Foto: Rômulo Filipini
Em síntese o que a economia criativa quer são os recursos do Estado para produzir uma bolha, um artifício que sustente o ambiente turvo de água remexida ande o barro se levanta e o jogo fica confuso.

Os artifícios utilizados nesse processo para justificar a absoluta falta de resultados é tangenciar e produzir múltiplas caras e formatos, criar uma bula farta de hermenêuticas e conceituar cada obstáculo que consiga ampliar as questões em torno da cultura até tirá-la do foco. Por isso essa incontrolável paixão pelo universalismo multicultural. E o que eles querem do Ministério da Cultura? Que ele seja um banco 24horas para o saque a fundo perdido usando suas senhas sociais e políticas. Ao ministro, seja Gil, Juca e quem mais vier. O que se espera é que ele seja um pidão, um caça-níquel na esfera ministerial. Casou a grana na mesa, o ministério deve se emudecer e deixar que a terceirização vá às compras.

O Estado, melhor dizendo, o governo não deve governar, deve sim buscar recursos, um, dois, três por cento, se possível cem por cento e, ainda assim, não será o bastante.

Essa associação que beira à chantagem do investimento grosso nas mãos dos promotores privados da cultura nacional é uma das coisas mais escandalosamente mentirosas e deploráveis deste país.

Estamos, dia após dia, vendo o vazio completo que esse sistema fraudador produziu. O vício é tão anacrônico que a grande crise do setor cultural no mundo, praticamente não é mencionada. Todo discurso da economia criativa está confeitando um bolo que não mais existe. Esse confete está sendo desenhado em cima de uma caixa de papelão, dentro, um paralelepípedo e, de longe, veremos quem vai chutar a caixa e tropeçar.

É transparente que a economia criativa é um projeto de exclusividade social, é um arranjo de elaboração funesta, aonde publicitários de boas relações sociais e comerciais, fazem um supletivo de marketing cultural, coisa que ninguém sabe, e atropela carreiras de profissionais que se qualificaram e dedicaram parte de suas vidas a uma profunda investigação acadêmica sobre a cultura brasileira.

A economia criativa tem como bíblico um mantra da teoria da dependência usada em larga escala pelo Sr. Fernando Henrique Cardoso, um Estado mínimo no gerenciamento e imenso na distribuição de favores ao setor privado. Governo que produziu enormes gastos e uma péssima qualidade de serviços, detonando, sobretudo, as garantias trabalhistas, com sua frase sentenciadora, “o fim da era Vargas”.

A economia criativa nada mais é do que empresários falsários, na grande maioria, vendendo um futuro que jamais chegará, mas que nos revela uma realidade dura de conseqüências ainda não medidas e que subordina profissionais altamente graduados no universo das artes a um patrimonialismo privado, a uma odisséia de sofismas e ao apelo barato das catarses ameaçadoras.

Tudo isso, toda essa chantagem é um insulto à nossa inteligência. A nossa cultura, a nossa base estrutural se valeu de sentimentos, da ordem natural das coisas. A cultura, as artes não são marionetes empresariais, não se movem para frente e para trás ao gosto de manetes. Esse jogo perverso não está substanciado em nenhuma realidade do passado, nem do presente, que fará do futuro, ele é apenas um jogo caça-níqueis.

Estou farto desse jogo intimidatório, desse ensaboado conceito de economia criativa. Eu faço parte de um exército de famintos abandonados nesse deserto, vendo grandes artistas brasileiros jogados ao desânimo. Pessoas gabaritadas são entregues a uma aceitação pueril e são jogadas na sarjeta pelos defensores das medidas organizacionais que flutuam na distribuição de recursos, mas são absolutamente concretos, inclusive em percentuais dos ganhos que querem obter do Estado.

Esses números apresentados, em grosso modo, pela economia criativa são de uma falsidade incomensurável, é uma mironga, um bate-entope percentual sacudido numa betoneira e servido como banquete de inclusão cidadã. A economia da cultura é um caixote de fundo falso, não tem números concretos para apresentar, carteiras assinadas, valorização profissional só biscate. Fazem campanha contra a ampliação do Estado que tem como critério a exigência de concursos, de qualificação, de diplomas e não cursinhos de meia-bomba. E depois que o Estado estiver fraco, pálido, anêmico, apontam-lhe o dedo e o chamam de inoperante, lento e burocrático. Para quê? Para se fartarem na ciranda das terceirizações e quarteirizações, aonde os pares da sociedade dominante trocam figurinhas e favores.

Em breve teremos um novo Ministro da Cultura de um novo governo, e podem anotar que os ataques ao ministério continuarão como tática para ampliar os ganhos do setor privado. Vivemos aqui fora uma tourada, um salve-se quem puder e, no meio de tudo isso, os saqueadores da economia criativa usam e abusam de suas ferramentas sociais e políticas para enxergarem na escuridão, com seus binóculos infravermelhos os objetos mais valiosos de suas catanças.

Esse mundo da economia criativa não tem ventre, não há fecundação capaz de produzir algo que se pareça com um mercado responsável e produtivo de arte. Fartam-se de panfletos, frases, slogans, de promessas jamais cumpridas e ameaças.

Espero sinceramente que as pessoas que há anos lutam pela cultura brasileira recobrem as suas forças e, sobretudo, examinem os resultados, de A a Z, desse falso abecedário e que retomem a alegria, a energia e que possam reconstruir o que essa praga de gafanhotos chamada ironicamente de economia criativa proporcionou à cultura brasileira.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

5Comentários

  • Thales Aragão, 28 de outubro de 2009 @ 8:37 Reply

    Caro Carlos Henrique,

    Concordo com todo a argumentação. Faço só um comentário: toda esta indústria cultural saqueadora do patrimônio público e que não é representativa da verdadeira cultura brasileira não é Indústria Criativa.
    O termo é bem mais amplo e abrange muitas atividades econômicas importantes que estão fora da pilantragem da indústria cultural brasileira.
    É verdade que elas se confundem certas vezes, mas é importante usar termos adequados para não informar desinformando. Indústria Criativa é o que você faz, o que um artesão faz, o que os donos de pequenas casas de show fazem, o que um arquiteto faz…
    Enfim, não confundamos esta vergonhosa prática da “produção cultural” viabilizada indevidamente pelas tetas do Minc com uma indústria que tem como insumo principal a criatividade.
    Você falou de Indústria Cultural Pilantra, não de Indústria Criativa.

    Obrigado.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 29 de outubro de 2009 @ 16:12 Reply

    Thales

    Quando uso o termo “economia criativa”, falo de um sofisma institucional, falo da pregação ideológica que produz um falso estudo, uma falsa imagem jogada na especulação da futurologia do mercado.

    Por inúmeras vezes defendi, aqui mesmo nesta tribuna, a iniciativa privada de pequenos e incansáveis artistas/produtores ou produtores que são verdadeiros artistas. Sei que existem no Brasil muitas ações que não foram devidamente mapeadas e, por conseguinte, não incentivadas porque o lobbie dos teóricos que, na prática, arrecadam rios de dinheiro, vão à grande mídia trabalhar negativamente a imagem de qualqur órgão público que não terceirizem ações estratégicas.

    No caso da música, acompanho de perto a luta de colegas que fundaram selos, montaram estúdios, rádios independentes que poderiam de imediato, por uma prova cabal de seus esforços, receber incentivos diretos do poder público, mas não. Há uma falácia em torno da democracia cultural vinda justamente dos setores mais abastados da sociedade que não admitem uma ação direta e livre do executivo com essa reação natural da sociedade que pode e deve ser privada mas incentivada.

    tenho participação direta no processo de desenvolvimento do mercado cultural na Lapa – RJ, que pode ter suas desproporções, mais ainda assim é democrático e independente. Mas veja só aonde foram aplicados pesados recursos, no teatro Municipal, principalmente nas oito camadas foleadas da águia. A justificativa? Que é um patrimônio público. O que não mentira, mas também não é verdade. Somos os donos do teatro Municipal, porém não usufluimos dele. Mas como disse João Sayad que tem um orçamento de quase 70milhões só para a OSESP, e que deixa anêmicas milhares de manifestações no estado de São Paulo, que nós brasileiros ficamos alegres por saber que ali, um público “seleto” usuflui dos resultados desse gigantesco recurso, mesmo que nós jamais tenhamos acesso presencial e não perespiritual.
    Sem falar no monstrengo politico de Cesar Maia e sua “Cidade da Musica” Na Barra.

    É isso, Theles, os termos podem gerar confusão, e é nessa confusão que as manobras conceituais trabalham com suas mãos invisíveis para que o mel caia sempre em seus potes.

    Grande abraço e parabéns pela luta.

  • Aldo Valentim, 1 de novembro de 2009 @ 13:11 Reply

    Concordo com o comentário postado pelo Carlos, enquanto seu artigo principal gera uma dúvida, o comentário esclarece. Algumas coisas precisam ser repensadas com urgência: vale uma osesp com um publico seleto, ou politica de apoio as pequenas orquestras do interior, ampliando a quantidade de pessoas com acesso a música erudita?

  • Andressa, 3 de novembro de 2009 @ 10:25 Reply

    Não confundamos alhos com bugalhos…

    o conceito de indústrias criativas não é nem de longe o que está comentado no artigo.

    concordo plenamente com as críticas à nosso atual modelo de mecenato e outras criticas presentes que são realmente revoltantes mas, justamente por estes mesmos motivos, não podemos chamar o que temos no Brasil de “indústrias criativas” ou “economia criativa”. Continuamos ainda no esquema FHC do “balcão de projetos”.

    Sugiro mais leitura sobre o tema.
    Abraços!

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 3 de novembro de 2009 @ 17:39 Reply

    Sugiro mais leitura sobre o tema.(Andressa)

    Sugiro mais vivencia concreta no dia a dia Andressa,sobretudo mais realidade critica.abs

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