Promover um espaço de debate, reflexão e troca de experiências sobre a dança e suas possíveis interfaces tem sido uma conquista recente dos artistas, estudantes e pesquisadores dessa arte.
Quando se pensa em dança hoje, é importante lembrar que não é nenhuma novidade desse século a capacidade da dança de dialogar com outras formas artísticas. De fato, quando pesquisadas as origens históricas da dança cênica, percebe-se o quão ela sempre foi contaminada por outras manifestações. Sendo assim, por quê no início do século XXI se fazem tão necessárias reflexões a respeito da dança e suas possíveis interfaces? Se no século XIX a dança conquistou um espaço autônomo, libertando-se da dependência da pantomima, da ópera, do ballet-comique e outras formas expressivas nas quais se apoiava para poder existir, tornando o balé clássico uma arte pura e sofisticada, no século XX a busca foi direcionada para a compreensão da especificidade da dança enquanto forma de arte. Desse modo, é perfeitamente compreensível que a dança necessite, nesse começo de século, de uma urgente reflexão sobre seu status, suas perdas e suas conquistas, suas contradições, em toda sua amplitude.
Pioneiras do pensamento e prática moderna na dança como Isadora Duncan, Doris Humphrey e Loie Fuller, buscaram se desligar da imagem da bailarina clássica sem ter que se render ao Cabaret, ao Vaudeville e Theater Hall. Diaghlev e sua companhia construíram diálogos frutíferos. As artes plásticas, a música e o pensamento moderno colaboravam entre si na construção de obras ousadas e transgressoras. Novas possibilidades emergiram, novas técnicas foram desenvolvidas. Bailarinos, coreógrafos e pesquisadores como Martha Graham, Balanchine, Rudolph Laban, Mary Wigman entre outros, desenvolveram, cada um a seu modo, fundamentos para uma renovação na dança que surgia a partir desse momento.
No entanto, a evolução da dança não para por aí. Em meados dos anos sessenta, a dança que então já havia conquistado um espaço autônomo nas artes cênicas, passa por um processo onde a contaminação com outras artes volta a ser presente. Diferente de como os ‘modernos’ construíam seus diálogos com outras formas de arte, os ‘pós-modernos’ ou contemporâneos sugeriam novas formas de cruzamentos artísticos.
Nomes como John Cage, Merce Cunningham, The Judson Dance Theatre, entre outros, foram além do que seus antecessores haviam ousado. A dança saiu do teatro enquanto espaço físico, ganhou os parques, as calçadas, galerias de arte, os metrôs e até mesmo as laterais de edifícios. Bailarinos e não-bailarinos passaram a atuar juntos democraticamente. Técnicas de dança, lutas marciais, movimentação somática, dança popular, jogos lúdicos e improvisações de diversas naturezas permitiram um alargamento inédito no vocabulário da dança. As fronteiras se expandiram de forma tão intensa que uma questão emergiu: tais manifestações podem ainda ser consideradas dança?
Refletindo sobre essa questão, embora não a fim de respondê-la, retorno ao titulo desse texto, Encontros com a dança, espaços provisórios. Para abrir espaço nessa seara, campo emergente de estudos e pesquisas, muitos bailarinos têm ‘sentado’ um pouco. Pensar e escrever sobre a dança não é reduzi-la ou tão pouco ‘intelectualizá-la’. Abrir esse espaço na cabeça, que é também corpo, é afirmar ou confirmar que a prática e a teoria caminham, ou se preferir, dançam juntas.
Os encontros com a dança podem ser definitivos, mas podem também ser provisórios, podem ser encontros conceituais, podem ser também sensoriais. A dança pode ser muito mais do que se imagina ou o que se espera que ela seja. Sendo assim, emerge outra questão: a dança pode ser tudo então?
Em um artigo publicado em 1962, mas ainda atual, o crítico americano George Beiswanger pontua: “a capacidade muscular é o meio físico pelo qual danças são criadas. Mas o meio (ou forma) se torna disponível à imaginação coreográfica somente pela utilização da metáfora, uma metáfora através da qual o mover no sentido muscular assume a características do fazer ou do acontecer… Falando mais especificamente, então, danças não são feitas do movimento e sim sobre o movimento, movimento que se define como um suporte poético, uma metáfora persistente, pela qual o material muscular se torna suscetível ou a serviço das propostas de ênfase, significância ou expectativas do fazer que constituem a dança.”
Mais importante do que buscar respostas sobre o que é dança, e aqui só posso pensar em perguntas, é manter vivo o questionamento a seu respeito, fazer encontros, ainda que sejam encontros provisórios. E então, a dança pode mesmo ser tudo?
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