Finalmente, após seis longos anos, e muitos alarmes falsos, o Ministério da Cultura divulgou seu projeto de lei que instituirá o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic), substituindo a Lei Rouanet em vigor. De novidade, com possível impacto positivo para o setor, traz a criação da Loteria Cultural que, se bem implementada (o que dependerá em boa parte da regulamentação e das regras das Comissões de Cultura), poderá gerar recursos volumosos para Cultura, tal qual demonstra a experiência de sucesso da Inglaterra.
De triste, temos que a estrutura proposta radicaliza o uso dos recursos provenientes do fundo de cultura ou da renúncia fiscal para a manutenção das atividades, dos equipamentos e da estrutura do próprio Ministério. Depois de tantos anos, parece que a conclusão dos gestores foi de que dividir esse bolo da sociedade civil é a saída fácil para a inexistência de recursos de orçamento do Governo para o Ministério da Cultura. Ou seja, as verbas que deveriam ser destinadas aos projetos dos artistas e dos produtores ficarão na manutenção de prédios, funcionários, e programas das entidades vinculadas. E agora, de forma bastante clara e legalizada.
A renúncia fiscal à cultura, tão atacada por diversas frontes na mídia, aparece no projeto de forma completamente diferente do seu conceito técnico original. Em todas as áreas de produção da sociedade, a renúncia fiscal existe como instrumento para os Estados estimularem as empresas privadas a investir em segmentos ou locais que necessitem se desenvolver, ou que não possuem, pela sua própria natureza, auto-sustentabilidade.
Assim, a renúncia fiscal não é uma parceria público-privada, nem co-patrocínio entre Governo e empresa. Ao contrário, é uma ação estratégica do Estado, que abre mão da receita de impostos para que essa verba seja colocada em atividades da sociedade que dela prescindem. É um estímulo para que pessoas e empresas se empenhem no desenvolvimento de área não lucrativa por si só.
Neste raciocínio, o uso dos incentivos fiscais pelas empresas privadas retrata o índice de sucesso da política de renúncia proposta pelo Estado, e não abuso da empresa com fins lucrativos. Demonstra que os recursos estão sendo destinados ao setor pretendido.
Contudo, no atual projeto, o Ministério da Cultura será colocado no mesmo lugar da empresa privada, ou seja, como patrocinador de projetos. A empresa tem indiscutível interesse na comunicação e divulgação de sua marca, e o Ministério deveria ter foco na implementação, sustentabilidade e regulação do setor, e não na divulgação de suas ações e marca como co-patrocinador. Neste caso, ao Estado cabe o papel de facilitador e estimulador da realização de projetos em parcerias que se façam na sociedade civil.
Concordo, em tese, que a empresa patrocinadora deveria participar com recursos próprios não incentivados, contudo, após tantos anos do atual modelo, acrescido da concorrência indiscutível da Lei do Audiovisual, da Lei do Esporte e quiçá da nova lei da Educação (Proposta pela OAB), quantas empresas manterão seus patrocínios com incentivo de 30%?
As próprias empresas estatais mantinham política de distribuição de patrocínio incentivado por editais públicos majoritariamente para atividades com 100% de incentivos. Os níveis de investimento serão mantidos com 30%, 60%…?
Na verdade, o novo projeto aposta que os patrocinadores (e seus R$600 milhões) migrarão para os fundos do Governo (que certamente terão 100% de incentivos, e concorrerão deslavadamente com os produtores!), que fará distribuição territorial (!) proporcional. Me parece um equívoco. Não obstante a crise, que pode até ser passageira, a redução do incentivo para até 30% corresponde à metade do valor da Lei Rouanet original.
Conclusão inevitável é que, afora a possibilidade da Comissão e Cultura manter as atividades com incentivos fiscais nos maiores limites permitidos pela nova proposta, o volume de recursos para a cultura vai diminuir. E sua maior parte, ficará no cinema e na estrutura do próprio Governo. Alguns profissionais da área celebram as propostas, mas acredito não perceberam, ainda, que a concorrência será bem mais acirrada. Embora não exista a regulamentação da lei e das diretrizes da futura comissão de cultura, parece obvio que os projetos do Governo (sejam quais forem: para a sociedade ou para si mesmos) terão sempre 100% e ficarão com a maior parte do bolo (pequeno).
Ademais, pelas novas regras do Ministério da Fazenda, uma nova lei de incentivo só poderá ficar em vigor por cinco anos, ou seja, a Lei Rouanet que vigora por prazo indeterminado, está sendo substituída por uma lei com data para acabar.
Se o financiamento da cultura administrado diretamente pelo Ministério será incrementado com a Loteria Cultural, a qual terá seus recursos vinculados ao Fundo Setorial das Artes, dos quais 80% serão destinados à sociedade civil, não seria mais razoável brigar pelo orçamento da União e preservar a receita da renúncia? Para tanto, a regra deve ser válida para todas as atividades artísticas, incluindo cinema, e se possível esportes e educação. Caso contrário, o braço de ferro dos artistas com os diretores de marketing não será difícil, será inexistente.
8Comentários