Essa frase do nosso grande maestro Radamés Gnatalli sinalizava as vaidades dentro de um pequeno grupo e suscita, naturalmente, que a liderança de um cacique tem peso fundamental, principalmente quando é carregada de códigos, mais ainda se o cacique tiver a percepção da sua importância na queima dos navios para enfrentar uma batalha numericamente desfavorável. Culpamos o golpe de 64 contra as liberdades e, em certos momentos, exageramos na narrativa, principalmente na cobrança de uma efervescência no Brasil que iria nos jogar para o futuro. Mas falamos pouco dos cordões golpistas saídos da própria sociedade, tendo “a marcha da família com Deus pela liberdade” como uma espécie de brasão. O que pouco ou nada se fala, é que os sonhadores de um Brasil do futuro estavam a grande maioria na classe que levantava esta bandeira. Pior que isso, muitos dos que não gritavam a favor do golpe naquela época, gritaram agora a favor de um golpe contra Lula. Lula ouviu os conselhos do cacique e, se juntou à sua nação e transformou-se sim, num mito mais do que num presidente. Naquele momento da tentativa do vira-vira onde a extrema esquerda brasileira subiu no palanque com a extrema direita para aplicar um mata-leão em Lula, bateram de frente com uma muralha chamada povo brasileiro. O aviso foi dado em Recife no velorio de Miguel Arraes.
Do outro lado, Chico Buarque transformou a onda da grita de “intelectuais” em marola, do alto de alto de sua coerência, Chico fez observações transparentes sobre todas as formas de preconceito que Lula havia sofrido na imagem da atual presidência da república.
Vi muita gente desclassificar publicamente os programas do Minc, gente boa, gente que acreditava ser o Minc o eterno berço esplêndido. É lógico, é evidente que a democracia proposta por Gil sofreu sabotagem, roeram a corda. Temos no Brasil um vício de fazer revolução a partir de um luau na praia de Geribá em Búzios. Os remanescentes do Baixo Leblon querem uma revolução muito particular de um cantinho do Brasil onde a brisa lhes embala o sono ao pôr do sol e seus devidos aplausos na pedra do Arpoador. Pelas liberdades individuais sim, mas não pelas liberdades coletivas, principalmente as de expressão. Mas quando todos pensavam que o Brasil estava choco mocho, os tantãs vindos do Cacique de Ramos incendiaram o Brasil, estavam lá os ogãs, os tambores do maracatu, do jongo, do congo, dos côcos, do tambor de mina, do samba de lenço e etc. De novo, outra vez, aquele movimento foi verdadeiramente o fogo no palheiro. O Brasil foi salvo ali. Meninos e meninas do país inteiro, trinta anos depois, continuam ampliando os nossos sons dos subúrbios, das periferias, nas biroscas , livres para reinventarem a música brasileira. Os mesmos tambores que tinham atropelado a capital do império que se orgulhava de ter seus pianos em cada residência para tocar uma Europa tropical, chegaram mais fortes dessa vez. Bastou que o cacique, o de Ramos, os convocasse, que o país incendiou.
Os meninos desembestaram e estão aí à solta, criando, se multiplicando, fazendo o caminho com seus próprios passos, obedecendo seus sentimentos. Isso, essa santa rebeldia tão produtiva, esse deboche, essa galhofa tão bem narrada no cotidiano do povo brasileiro, como dizia o brasileiríssimo Cartola, “Habitada por gente simples e tão pobre, que só tem o céu que a todos cobre, como pode Mangueira cantar?”é espinha de peixe na guela dos civilistas.
As classes dominantes, perdidas em si, não aceitam esse jogo franco. É uma queda muito dura. Fomos todos criados para sermos caciques, na arte então! Irmãos gêmeos, arrogância e leviandade, marcaram as nossas eternas lógicas institucionais. Medo de assumirmos a simplicidade, essa coisa tão complexa que soa como chavão, fazer o quê? Por mas teimemos em não ser, somos humanos, pelo menos na infância e na velhice. O Estado médio sempre nos causa calafrios, tonturas e alucinações. Há um mundo do outro lado do muro, há um eldorado cultural, há uma nobreza intelectual depois da mediocridade. Será? Eu ainda não vi sair dessa cartola nada mais do que clichês e retóricas, os mesmo coelhos e os mesmos pombos.
Seria muito mas simples a redenção pela escolha do povo. Seria muito mais simples assumirmos as nossas limitações. Gostamos muito de falar da nossa diversidade, mas nao nos silenciarmos diante de cada código trazido por cada um dessa aldeia de manifestações humanas no Brasil, isso é tarefa impossível.
O Minc é sim o reflexo de uma série de erros propostos pela mesma sociedade que os tomou de assalto dos mesmos conceitos maquiados, lógico. Jamais nós zumbís medianos teremos a coragem de assumirmos a condição de observadores. Entramos daquele jeito na roda, com o nosso samba no pé de gringo, tentando organizar torcida, tentando botar o povo na fila, na eterna necessidade de uma ordem silenciosa para o progresso de nada.
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