Um novo movimento cultural emergiu no país nos primeiros cinco meses de 2011, precipitado pelo conflito com a atual gestão do Ministério da Cultura. Digital, pós-tropicalista, antropofágico, descentralizado, nômade e internacional. Ainda é muito cedo para avaliar a importância dos fatos que levaram pessoas de todos os cantos do país a se juntarem de um modo novo. Intelectuais, artistas, produtores, blogueiros, micro-agentes culturais, nano-empreendedores montaram uma rede que provavemente será fundamental no futuro próximo. Ela recebeu o nome de Mobiliza Cultura (www.mobilizacultura.org).

As ações políticas partilhadas são a realidade do mundo de hoje. É claro que quando uma Ministra da Cultura – como no caso de Ana de Hollanda – tem uma noção diferente de democracia as pessoas percebem e tendem a vocalizar sua angústia diante de atitudes mais bruscas.

O que esse movimento reivindica então? Certamente muito, mas ao mesmo tempo nada mais do que o Plano Nacional de Cultura. Tenho certeza de que o MinC vai encontrar seu rumo depois de todas as alterações – até porque a presidenta Dilma Rousseff provou ser uma mulher séria, que fará tudo o que estiver ao seu alcance para arrumar a casa. Fiz, assim como muitos artistas e produtores culturais, campanha para Dilma, e tenho muito orgulho de ter feito. Não quero também criticar o alicerce da ministra, pois  como disse um grande blogueiro: o Ecad é a CBF da Cultura.

Acho que o funtamental é que nunca se discutiu tanto cultura. Todos que participaram desse momento estão orgulhosos de projetar um país diferente, ousado, membro do Bric, forte na dimensão econômica mas também na simbólica.

Essa movimentação toda ocorre porque um Brasil inovador e criativo está brotando, um país que mistura pontos de cultura popular e cluster criativos, que embanana blogs e teatro, que monta redes espetáculares como o Fora do Eixo, e iniciativas provocadoras como o Overmundo. Na mesma velocidade, aparecem novos modos de produção, como o pessoal do Móveis Coloniais de Acaju. Existe também um novo jeito de se organizar festivais pintando na área e também uma forma de agir compartilhado; uma dinâmica plural e muitas vezes até contraditória.

Como a área de cultura tem essa coisa de trabalhar com o simbólico, com o ethos e com o imaginário, é muito comum as pessoas pensarem que é leve. Mas é um pensamento enganoso. O velho edifício da produção cultural e sua  lógica sempre foi barra pesada. Felizmente isso começa a mudar.

Não posso deixar de comentar que muitas e muitas cabeças possantes surgiram no debate em escala nacional, com forte presença da FGV, UFRJ, USP e muitas outras universidades . Pensamento novo, com um novo estilo. E essa é uma nova geração que deve ser respeitada. Mudou também o pensamento em muitas redações,  de repórteres a editores,
buscando a complexidade e o debate mais profundo.

Por fim, muitos setores do melhor da política no Brasil – inclusive dentro do mais importante partido de esquerda da América, o Partido dos Trabalhadores – têm se posicionado ao lado da cultura digital e da nova produção cultural.

Seja qual for o Ministro, se atua de forma dura ou não gosta nada desse papo de horizontalidade e de redes sociais, as pessoas já se uniram. Pode ser que isso não passe de uma hipérbole mental. Mas não é o que se sente por aí. Como diria o fantasminha camarada Darcy Ribeiro, é chegada a hora dos “fazimentos” ousados.


4Comentários

  • Felipe Cabral, 4 de maio de 2011 @ 22:06 Reply

    Mais uma do Darcy: “o Brasil é a nova Roma, a terra do povo dourado, o eden achado pela matriz lusa, forjado no sangue do índio, resultado de milhões de negros moídos nos engenhos. Agora nós precisamos fazer dele toda essa potência, essa potência da mistura que nos traz tantas contribuições. A nossa Cultura é, por isso tudo, certamente, uma das mais ricas do mundo. Mas onde está a riqueza senão, infelizmente ainda, nas mãos do colonizador?”

    Mobiliza Cultura é o nosso jeito de pensar esse desafio: mobilizar a riqueza das culturas para além da mão das velhas e persistentes árvores genealógicas de colonizadores.

    =)

  • yuri queiroz, 5 de maio de 2011 @ 12:08 Reply

    É no fazer que eu me reinvento.

    Mobiliza Cultura

  • Bergamini, 9 de maio de 2011 @ 0:08 Reply

    As forminguinhas abrem caminhos no ciberespaço! Todas as iniciativas com as novas tecnologias são caminhos para a reinvenção e ressignificação da atividade simbólica, não só do país, mas do mundo. A vantagem disso é a união que os produtores da cultura experimentam, mesmo com barreiras físicas. Uma união ideológica, que se fortalece e se espalha rápido, possibilitando mobilizações concretas. #FronteirasSP

  • Raphael Gaspar, 11 de maio de 2011 @ 0:20 Reply

    Sempre houve lobby dentro da câmara e do senado, principalmente para os detentores do mercado da telecomunicação. Mas a partir do final da década de 90 essa prática começou a mudar, uma vez que as corporações passaram a ser o próprio governo. As corporações se interessam pelo dinheiro do governo e o governo pela tributação, que é a principal fonte de arrecadação.

    Balcão de negócios é metáfora para o corporativismo explícito neste jogo entre: os representantes do governo e seus aliados políticos e corporativos, e os potencialmente capazes de assumir essa representação.

    A marcação governo-oposição sempre esteve acirrada, desde os tempos em que a direita insistia na consolidação das tradições, de um lado trabalhando a política externa aliada aos interesses das culturas americana e européia, e de outro fragilizando as estruturas sociais de vigilância, que de certa forma estão relacionadas com toda dimensão cultural… A história da dívida externa que a esquerda tanto combateu, e que agora aprendeu a pagar sem reclamar do FMI, se mantendo em silêncio para não cair em autocrítica.

    Paradoxalmente ou em resposta a isso surge a vocação brasileira no plano cultural. Uma oportunidade melhorada pelo assistencialismo, capaz de fomentar a cultura na nova classe média. Se o mercado explora o direito autoral sob argumento de economia criativa, grupos como o Fora do Eixo elevam esse estado conceitual para uma economia solidária e paralela, atrelada com a produção cultural de diversos coletivos que compartilham da mesma visão. Sob uma nova forma de gestão cultural, esses grupos tentam posicionar a economia a serviço da cultura, amenizando a promiscuidade entre artistas e governo.

    No caso da nomeação da Ministra Ana de Hollanda, que gerou uma reação denunciativa em alas do PT após indicações de mudança no acomodado sistema político desse ministério, pequenino embora estratégico, não vejo porque discordar. Diferente das dezenas fichas-sujas ressuscitadas pela conivência política que descumpre a lei, Ana de Hollanda exibe uma visão diferenciada do mecanismo cultural, se posicionado ao lado da cultura digital e da nova produção cultural, por isso corre riscos políticos.

    Por que, na maioria das vezes, acusações são publicadas apenas quando a estratégia política julga pertinente? O alvo central dessa questão é a representação, querem representar o Ministério da Cultura para controlar uma situação desfavorável às corporações, enquanto Ana de Hollanda, acredito, quer representar as alterações necessárias para o aproveitamento dessa oportunidade, que pode elevar o Brasil ao posto de potência cultural. O Brasil precisa de símbolos de mudança.

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