Foto: Sputsputs
“Os problemas que enfrentamos não podem ser solucionados pelo mesmo tipo de pensamento que os criou.” (Albert Einstein). Estão longe de serem claros os pontos de perfuração da drenagem que a proposta da economia criativa promete para o bem da saúde cultural brasileira. O salto de qualidade ainda é uma expectativa e ainda é bem clara a insuficiência de uma proposta objetiva de não dependência estatal.

Anunciada sempre nas primeiras páginas das revistas culturais como políticas de inovação, a abordagem sobre o tema ainda nos parece muito verde e inconsistente, tudo ainda parece ser remotamente um recomeço, uma cobiçada autonomia sem planos concretos, sem uma direção central, sem uma pauta que não sejam as vulneráveis políticas geradoras de emprego e renda, dependentes até a medula dos aportes públicos e com resultados sofríveis para os artistas brasileiros.

O terceiro setor, por sua vez, não nasceu para ganhar vida própria, em parceria com a arte produziu um embuste, um bolostrô de vulnerabilidade incondicional, misturou política econômica com bem-estar social, tudo na esfera do sub. As altas carteiras criadas nessa esfera estão, na grande maioria dos casos, dissociadas da pauta cultural, e movem-se nesse sentido para abraçar o filão da vez, uma xepa puída do mercado do entretenimento global.

Não há sinais de inovação e sequer convicção de uma pauta, mínima que seja para a cultura. O que temos é uma sinergia incompleta que aborta, já na fonte, as circunstanciais políticas de fomento para o setor. O vicio da presunção revolucionária não nos larga, estamos sempre reféns da interpretação na hora da adoção de políticas concretas. Integração sem nos integrarmos, bem ao estilo da revolução sem povo. Afinados com as lógicas do livre mercado financista, que prometia o ajuste natural dos desequilíbrios sociais sem a intervenção do Estado. E hoje, essa teoria sofre uma hecatombe global.

A nossa visão de cultura ainda está muito ligada ao brasão paroquial, a uma identificação redentora, edificadora. Vivemos uma recessão de ideias novas e verdadeiramente livres

Há uma cadeia de sofismas criados em torno do futuro da economia criativa. Essa parece ser uma tatuagem que não desgruda dos lábios oradores da, ainda obscura, ferramenta técnica do mercado cultural. A ambigüidade parece ser mesmo a grande receita. Muito seguros do que dizem os nossos eruditos, miram com sua espingarda de dois canos a vanguarda e o atraso.

Há um lugar incômodo na brecha deixada pela dualidade conceitual, um apertado espaço constituído pela subserviência histórica, uma confiabilidade interna duvidosa e uma reputação internacional conquistada pela nossa clássica dependência, ao passo que a população brasileira fica à margem dessa teia de observações napoleônicas. Não temos um olhar realista sobre o próprio país, temos sim uma pilha de papéis aconselhadores distantes da nossa realidade funcional. O que significa isso? Atraso.

Nem Pedra, nem tijolo.
A nossa economia “criativa” vive de efeitos especiais.

– Gastaram milhões em um desastroso sistema de arrecadação, através da indústria de projetos, sem importância e responsabilidade, seja para o país, seja para o mercado cultural.

– Não conseguiram definir o que era mercado de arte e arte de mercado, tudo virou um vem cá meu bem.

– Diluíram as estratégias de sobrevivência nascidas na própria comunidade artística.

– Governaram a gestão privada com lideranças plantadas pelo descaracterizado ambiente artístico a mando do marketing cultural.

– Radicalizaram na desconstrução do nacional identificando neste potencial um apelo xenófobo.

– Mostraram-se pequenos, miúdos e, sobretudo incultos com a absoluta falta de percepção das essências que constroem a cultura brasileira no seu cotidiano.

– Preferiram o caminho pronto da doutrina anti-Brasil tão bem representada pelos princípios das nossas classes dominantes.

– Sem traquejo para lidar com o povo brasileiro, essa aliança (economia criativa  e transnacionais) criaram um ornitorrinco cultural.

É inimaginável um modelo vitorioso de cultura auto-sustentável com tantos vícios de origem.

O futuro do mercado cultural brasileiro está comprometido sim, como em todos os países, porém, no nosso caso impressiona a estupidez mercantil e o vedetismo culto para lidar com essa nova realidade.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

5Comentários

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 22 de setembro de 2009 @ 18:18 Reply

    Só complementando com uma bela observação que li agorinha!

    O novo desenvolvimento irá acontecer nos novos combustíveis.
    O Brasil deve pensar muito no programa do pré-sal. Mas um sociólogo americano diz que a idade da pedra não terminou por falta de pedra. E a era do petróleo vai terminar não por falta de petróleo.
    (Delfim Netto)

  • Fique por dentro Cultura » Blog Archive » :: CULTURA E MERCADO :: o blog das políticas culturais. » Blog …, 23 de setembro de 2009 @ 9:47 Reply

    […] ainda é uma expectativa e ainda é bem clara a insuficiência de uma … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

  • Eduardo Senna Boaventura, 26 de setembro de 2009 @ 12:01 Reply

    Sustentabilidade construída pela criatividade como catalisador de valor econômico
    Estas observações surgiram de uma confluência de inquietações advindas de minhas navegações na internet, entre as esferas das artes e a globalização, que está cada vez mais presente na economia da cultura. Inquieta-me profundamente mergulhar no universo da nossa cultura popular bem como na cultural dos povos mais distintos e constatar que, quão mais singelos e vulneráveis são, menos percebem a diferença abissal entre o valor do que produzem e o preço que praticam, entre as esferas simbólica e econômica da cultura. Preocupa-me saber que aprendizes de ofícios culturais milenares e jovens talentos da nova mídia têm de abdicar de sua produção cultural para se dedicar a outra profissão, diante das dificuldades de circulação e financiamento de suas obras. Estarrece-me comprovar que insistimos em paradigmas socioeconômicos incapazes de promover o propalado bem-estar social, no eterno conflito entre justiça distributiva e eficiência alocativa, agora agravado por questões da crise econômica global, ampliando de formas galopantes a já histórica forma de apropriação do patrimônio da criatividade dos nossos excluídos e das nações periféricas.
    Criatividade. Palavra de definições múltiplas, que remete intuitivamente à capacidade não só de criar o novo, mas de reinventar, diluir paradigmas tradicionais, unir pontos aparentemente desconexos e, com isso, equacionar soluções para novos e velhos problemas.
    Em termos econômicos, a criatividade é um combustível renovável e cujo estoque aumenta com o uso. Além disso, a concorrência entre agentes criativos, em vez de saturar o mercado, atrai e estimula a atuação de novos produtores.
    Essas e outras características fazem da economia da cultura uma oportunidade de resgatar o cidadão (inserindo-o socialmente) e o consumidor (incluindo-o economicamente), através de um ativo que emana de sua própria formação, cultura e raízes. Esse quadro de coexistência entre o universo simbólico e o mundo concreto é o que transmuta a criatividade em catalisador de valor econômico com sustentabilidade.

  • Hilton Assunção, 28 de setembro de 2009 @ 0:00 Reply

    O mercado cultural está repleto de gerentes de vendas, preocupados apenas com seus lucros financeiros, com as seguintes características: muita retórica e pouca cultura. Já nos gabinetes governamentais encontramos o similar do gerente, o burocrata da cultura com as mesmas características do seu colega anteriormente citado. Somos reféns dos dois!

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 28 de setembro de 2009 @ 14:42 Reply

    sim Hilton

    Somos reféns dos dois, mas também de colegas nossos de profissão que trataram a arte, sobretudo a música, pelo mero componente técnico. Valorizaram a arte? Não! Ao contrário, quando jogaram na conta das formulações matemáticas e na construção do exercício muscular, a primasia da arte, esses nossos colegas, afinados com esse pensamento do mundo artístico burocratizado, rasgaram o mais profundo sentido da arte, que é o que de fato a valoriza, a capacidade criadora, o talento, preferiram os nobres colegas, Hilton, fazerem-se de massa de manobra do ideário pós modernista que acha que tudo pode. Eles, nossos companheiros, ajudaram a esvaziar o pensamento simbólico, a emoção. Disseram a todos, em alto e bom som, venham aos módicos dinheiros, que os transformarei, através de técnicas, em celebridades cultas, com direito a uma extensa lista de fazeres constitucional para que, quando seus nomes chegarem às manchetes da grande mídia eterem um portifólio de invejável redundância, e assim, justificarem a mentira que são, mesmo que fiquem com o rabo de fora.

    O que quero dizer é que a construção de um consenso, como é o caso do ambiente das tecnicalidades fantasiosas, bem aos moldes da nossa cultura institucional, só é possível com uma cooptação de agentes diversos em torno dessa pasmaceira institucionalizante. Portanto, cabe a nós músicos, artistas, buscar no nosso próprio ambiente e apresentar à sociedade o que é uma falácia carregada de desejos revoluvionários para subtrair efetivamente a verdadeira arte e o verdadeiro artista. Porque a sociedade, ao contrário do que muitos creem, sabe bem diferenciar gato de lebre.

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