A recém-promulgada Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais no âmbito da UNESCO é a consolidação de uma luta histórica contra a homogeneização cultural promovida por um oligopólio formado por estúdios de Hollywood e seus grupos empresariais, que reúnem conglomerados de mídia e fabricantes de equipamentos eletrônicos.

Financiados por outros cartéis, como a indústria financeira, tabagista e alcooleira, essa cultura de consumo favorece setores, sobretudo o mercado do luxo e da celebridade.

Encampado por organizações socioculturais, produtores independentes organizados em coalizões e redes por todo mundo, o movimento encontrou abrigo em países como a França, Canadá, Suécia e Brasil, que sentem os efeitos do estrangulamento cada vez mais visível de suas culturas locais, com o domínio dos meios de comunicação e difusão cultural nas mãos desses conglomerados multinacionais.

A Convenção consolida outras pautas urgentes das sociedades contemporâneas, como a cultura de paz e o respeito das diferenças culturais, a sobrevivência das culturas autóctones, suas formas de vida, fazeres, economias e línguas, em oposição a um projeto global único, que pretende incluir todos os habitantes economicamente ativos do planeta, com metas de crescimento cada vez mais elevadas.

Nesse cenário, torna-se urgente a composição de um cenário positivo e fértil para tratar do assunto, como uma das grandes pautas sociais do novo milênio, oferecendo subsídios concretos para apropriação de um glossário fundamental para a construção e consolidação de democracias multiculturais.

Seu valor simbólico no âmbito da UNESCO pode ser medido pela votação para a promulgação da Convenção, em 2005. Com 151 votos a favor e apenas 2 contra (Estados Unidos e Israel), associou-se de maneira definitiva como peça de resistência ao imperialismo norte-americano e sua irresponsabilidade bélica e midiática.

O documento passou a ser utilizado pelos diversos organismos e segmentos em busca de maior equidade nas trocas internacionais, assim como nos países-membros, que ratificaram a Convenção em sua legislação interna. O Brasil o fez em dezembro de 2006.

Isso significa um compromisso do país com o estabelecimento de políticas concretas de preservação e promoção da diversidade. Traduzido para as políticas internas pelo então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, como do-in  antropológico, essas políticas visavam massagear as dinâmicas culturais já existentes por todos os pontos de ressonância do país.

Para efetivar uma plataforma pública, abrangente e democrática, é preciso praticar o do-in antropológico, auto- massageando o corpo cultural, celebrar a diversidade, promover o sincretismo, estimular a auto-representação, valorizar as identidades, participar da Cidadania Cultural e garantir os direitos culturais a todos os cidadãos.

Não podemos, no entanto, enxergar como uma receita fechada, mas considerá-la uma sistematização prática de elementos emergentes da nossa realidade cultural. Como um plano propositivo para visualizarmos novos efeitos de mundo, baseados em resultados consistentes e processos enriquecedores para a sociedade brasileira.

* trecho do livro O Poder da Cultura.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

3Comentários

  • Octaviano Moniz, 15 de junho de 2010 @ 20:39 Reply

    Como sempre ;excelente !!!!!!!!!
    Gracias,
    Octaviano

  • Fabiana Couto, 17 de junho de 2010 @ 21:44 Reply

    Sempre que leio seus textos me sinto entendida. E não me sinto só. Quero realizar cada vez mais ações para expandir esse entendimento sobre cultura. É uma pena que o sistema nos toma muito tempo.

    Parabéns Leonardo,

    Fabiana Couto – ABC pró HC

  • Auda Piani Tavares, 22 de junho de 2010 @ 17:53 Reply

    Ao falar sobre a Convenção de proteção e promoção da diversidade cultural, você destaca o que considero mais sigficativo no momento em que a convenção foi votada e posteriormente ratificada, que é exatamente a demonstração, se alguém ainda tinha alguma dúvida, de como acultura foi tratada durante todos esses anos, o que Adorno chamava atenção sobre dominação pela indústria cultural, fica mais uma vez evidente com a relutância dos Estados Unidos em votar em favor da Convenção; o fato de Israel votar contra tem outras implicações, por que nem um país no mundo ficou ileso ao domínio hollywoodiano. Importante dizer que eles tem produções maravilhosas, no entanto nós também temos, o Irã tem, com a grana abocanhada pela hegemonia cultural, já poderíamos estar no mesmo nível tecnológico, se é que podemos considerar tão essencial às produções artísticas nos dias de hoje.

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