Escolher um caminho de métodos significa levar em conta diversas escalas de manifestação da realidade, de modo a encontrar as variáveis explicativas fundamentais. Estas comparecem como as personagens principais do enredo a estabelecer, levando, sobretudo em consideração o que o espaço geográfico se define como união indissolúvel de sistemas de objetos e sistemas de ações, e suas formas híbridas, as técnicas, que nos indicam como o território não usado: como, onde, por quem, por que, para quê.
Adotando tal ênfase nas técnicas, podemos privilegiar uma história secular do território brasileiro, delimitar períodos e redescobrir os respectivos contextos. Somente estes permitem enxergar a evolução das variáveis escolhidas dentro de uma situação, reconhecer as heranças e, ao mesmo tempo, as intencionalidades e a busca de sentido pela sociedade. A cada período podemos assim perguntar, o que é novo no espaço e como se combina com o que já existia. (Milton Santos).
Há hoje no Brasil um movimento fragmentado em ações que não se aglutinam em torno de um objetivo comum, pleno. Falta-nos a liberdade crítica que nos foi arrancada durante anos de projetos plantados, alheios ao Brasil, pelas várias formas de mercado cultural que tinham e ainda têm a clara intenção de constranger o conceito de país e não constituir unidades para novas políticas.
O que nos ronda atualmente é um profundo medo de se estabelecer o que é nacional e o que é virtualmente nacional. Para que se tenha uma agenda mínima e se produza políticas que obedeçam, seja em forma de sí¬ntese científica, seja no estilo à liberdade plena das manifestações espontâneas, a realidade brasileira e não a conceitos alheios ao país.
O Estado brasileiro, durante, pelo menos dois séculos, tratou de se organizar a partir de um pensamento edificador de remolduração da sociedade através da importância de técnicas, num claro projeto de graduar suas próprias ações, fazendo dele, o Estado, o único objetivo a ser alcançado, ao contrário, as ações espontâneas do país, foram construídas na marginalidade, o que é, no caso da música, a mais representativa linguagem artística dentro e fora do país, classificada como popular, empírica, de pouco ou nenhum aprofundamento no sentido da grande arte. Este projeto sofreu alguns abalos nas décadas subseqüentes a Semana de Arte Moderna de 22, chegando até a década de 60. Desde então, com a interferência do estado de exceção provocado pela ditadura, tanto o conceito de edificação quanto o da diluição das bases populares, deixaram o Brasil nas mãos de uma irresponsável e equivocada idéia de universalização no caminho da modernização artificial. Este modelo que, ainda hoje, tem status oficial encurta as ações da sociedade em seu próprio território e tem como objetivo, mais do que construir manifestações de sintético caráter científico, produzir uma implacável delimitação territorial. Por outro lado, principalmente no caso da música, a imensa massa de recursos que chegou ao Brasil para desenvolver o milionário mercado, deixou-nos agora, apenas a sua quase total implosão, uma confusa margem para que recriemos políticas que coloquem o país, interna e externamente, na dimensão dos seus próprios sentidos.
O que nos é imperativo neste momento é uma análise sincera de cada quadro que nos é apresentado e, então, definirmos se o que queremos é estabelecer polí¬ticas concretas fundamentadas em nossas realidades diante da redivisão do mercado internacional, ou se queremos continuar passivos como porto de um corredor comercial do qual o Brasil não participa como protagonista através de seus fundamentos, mas com uma contribuição mínima nas grandes questões mundiais, num eterno e relegado sentimento de coadjuvante. Ou pensamos concretamente num grande projeto nacional que coloque o paí¬s em pé de igualdade com outras grandes nações, com base e tão somente em nossas realidades, ou ficaremos aqui com um sentimento amargo de ostracismo esperando passivamente uma nova ordem mundial.
O governo brasileiro é o único neste momento que pode mover uma ação concreta que nos devolva o sentido de país contra um Estado contaminado, em sua estrutura, por um estrangeirismo que beira ao caos. Esta barreira tem que ser rompida pelo governo, pois somente ele poderá abrir as portas do Estado para a entrada do país, do homem, do povo brasileiro. Se não trabalharmos com uma dimensão de país onde o governo torna-se um aliado do povo, ficaremos aqui a construir inúmeras polí¬ticas sobre bases comprovadamente falsas. Não há mais tempo, a esperança tem que vencer o medo.