Entrevistamos o empresário Jorge Muzy, que reclama para si a autoria do Vale Cultura e nos conta um pouco sobre o proceso de interlocução com o Ministério da Cultura. Ele aponta os riscos de monopólio com a criação do benefício e e comemora o Profic.

Leonardo BrantDe onde surgiu a ideia do Vale Cultura? Como foi o percurso até tornar-se lei?

Jorge Muzy – Surgiu como benchmark da Lei que regula o PAT, Programa de Alimentação ao Trabalhador. Em 1995 trabalhei como diretor da EAT Check, empresa do Grupo AMIL. Naquela época criamos o ARTE Check, mas o projeto não foi em frente na gestão do então Ministro Francisco Weffort. Após este período fui trabalhar na Ticket em 1997, mas naquela época o Grupo Accor não tinha interesse neste tipo de produto. Ao criar a Muzy Corp, passei novamente a buscar interlocução no Ministério da Cultura sobre o projeto anteriormente apresentado e teve através da equipe do Ministro Gilberto Gil, um outro olhar. Os esforços dos gestores do MINC e um projeto de Lei já existente tomaram força e o governo passou a tratar o assunto Vale Cultura como sendo prioridade.

O conceito do Vale Cultura se baseia na seguinte afirmação: se a cultura é feita por todos, deve estar ao alcance de todos. Uma vez que a população financia, mesmo que de forma indireta, ações criadas a partir de leis de incentivo, nada mais justo e natural que tenha acesso a estes produtos. Atualmente, não é isso que acontece na prática. Espetáculos, shows, filmes, festivais populares e outras manifestações ainda não fazem parte do grupo de primeira necessidade dos brasileiros. Alguns apontam que esta é uma questão de hábito. Mas por traz destes hábitos, ou falta deles, existem justificativas plausíveis sustentadas pelos preços de nossas opções culturais, que estão além da realidade econômica.

A idéia era, justamente, incorporar os bens culturais aos benefícios do trabalhador, que como bem descreve a canção dos Titãs, “não quer só comida, mas também diversão e arte”.

LBA sua empresa será a primeira a operar o Vale Cultura? Conte-nos como ela será estruturada e qual a expectativa de faturamento.

JM – Será talvez uma das primeiras, mas ainda depende de como a Lei vai ser aprovada. Nosso único temor é de que este projeto acabe nas mãos de um monopólio entre Ticket e Sodexho, como já acontece hoje no Vale Alimentação. Ontem durante a reunião com o Juca Ferreira, novamente apontamos este cenário como sendo destrutivo para um projeto tão ambicioso e importante.

Penso que para um projeto desta magnitude devemos nos preocupar, principalmente, em garantir a acessibilidade. A operação do benefício deve ser a mais democrática possível.  A empresa “Vale Cultura Brasil Serviços de Intermediação em Cultura e Entretenimento Ltda.” está se preparando para operar esse sistema com cartões com chip offline e equipamentos para validação da compra. O objetivo é garantir o uso correto do benefício evitando assim compras de outros tipos de produtos em supermercados. Ainda no âmbito de nossa estrutura para o Vale Cultura reforçamos a importância de uma ampla rede de estabelecimentos credenciados.

LBQuais as perspectivas para o mercado de cultura a partir do funcionamento do Vale Cultura?

JM – Esperamos enormes oportunidades de fomento a produção cultural. A expectativa é atingir 14 milhões de trabalhadores em todo o país. Uma injeção direta de R$ 600 milhões por mês no mercado cultural. Anualmente seriam R$ 7 bilhões. Muito mais do que oferece a Lei Rouanet.

LBQual a sua opinião sobre a proposta de revogação da Lei Rouanet e criação do Profic?

JM – A criação do Profic é uma das melhores idéias que o MINC teve até hoje. Todos os bons produtores culturais precisam ter acesso aos recursos do MINC. O Brasil tem a maior diversidade cultural do planeta. Não é possível que apenas as grandes operadoras e proponentes consigam realizar seus projetos, pelo fácil acesso a quem decide pelos patrocínios. É muito comum que projetos excepcionais, que conseguem aprovação da CNIC, não prosperarem pela falta de acesso do produtor cultural aos dirigentes das organizações que destinam suas verbas para os projetos culturais. É impressionante a mudança na gestão do Ministério da Cultura. Antes as idéias não prosperavam, como o próprio Vale Cultura, que é a realização de um sonho 14 anos depois.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

2Comentários

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 6 de novembro de 2009 @ 13:40 Reply

    O Vale Cultura será, sem dúvida, a grande sacada, por isso sua saúde e seu teor libertário tem que ser preservados. Será um instrumento democrático e trará muito mais respostas do que acessibilidade à cultura, como formalmente ainda é conceituada sob o olhar da esfinge patrimonial. Por isso prefiro a música dos “tantãs”. “Mas se derem vez ao morro toda a cidade vai cantar”, de Tom e Vinícius, ou então a fantástica voz da resistência à ditadura, que foi o principal grito de opinião da sociedade. “Podem me prender, podem me bater, podem, até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião, daqui do morro eu não saio, não”, de Zé Keti.

    A cultura brasileira canta com seus blocos de sujo, com seus momentos de angústia e alegria, a sua forma de ver e de fazer cultura. Um país que tem a autonomia como o seu maior patrimônio, pode ampliar-se em sua liberdade e criatividade se o vale-cultura permitir a compra de instrumentos musicais, tamburim, tantãs e etc, para que o povo se expresse como e quando quiser. Não podemos utilizar o vale-cultura somente como formação de público, temos que pensar cultura com a magnitude que ela nos confere como sociedade. Aí sim, ninguém segura mesmo esse país.

  • Anildo Guedes, 11 de novembro de 2009 @ 16:23 Reply

    Teatro por exemplo é um formato elitista, sejam musicais, peças,etc. Independente do ingresso gratuito, baixo (normalmente é alto)as pessoas de pouco poder aqusitivo tem medo de frequentar, ou alegam que não tem roupa, ou com as crianças não dá, ou é chato. Ainda creio que uma retomada ainda é a insitencia na formação de plateia, mas a multiciplidade de atos para manifestação popular seria o correto.

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