira continua a distorcer os dados de cultura no país, afirmando que “95% dos recursos da Lei Rouanet são públicos” (oriundos de renúncia fiscal de empresas) e que, segundo o critério atual, cabe à iniciativa privada definir “o uso do dinheiro público”. Além de não levar em conta os valores investidos diretamente pelas empresas, que complementam os investimentos incentivados, o mandatário do MinC ignora a participação de artistas e produtores (proponentes dos projetos) e da sociedade civil (que compõe a CNIC), além do próprio governo (que além de grande usuário é regulador, operador e regulador) no sistema.

“O interesse principal acaba sendo o de retorno de imagem da empresa – uma distorção”, criticou o ministro, ao acrescentar que “até mesmos as empresas [com sede] em estados [menos desenvolvidos] preferem investir em outros estados para ter uma relação com consumidores que têm maior potencial de compra”.

O fato é que não há sequer uma pesquisa que comprove o discurso (com tom acusatório) do ministro. E há um projeto de lei que pretende mudar o principal instrumento de financiamento à cultura do país sem qualquer amparo científico ou tecnológico. Com o investimento em publicidade gasto pelo MinC para construir a ideia de que a Lei Rouanet  faz mal ao país, o governo poderia ter investido num levantamento de informações sério, que pudesse amparar qualquer mudança no sistema. Pelo jeito, essa missão ficará para o próximo governo.

Por trás do discurso há o interesse em concentrar cada vez mais o mando dos recursos nas mãos governamentais. Tanto que o Procultura (que revoga a Lei Rouanet) dá ao ministro o poder de definir o volume de impostos a ser deduzido pelo patrocinador. O poder público, que na Lei Rouanet figura como operador e regulador, passaria a figurar como copatrocinador (sic).

Antes da nova legislação, o Ministério da Cultura publicou uma instrução normativa que simplifica a apresentação de projetos para financiamento pela Lei Rouanet. A comprovação da documentação, por exemplo, só será exigida depois de aprovação do projeto. Leia análise a respeito, comentada pelo atual secretário de fomento, Henilton Menezes.

Com a mudança legal, o MinC promete fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, transformando-o em principal forma de financiamento na área. O fundo será segmentado em oito setores: música; audiovisual; inovação audiovisual; livro, leitura e literatura em língua portuguesa; ações transversais (multimídia, mais de uma linguagem); patrimônio e memória; artes visuais; e acesso e diversidade.

O problema é que as fontes de arrecadação do FNC continuam intactas. A única forma encontrada pelo MinC para aumentar a participação do Fundo é diminuindo drasticamente o mecenato empresarial, com as novas regras. O resultado da equação é negativo para a cultura, pois o MinC quer mexer numa receita certa para apostar numa duvidosa, suscetível a contingenciamentos e intempéries político-econômicas.

O Ministro também não abordou a disparidade entre o Procultura e a Lei do Audiovisual, que deverá ser renovada até 2016 com 100% de desconto no IR, contra uma equação muito mal engendrada que submeteria o projeto cultural a uma avaliação de mérito (ideológico) para enquadrar-se em faixas de no máximo 80%.

De acordo com o ministro, o orçamento da pasta aumentou de R$ 287 milhões, em 2003, para cerca de R$ 2,5 bilhões este ano (1,3% do Orçamento da União). A meta, segundo Juca Ferreira, é atingir 2% nos próximos anos. O candidato José Serra discorda dos números do MinC e promete triplicar o orçamento atual da pasta. Dilma Rousseff ainda não equiparou a promessa, mas fala em aprovar o Vale Cultura, o Procultura e oferecer crédito do BNDES ao setor.

Perguntado por que o filme Lula, o Filho do Brasil (dirigido por Fábio Barreto) foi escolhido para ser indicado para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, em vez de Nosso Lar (dirigido por Wagner de Assis), o preferido na consulta pública do próprio ministério, ele explicou que a decisão não foi da pasta, mas da comissão de seleção.

*Com informações da Agência Brasil.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

30Comentários

  • antonio c. gouveia, 18 de outubro de 2010 @ 10:04 Reply

    espero que a lei rouanet não seja revogada!
    temos que melhora-la e não acbar com ela!
    a produção cultural no Brasil é feita, na sua maioria, por profissionais, pessoas e empresas que construiram nestes ultimos 16 anos, a informação, a ampliaram o setor com uma produção nunca vista antes neste país.
    exitem milhares de pessoas que vivem da produção cultural e se a lei acabar, 90% perderão seus empregos, trabalhos e projetos.
    os futuros gestores terão uma oportunidade unica de fazer história nesta area e que vença o que quer melhor e não acabar com ela!!!!
    não vamos deixar este atual ministro e o atual congresso destruir o que foi conquistado com muito trabalho nestes anos!!!

  • massakritica, 18 de outubro de 2010 @ 11:13 Reply

    Alguns apontamentos sobre algumas de suas declarações:

    “Além de não levar em conta os valores investidos diretamente pelas empresas, que complementam os investimentos incentivados,”

    Poderia mostrar onde estão os valores investidos diretamente do caixa das empresas que ultrapasse os 5% do total de renúncia no período de 1 ano, por exemplo?

    “O fato é que não há sequer uma pesquisa que comprove o discurso (com tom acusatório) do ministro.”

    Ora, não é necessário pesquisa para comprovar que as empresas usam praticamente apenas os benefícios do art. 18 da Lei Rouanet e art. 1 e 3 da Audiovisual, para isso basta pedir um histórico do desembolso via Imposto de Renda das PJ à Receita Federal e proceder da mesma forma junto a CVM para saber sobre o montante de isenção sobre a lei do audiovisual.

    “Por trás do discurso há o interesse em concentrar cada vez mais o mando dos recursos nas mãos governamentais.”

    Pelo o que li, tanto do Procultura como da IN nº 1 de 2010, todo o processo de escolha de projetos que serão beneficiados direta ou indiretamente com recursos públicos oriundos da união passa por comissões mistas e paritárias, basta ver como está sonfigurado a CNIC, CPPC, etc. Além disso a transferência Fundo a Fundo, base do Sistema Nacional de cultural, só irá ocorrer se o estado, o DF e os municípios tiverem Conselhos de cultura mistos e paritários. Até onde sei caberá ao ministro voto de minerva, e não é assim em todas as democracias?

    “O poder público, que na Lei Rouanet figura como operador e regulador, passaria a figurar como copatrocinador (sic).”

    O recurso é do estado, da união, e sendo público precisa haver critérios, e não o que ocorre até hoje com o empresariado (mais precisamente o do eixo RJ-SP) decidindo o que será viabilizado ou não na cultura brasileira.

    Já se foi o tempo do estado mínimo, onde se plantou a idéia que tudo que era estatal era ruim e pernicioso, lento e dispendioso. Vivemos outro momento e estamos a um passo de termos um mecanismo (O grande FNC após a aprovação de toda a legislação que tramita no congresso) justo, eficiente e que contemple a cultura brasileira nos 3 aspectos que é base da política do MinC desde Gil e que continua com o Juca: cultura para preservação dos referenciais simbólicos nacionais, cultura como cidadania (nada mais exemplar que o Cultura Viva e seus maravilhosos Pontos de Cultura) e a economia da cultura para geração de emprego e renda, inclusão social, desenvolvimento local e regional, etc.

    @gledsonshiva

    • Produtor, 19 de outubro de 2010 @ 22:04 Reply

      Na Rouanet atual, 10 mil ou mais profissionais da iniciativa privada, seja diretores, gerentes e analistas de marketing e comunicação, definem que projetos receberão incentivos. Com isso, um universo amplo e democrático de iniciativas podem ser contemplado, contanto que tenham mérito artístico e, obviamente, interesse comercial.

      No próximo modelo, meia dúzia de burocratas escolherão os projetos dos seus amigos ou, pior, estarão sujeitos à corrupção.

      • lulu, 11 de novembro de 2010 @ 7:57 Reply

        "Produtor", o problema está justamente no "interesse comercial". Analistas de marketing definindo investimentos públicos para "um universo amplo e democrático"? Parece piada. Esse modelo privilegia os interesses do mercado ("e dos seus amigos"), deixando de lado o que não vende fácil, o que não tem espaço na grande mídia, o que está fora do circuito rio-sãopaulo. Ora, trata-se de dinheiro público, certo? A defesa de que o mercado seja o grande regulador nada mais é do que a defesa do Estado mínimo. Mas com recursos públicos??? Ora, isso é privatização do Estado. Para os produtores q defendem esse modelo, os pontos de cultura bastam como políticas públicas de democratização do acesso a recursos públicos. Mas não bastam não. O Estado tem mesmo é que democratizar o acesso a todos os recursos públicos, e atuar na melhor regulamentação da lei de incentivos.

  • ana, 25 de outubro de 2010 @ 13:47 Reply

    do meu ponto de vista a lei rouanet passa longe de ser algo que "vem dando certo". o fnc será um grande avanço uma vez que pela lei rouanet só são contemplados projetos que tem maior apelo mercadólogico (e nesse caso não necessitariam de repasse governamental), os artistas são reféns das empresas e surge a chamada arte-empresarial que já é idealizada nos moldes que agradam o empresariado e muito pouco comprometidas com a arte enquanto produção de conhecimento crítico e legado cultural. conheço muitas pessoas que tem passado ano após ano atrás de patrocínio para os projetos aprovados, sem nenhum êxito em receber apoio de empresas. cada vez mais temos visto a necessidade da intervenção do estado para resguardar a autonomia da arte e não deixá-la se tornar um mero instrumento de marketing privado. não há nada pior do que ser um guardanapo decorado na mesa de um empresário!
    os processos que tem sido regulamentados pelo governo atestam que há mecanismos capazes de democratizar o acesso à arte por meio de editais e comissões de seleção, com transparência e qualidade. inúmeros pontos de cultura foram criados no país descentralizando a produção artística e gerando acesso em regiões fora do eixo, as conferências nacionais foram realizadas com discussão direta com a sociedade civil. a cultura de fato teve grandes avanços e ainda falta muito a conquistar.

    a observação final sobre mais um dos promessômetros de serra chega a doer os ouvidos ainda mais pra quem acompanha a situação de sp, sempre voltada para as grandes companhias, grandes teatros, ao invés da distribuição da verba entre os milhares de grupos existentes na cidade. é a velha política do "uns com pouco, outros poucos com algum e a maioria sem nenhum".

  • Ramilla Souza, 28 de outubro de 2010 @ 21:50 Reply

    A realidade de onde vivo (Natal/RN), pelo menos, referenda o que disse o ministro. Renúncia fiscal aqui não funciona. As empresas ou não têm interesse ou se propõe apenas a financiar obras de cunho popular e mercadológico.

  • Ramilla Souza, 28 de outubro de 2010 @ 21:52 Reply

    A Lei Rouanet é uma receita certa? Em que mundo, pelo amor de Deus?? Desculpa, mas esse texto está parecendo mais interessado nas eleições do que em cultura propriamente.

  • Leonardo Brant, 28 de outubro de 2010 @ 23:09 Reply

    Ramilla, a Lei Rouanet não é receita certa pra nada, mas é o que temos. Não vejo nenhum motivo para revogá-la. Precisamos ampliar os meios de financiamento, além de aprimorar os existentes, para que ele se tornem realidade a todos. O mecenato continua a ser o maior instrumento de financiamento da cultura e não considero prudente acabarmos com ela. São aproximadamente 150 mil empresas que dependem, de certa forma, do mecanismo, segundo informações do próprio MinC.
    Acho que vc acabou de chegar ao Cultura e Mercado para fazer uma declaração dessas (a respeito do meu suposto oportunismo eleitoreiro). Só tenho a dizer: seja bem-vinda! E vamos dialogar e construir políticas culturais juntos. Abs, LB

  • Solange, 2 de novembro de 2010 @ 21:13 Reply

    Na minha opinião a Lei Rouanet tem que acabar. Como artista plástica a mais de vinte anos jamais tive acesso a recursos dessa lei. O estado é quem tem que apoiar e financiar a cultura, as artes visuais, diretamente, mesmo!

  • Leonardo Brant, 2 de novembro de 2010 @ 21:34 Reply

    Preciso comentar as provocações do Gledson acima:

    1. Não temos pesquisas confiáveis que indiquem o volume de investimentos diretos de empresas. Posso apontar um sem número de iniciativas patrocinadas diretamente por empresas, pessoas físicas e empreendedores culturais. O que não podemos aceitar é o governo manipular informações para camuflar o real problema por trás da Lei Rouanet, que é a gestão pública ineficaz.

    2. O texto do PL é aberto o suficiente para uma interpretação ao bel prazer do governante de plantão. Os ditos critérios de aprovação e enquadramento de projetos são os mais gritantes nesse sentido.

    3. O recurso do mecenato não é público. É privado. Concordo que ele tenha natureza pública e deve ser investido em iniciativas com essa característica. Mas o Estado abre mão daquele recurso em nome de propostas previamente aprovadas por um sistema complexo, que inclui a inicitiva de agentes culturais, acompanhamento e aprovação da sociedade civil (CNIC) e regulação governamental. Concordo que o sistema precisa ser aprimorado para garantir a qualidade e efetividade das ações culturais, mas não podemos aceitar a revogação de um instrumento tão relevante, em substituição por outro que não resolve seus problemas mais significativos.

    Agora, mais do que nunca, precisamos debater o sistema de financiamento à cultura no país.

    Abs, LB

    • lucila, 11 de novembro de 2010 @ 8:23 Reply

      Leonardo, dizer que "o recurso do mecenato não é público", que é privado, "de natureza pública"? Parece um jogo de palavras! O que significa recurso de natureza pública senão que é dinheiro do Estado? Vamos deixar claro: trata-se de dinheiro público que é privatizado quando investe em iniciativas de interesse do mercado. Sabemos que a aprovação por parte da sociedade civil (via CNIC) significa apenas a obtenção do selo para captação, mas a seleção de projetos pelas empresas (que investem recursos públicos devidos, que fique claro) não passa por qualquer controle ou regulamentação no sentido de garantir seja a equidade entre regiões (que a Ramila reclama com razão) seja a contemplação de projetos que não têm interesse mercadológico. Se a contrapartida social que o atual Ministério sempre defendeu (como exibições gratuitas de espetáculos, filmes, por exemplo, que foi ferozmente atacado) ainda ocorresse, poderíamos dizer que o modelo tem algo de perfil democratizante, ao menos no acesso aos bens culturais financiados. Mas nem isso. Só ocorre em pouquíssimos projetos por iniciativas espontâneas…

      • Leonardo Brant, 11 de novembro de 2010 @ 10:33 Reply

        Não é um jogo de palavras. O Estado concede à empresa a prerrogativa de investir em projetos culturais, pois eles, supostamente, têm interesse público (garantidos com uma boa gestão pública do processo de avaliação, aprovação da CNIC, sanção e regulação do Estado). Concordo com vc que essa coisa não acontece dessa maneira, desviando os fins do mecenato. Mas isso não tira o caráter privado do mecenato. As empresas o fazem por decisões meramente privadas. Cabe somente a elas essa decisão. O Estado abre mão do recebimento desse ativo, que iria para o caixa único do governo, para, aí sim, se tornar Erário. Antes disso o dinheiro é da empresa. Acabei de ler uma excelente tese de mestrado de direito tributário do Dr. Julio Cesar Pereira sobre a questão. Não é como eu gostaria que fosse, mas é. Abs, LB

        • lucila, 11 de novembro de 2010 @ 10:47 Reply

          Outro jogo de palavras: "antes disso o dinheiro é da empresa". Antes de quê? Do governo abrir mão de receber o dinheiro? O Estado diz assim: em vez de me pagar o que me deve, dá esse dinheiro pro fulano. No máximo, o velho "fazer caridade com chapéu alheio". Veja aí novamente o seu jogo. Eu não questionei o caráter privado do mecenato, mas sim sua afirmação de que o dinheiro era privado. E a decisão e a gestão nas mãos do setor privado não deixam de ser distorção enquanto não houver regulamentação em que o Estado estabeleça linhas, proporcionalidades, etc.) O recurso é público sim, nunca deixou de ser!

          • Leonardo Brant, 11 de novembro de 2010 @ 12:22

            Vamos combinar o seguinte: pra vc o dinheiro é público; para os tributaristas, e para as empresas, é privado; e para o ministro é do governo. E assim caminha a humanidade…

          • gil lopes, 11 de novembro de 2010 @ 12:23

            o recurso é público com gestão transferida. é isso. e é isso que é usado para garantir a hegemonia do conteúdo estrangeiro importado sobre o conteúdo nacional. é assim mesmo, e 20% já está determinado por regulamentação, vai para a midia.
            e a itinerância, ATENÇÃO, mantidas as condições, será a itinerância em todo território nacional do produto importado, realizada com dinheiro público. é isso mesmo?

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 4 de novembro de 2010 @ 14:05 Reply

    Leonardo

    Admiro verdadeiramente a sua bravura em defender a Lei Rouanet, porém, desde o princípio deste debate sobre a eficiência ou não da lei, há uma promessa por parte dos que a defendem, de sugerir mudanças, aperfeiçoamentos que poderiam corrigir distorções. Pois bem, passado todo esse tempo de indas e vindas sobre conquistas e derrotas que a cultura teve com a Lei Rouanet, o receituário dos que a defendem como um mecanismo que não pode ser jogado fora, mas apenas aperfeiçoado, adota o silêncio e ficamos neste “por hora é isto”. A lei é boa e só precisa de ajustes.

    Em alguns momentos, os que a defendem, dizem que é a única coisa que temos, em outros, dependendo das circunstâncias, esta mesma força diz que a lei não é nossa, mas sim do setor privado.

    Não há um ponto sequer nessa heróica defesa que conquiste de fato, através de argumentos sólidos, um pensamento de revisão, ao contrário, cada vez mais a lei conquista repulsa da classe artística nas discussões sobre o desenvolvimento da cultura nacional e, praticamente a sua extinção é uma realidade.

    Dentro desse novo cenário geopolítico global, existe uma questão que o (Simpósio Internacional de Cultura) que tanto apreciamos, não prevê. São as garras do falcão formada basicamente por um pensamento ultra-conservador no congresso americano que acaba de levantar voo e pretende fazer um dos mais duros ataques especulativos às economias globais. E nesta nova ordem a discussão da cultura tenderá a seguir os caminhos já anunciados pela Presidente Dilma Rouseff que é o fortalecimento interno da nossa economia. E é nessa nova morada nacional que uma política pública tem que centrar fogo sem a encenação de uma ópera cara que pouco interessa à cultura brasileira por dois motivos: porque não fomenta a criação e nem o mercado interno. E a Lei Rouanet, como se coloca, além de tantos outros absurdos, como a mantenedora de qualquer forma de manifestação independente da responsabilidade com o país, já que os seus objetivos são de caráter prioritariamente voltado à imagem do “mecenas” e não a uma estratégia nacional de cultura. Ela hoje é a lei do nonsenso diante de qualquer realidade que colocarmos na mesa do debate.

    Por isso, sinceramente Leonardo, e o tempo prova isso, não há como margear um caminho que dê sobrevida a uma das chagas mais sórdidas que a cultura brasileira enfrentou. Mas ainda assim aguardo as sete cartelas que os que defendem a Lei Rouanet se dispõem a nos apresentar como forma corretiva. Mas não pode ser um balão de ensaio ou um saco de réplicas de compilações absolutamente de especulação baseada na abstração universal, mas um argumento pão-pão, queijo-queijo, na linguagem da Presidente Dilma, uma proposta verdadeiramente acertiva.

  • Luiz Carlos Garrocho, 6 de novembro de 2010 @ 16:28 Reply

    Somente para dar um exemplo, de como a Lei Rouanet tem funcionado: a Folha de São Paulo (5.11.2010) diz que o espetáculo "Mamma Mia!" teve aprovação para captação no valor de R$13,39 milhões, cobrando ingressos entre R$80,00 e R$230,00.

    Que política pública de cultura é esta? Por que a Lei deve ser mantida intacta?

    O diretor de teatro do Satyros, Rodolfo García Vásquez, que assistiu a peça a convite da Folha, observa: "Essa produção deve ser absurdamente cara. Não entendo como é permitido montar um espetáculo desses, que visa ao lucro já na concepção, como dinheiro de dedução fiscal [via Lei Rouanet]."

    Assino embaixo do texto de Carlos Henrique Machado Freitas. E concordo com as outras opiniões que são favoráveis à revisão da Lei Rouanet. E louvo o trabalho de Leonardo Brant, que mantém este espaço de informação e debate democrático.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 9 de novembro de 2010 @ 22:29 Reply

    Luiz Carlos

    A sedução da praticidade deixou muita gente sem entender o falso papel estabelecido no centro do sentido da Lei Rouanet. O discurso perfilador, contraditório que usou caminhos autoritários e que agora nos apresenta um amarra-bode, foi justamente uma fala bonita de dialética, mas na verdade, na alma de toda essa boniteza, o pensamento era seduzido mecanicistamente por quem a esperança depositou um sentido cego de competência e disponibilidade.

    Na verdade a Lei Rouanet é um eterno aprendizado, não só por sua natureza esquizofrência, mas também pelo quesito capacitação, já que o mínimo dos saberes necessários para carimbar positiva ou negativamente um projeto, depende rigorosamente de pesquisa e criticidade de quem se dipõe à tarefa de ser um “mecenas”. E isso simplesmente beira à piada.

    Na realidade, a cultura se viu molhada de esperança, assim como um pão seco mergulhado no café e, consequentemente, por mais que isso despertasse e trouxesse uma energia fugaz, não se teve ganho de musculatura durante os quase vinte anos de Lei Rouanet.

    Esse fracasso era fatal, porque a visão de mundo alicerçada sob a ótica da velocidade e da competitividade é pedagogia própria da anatomia da alma dos negócios. Seria infantil imaginar que dentro desse ambiente teríamos textos e reflexões apropriados para se fazer valer de política pública de cultura, sem filosofia, sem ética.

  • gil lopes, 10 de novembro de 2010 @ 10:10 Reply

    Mas qual é o problema em selecionar os projetos apresentados? Competência não falta. SE já na cara de todo mundo que é um contra senso tratar igual o que é desigual porque não há uma instrução no sentido de diminuir as perdas com a isenção de produtos importados pela lei Rouanet? Se a lei vai acabar veremos, mas e essas perdas? Entram na contabilidade de quem?

  • massakritica, 10 de novembro de 2010 @ 22:52 Reply

    Olá Leonardo,

    Respondi sua resposta às minhas considerações pelo meu post porque houve aquele problema técnico:
    sss://outrasformasdefazer.blogspot.com/2010/11/a…

    @gledsonshiva

    • gil lopes, 12 de novembro de 2010 @ 11:10 Reply

      poxa, vc só lembrou a artista da MPB que cobra 100? Só mesmo? E olha que música é artigo 26, rouanet pela metade hein…vc esqueceu de ver a vergonha nas artes cênicas, 100% de abatimento pra trazer produto importado e vender, nem importa a que preços, já é um escândalo…dá uma olhadinha. Conluio público e privado apoiando essa fábrica…

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 11 de novembro de 2010 @ 13:59 Reply

    Logico que o recurso é publico.

    O que a lei Rouanet nos brindou, foi essa cultura Para-estatal-de-mercado.Não há contorcionismo retórico que pinte psicodelicamente este borrão conceitual.A Lei Rouanet é um roubo sem fronteiras.

  • Leonardo Brant, 11 de novembro de 2010 @ 14:14 Reply

    De quem é o incentivo de IPI aos automóveis e à linha branca? Quem abocanhou esse dinheiro? Cadê o benefício público disso? Esse dinheiro não existe. O Estado deixou de arrecadar, abriu mão dele para o consumidor e para a indústria. Poderia citar mil tipos de incentivos fiscais que seguem a mesma lógica.

    Cultura é estratégico, então vale o incentivo. Qualquer cultura, não somente aquela que vc gosta, se identifica, ou defende. Isso é o mais importante.

    Ele é o que ele é, não o que gostaríamos que fosse. Portanto, não é tão lógico assim…

    Abs, LB

    • gil lopes, 11 de novembro de 2010 @ 14:41 Reply

      Muito bem Leonardo, então vamos debater sobre a estratégia de quem criou o benefício, certo? É uma boa pauta. Cultura no Brasil é estratégico, mas com que estratégia? Vale qualquer cultura, é isso mesmo?
      Vc se refere ao fato do incentivo dado ao produto cultural importado ser igual ao nacional, e que o valor democrático é dar isenção a ambos de forma igual?
      Gostaria muito que vc elucidasse essa questão.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 11 de novembro de 2010 @ 14:55 Reply

    Vamos ser lógicos e pragmáticos. Essa excessiva espuma técnica no território da cultura segue as mesmas razões de outros golpes tributários que a Lei Rouanet tão bem representa. Foi com essas redondilhas dispostas a inverter as regras e beneficiar São Paulo que José Serra, então deputado, conseguiu subverter a lógica e impor um mata-leão nos estados produtores de petróleo, privilegiando o consumo e, consequentemente, no caso dos royalts, São Paulo saiu ganhando em detrimento, sobretudo do Rio, o maior produtor. O mesmo mata-leão de Serra foi também aplicado por ele no estado do Paraná em relação à produção de energia. O Paraná também sofreu um verdadeiro assalto com a lógica da política de morcego, a de enxergar as coisas de cabeça para baixo e sugar o sangue alheio.

    No caso da Lei Rouanet, é muito mais simples, de um lado, a sociedade como contribuinte e, do outro, o governo eleito por ela para gerenciar os recursos. Quando surge a tal terceira via no vácuo e quer destituir o governo do gerenciamento de recursos que tem a sociedade como fonte, assistimos a um duplo mata-leão conceitual.

    Trocando em miúdos, as empresas “mecenas” que, na verdade, não casam um tostão na mesa, escolhem o rótulo do vinho nacional ou estrangeiro, comem, bebem, arrotam a soberba de padrinho das letras e das artes e ainda pegam o troco, tudo pago pela sociedade. Não há coisa melhor no mundo do que esse manjar dos deuses para quem se beneficia desse intercurso cheio de mistérios que só os golpes tributários com suas vírgulas podem nos dar, sempre acompanhado de um projeto político ultra-conservador de extrema direita, do núcelo mais duro do capitalismo neoliberal.

  • DanielZolten, 11 de novembro de 2010 @ 14:56 Reply

    A natureza do recurso é privada. Estado não gera riqueza. O dinheiro da Rouanet surge através do esforço da empresa financiadora. Mérito dela. Papel do Estado é dizer "se utilizado em projetos culturais, esse dinheiro não será tomado*".

    * Tomado no sentido de feroz, "apreendido", tirado à força, afinal, é isso que um imposto é.

  • Leonardo Brant, 11 de novembro de 2010 @ 14:57 Reply

    Carlos, há muito mais cultura do que possa imaginar a sua vã ideologia. Bem vindo à diversidade, amigo. Não concorde, xingue, esbraveje, chame o síndico, mas conviva com um pensamento diferente do seu. Esse monstro que vc chame de direita é algo inventado, está na sua cabeça e de meia dúzia de ideólogos, órfãos do muro de Berlim. Eu sou um deles, mas me sinto curado. O que vc chama de esquerda é algo tão ou mais corrupto e nefasto do que a dita direita. E tem o capital. Há sim, o Capital. O capital continua aí, comendo em todos os pratos e lambendo os beiços. E, pelo que me consta, somos um país capitalista, certo? Ou não? Então é um país da iniciativa privada. A cultura é privada, foi privatizada. Uma merda, eu sei. Mas é a realidade. Não adianta chorar. 8 anos de Lula e continua na mesma. Mas tem um discurso sacana, que vende a ideia de Estado presente e a cultura estratégica. Cadê? Me avisa que eu não vi. Viajo o Brasil e vejo um um gás entorpecente que mareja a miséria. Vejo um coronelismo de Estado e um capitalismo mais do que selvagem avançando e tomando conta do país. Crianças na rua brincando de Halloween. E vejo oportunidades de mercado sendo jogadas no lixo em nome de uma ideologia vazia de sentido e de pragmatismo (como vc mesmo diz), esperando o Estado e sua varinha de condão…
    Eu acho tudo bonito, fico igualmente emocionado, conto a história do Lula para o meu filho, falo em democracia, em desenvolvimento, na redescoberta do Brasil, torço pela Dilma. Está tudo bem, o Brasil vai bem. Está tudo ótimo. Mas vamos cair na real…

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 11 de novembro de 2010 @ 21:27 Reply

    Concordo com você, Leonardo. Para aperfeiçoarmos o nosso debate, é bom darmos só na bola. Então, vamos a ela, e a bola da vez aqui é o mercado e somente ele, para cairmos na real.

    O borralho de transação que podemos perfeitamente chamar de composto Rouanet, é um mercado dele próprio, é um cachorro correndo atrás do próprio rabo. E por que digo isto? Porque isto sequer pode ser classificado como mercado. Vejamos que ele se apresenta como o primeiro inconveniente para a própria veneta da livre iniciativa, sem falar que esse universo é sisudo por natureza e não perdoa vacilos.

    Explico: entre outras variantes do sistema de mercado, há uma regra ciente do seu próprio julgamento que liquida as pendengas na fonte do conceito da livre iniciativa que é, “quem não tem competência não se estabelece”. Traduzindo para o bom português: se não fica de pé com as suas pernas, então mate-se!

    Portanto, se a suprema recomendação diz isso, não há como formigar outro expoente para seus filhos menos ilustres do mercado.

    Por tanto não há lantejoula discursiva ou miçanga dourada do tatibitate retórico que faça disso, um mercado com M maiúsculo.

    O que este “mercado cultural” quer, é viver desse pensionato “artístico”.

    Aonde o tesouro, delega a literatura da “economia criativa privada” o gozo da vida.

    Tudo, em nome de um estágio de letargia renitente.

    Este bananal de moções e afirmações individualistas via Lei Rouanet, quer no máximo saber preencher requerimentos de solicitação de pensão ao estado.

  • gil lopes, 12 de novembro de 2010 @ 11:04 Reply

    Deixando o Fla x Flu de lado, ou o Corinthians x Palmeiras, como quiserem, podemos caminhar mais na direção do que nos aproxima ao invés de nos distanciarmos mais. Estávamos num bom caminho na minha observação, passamos a definir como sendo a cultura estratégica, e nos perguntamos: mas qual é a estratégia? Alguém é a favor da isenção fiscal ao conteúdo importado idêntica ao conteúdo nacional? Alguém se habilita? Considerando que esse é um ponto que tem relevância, basta abrir a midia cultural e observar, qual o problema em debater esse ponto? Vamos a ele?

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 12 de novembro de 2010 @ 14:33 Reply

    Este, Gil, é um dos grandes absurdos, a música cantada, só porque é cantada, ser enquadrada no artigo 26 é mais um absurdo desse pensamento fragmentado que editou suas normas na base não de uma lei de incentivo, mas na lei do Gerson, premiando, sobretudo o compadrio do audiovisual em qualquer circunstância. Mas ainda falaremos disto.

    Por ora, vamos aqui neste post discutir o território do dinheiro dentro das novas lógicas da compartimentação generalizada que a Lei Rouanet nos brindou.

    Leonardo, não há como fugir daquele fundamental assento sobre a democracia e a diversidade, palavras que praticamente são o mantra do palavrório que se faz de creme de maquiagem nas feições desse discurso.

    Neste quesito introduzido pela sociedade de forma natural pelos próprios caminhos históricos da nossa civilização, é que a cereja do bolo vira enfeite do império do dinheiro. Como? Se todos louvamos a riqueza, se todos temos ciência que um único grão de arroz tem custo em um país capitalista, bem lembrado por Leonardo. Por que não discutirmos o absurdo que é, não a riqueza, mas a distribuição dela, de forma equânime acompanhando os fundamentos que tanto festejamos da nossa multiculturalidade e nossa miltitonalidade?

    Todos nós enxergamos a riqueza, mas poucos são os que querem enxergar o que está empobrecido em meio à fartura de bem poucos. Tudo se dá pela régua de um pequeno número de atores que se manifesta na cochia do teatro Rouanet, seja nacional ou internacional, não há responsabilidade com isto. É esta a grande questão, Leonardo, que mostra os limites do discurso frente à realidade vivida pela gigantesca maioria de produtores, artistas e etc., um quadro que em nenhum momento sinalizou positivamente um caminho evolutivo, ao contrário, esta é a tônica estabelecida pela lei do cão, aonde os protagonistas da democrática diversidade espontânea não estão representados nessa fábula científica da gestão privada/pública.

    Portanto, Leonardo, dependendo da interpretação multidisciplinar, a situação se agrava, porque os números apresentam uma concentração mais que regional, política, partidária, empresarial e setorial que acaba desembocando na Avenida Paulista. Por isso não dá tempo para o Brasil atual esperar “a correção de rumos equivocados”.

    Aqui em Volta Redonda costumamos dizer, quando deparamos com um arcabouço político-territorial como este… Joga no auto-forno e manda fazer novamente. O que ninguém quer é passar mais vinte anos para usar uma lei comportamental que só ousa nos mostrar no universo da riqueza as definições de pobreza.

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