Foto: Miriam Cardoso de Souza
Este artigo deveria ser o primeiro da série. Neste, apontarei as falhas conceituais e contradições que embasam o PL – Procultura.

1)    O Minc justifica a supressão da Lei Rouanet “devido às distorções produzidas pelo seu exercício nos seus 18 anos de existência”.

Comentários:

Uma lei não gera distorções, gera conseqüências. Da mesma forma que esse PL transformado em lei, portanto, uma afirmação equivocada. A Lei Rouanet possui três mecanismos: Mecenato, Fundo Nacional de Cultura e Ficarte.
O ataque do Minc à Lei Rouanet localiza-se no exercício do Mecenato, que foi e é incentivado pelo próprio Minc por meio de uma renúncia fiscal. Pelo Mecenato, as empresas e pessoas físicas aplicam seus impostos a pagar em projetos ou programas previamente autorizados pelo Minc, através da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, cujo presidente é o Senhor Ministro. Portanto, se há a aludida distorção, ocorre com a autorização e o incentivo do Minc.
Qualquer distorção pode ser corrigida hoje, por meio do Fundo Nacional de Cultura, portanto, dispensável o Procultura.

O Minc ampliou a renúncia fiscal (mecenato) de R$ 400 milhões para R$ 1,2 bilhão, e agora quer destruir o que construiu. Não dá para entender!

2)    Há uma mensagem sureptícia na campanha para aprovar o PL: “A nova lei atenderá a todos”.
Comentários:

  • Se fosse verdadeira, seria boa, mas não é. O Minc deveria informar quanto depositará nos fundos para atender a todos.
  • Por exemplo, o Minc afirma que somente 20% dos programas aprovados são beneficiados pela renúncia – R$ 1,2 bilhão em 2009 – portanto, para atender a todos (80%), deveria depositar no FNC mais R$ 6 bilhões. Fará isto?
  • Eu não li ainda qual será o compromisso de recursos que o governo aportará para acabar com as distorções. Ouço somente a catilinária: “Morte à Rouanet, que serve ao Sudeste e, em particular, os produtores e instituições paulistas”, como se São Paulo não fosse parte do Brasil.

3)    “A Consulta pública amadurece a proposta”.

Comentários:

Foram sete anos de consulta para parir um PL que deforma o sistema de financiamento público da cultura.
As consultas do Minc sempre foram dirigidas a dar “pau” na lei Rouanet do começo ao fim dos encontros, palestras, seminários e entrevistas. Nenhuma qualidade, só apontam defeitos. Por que demoraram sete anos para desmontá-la? E por que ampliaram os seus recursos?

4)    Na verdade, a supressão da Rouanet esconde a vontade política de apequenar a produção das entidades e dos produtores independentes. É uma proposta que asfixia o mecenato, pois o PL concede de 40 a 80% da renúncia, conforme critérios a serem estabelecidos em decreto. Sobrará às empresas, aplicar:

a)    Na lei do audiovisual, oferecendo 125 % de retorno
b)    Na lei do esporte, 100%
c)    Os novos Fundos, 100%
d)    No Ficart, 100% até 2014

Pergunto:

Qual a empresa ou a pessoa física que aplicará em projetos e programas, com retorno fiscal entre 40 e 80% e restrito a 0,5% da renúncia? Ou seja, a partir da aprovação desse PL, nenhum proponente poderá captar mais do que 0,5% do valor da renúncia. Assim, o proponente poderá, no máximo, angariar R$ 6 milhões, enquanto que o patrocinador descontará entre R$ 2,4 a R$ 4,2 milhões de seu imposto a pagar. “Sobrarão” museus, institutos, programas e projetos da sociedade civil.

Os produtores, segundo a mesma propaganda, poderão vender seus projetos aos “gestores” do Ficarte. Quantos sobreviverão? Poucos, com certeza.

A proposta do PL é estressante, mal formulada, inoportuna e abjeta.

Estressante – porque acirra ao limite a resistência dos produtores e das entidades culturais independentes.

  • Mal formulada:
    a) não explica como acabará com as alegadas “distorções” da Rouanet, poderiam resolvê-las já, alocando mais recursos do FNC da Rouanet,
    b) mata o atual Mecenato e desloca acintosamente o poder para as mãos dos futuros “donos” do Ficart e do próprio governo.
  • Inoportuna:
    a) o governo está propondo uma mudança de hábito adquirido há 18 anos, que resultará em deslocamento de investimento para outras áreas como esporte e cinema,
    b) o mercado quer garantia jurídica a longo prazo, e o PL quebra a confiança dos patrocinadores, pois torna o marco legal instável.
  • Abjeta porque: era hora de unir, somar e multiplicar. O Minc propõe desunir, diminuir e dividir. Joga o Brasil contra o Sudeste e não faz conta de que somos 66% da população. Se hoje essa região detém 80% do mecenato, a distorção é de 14%. Em valor: R$ 240 milhões. Portanto, passível de correção imediata pelo FNC.

Cabe ao Congresso barrar esse PL ou o Minc revisá-lo.


contributor

Administrador pela FGV, mestre em branding pela PUC e Conselheiro certificado pelo IBGC, reúne 35 anos de experiência, com atuação na iniciativa privada, governo e terceiro setor. Exerceu as funções de Diretor Executivo do Instituto Lina Bo Bardi (2016), Diretor da Animus Consultoria (2012 a 2013), Diretor Executivo da OS Pensarte (2012-2013), Diretor da Metalbianchi (1977-1997), Diretor da Bianchi Editores (1985-1989). Foi presidente da Comissão de Organizações Sociais da Secretaria de Estado da Cultura em São Paulo, membro do Comitê Gestor de Museus do IPHAN; da Comissão de Análise de Projetos Culturais da Secretaria Municipal de São Paulo. Atuou como conselheiro no SESI São Paulo, FDE (Fundação de Desenvolvimento da Educação), Emplasa (Empresa de Planejamento Metropolitano S.A.), IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica), Conselho Estadual da Cultura de São Paulo e da Organização Social São Paulo Leitura.

7Comentários

  • Kluk Neto, 26 de março de 2010 @ 20:04 Reply

    Caro Ronaldo,

    Muito direto e lúcido o seu texto. Infelizmente aqueles que apoiam o Procultura não estõa nem aí para a racionalidade econômica, as análises técnicas mais profundas ou o equilíbrio que a estrutura da atual Lei Rouanet dispõe entre financiamento Direto (FNC)compartilhamento da decisão de alocação (Renuncia Fiscal via Mecenato) e os Ficart.
    É difícil se não impossível para alguns perceber que a Lei Rounet não foi mal concebida, mas mal gerenciada.
    Compram o discurso do MinC que, para esconder a sua própria incompetência administrativa em resolver as distorções que ele mesmo permite que haja, resolveu à moda de Chavez, Ahmadinejad, Fidel e outros nossos compatriotas, eleger um grande Satã.
    Esse grante Satã é São Paulo, o Rio, o Sudeste, seus produtores culturais, suas instituiçõe de cultura que aprenderam a utilizar o Mecenato e suas empresas, sua população, que é preciso lembrar, sustentam firmemente o Brasil já que são concentradas também como o Mecenato da Rouanet o é.
    A estratégia da desunião é deletéria. Torço em vão para que o meio artístico brasileiro possa encontrar um caminho de entendimento para a convivência harmônica de diversos mecanismos de incentivo à cultura.
    O Brasil é grande e poderíamos desejar que nele convivessem simultanemente diversos mecanismos de financiamenrto à Cultura que surgiram e se desenvolveram ao longo da nossa história.
    É possível e desejável que convivam mecanismos mais antigos como o financiamento das Confederações de Comercio e Indústria (SESC SESI), com mecanismos jovens como o Mecenato, o FNC e os Ficarts da Lei Rouanet.É possível ainda que esses mecanismos convivam com os Pontos de Cultura que tem um longo caminho a percorrer até se aperfeiçoar e produzir efetivamente resultados. E convivam com o inovador sistema de gestão da Cultura das Organizações Sociais implantados pelo Governo de São Paulo.
    A cultura e os artistas precisam de todos eles e ainda de mais.
    Não precisamos que sejam mutilados os mecanismos atuais para que outros se desenvolvam. A Cultura quer mais e não de menos.
    Pode-se diversificar as fontes de recursos ao invés de exaurí-las. Pode-se ampliar os focos de decisão, o que é democrático, ao invés de concentrá-las apenas no organismo estatal.
    Mas os artistas e os tantos outros que defendem o Procultura não ouvem isso, não entendem ou não querem entender, pois vivem num mundo ideologizado,estatista, onde o capital e a sua lógica são condenáveis. Onde a arte eleita pelo mercado não é arte e a arte abandonada pelo mercado é arte.
    Eles acreditam que já que é dinheiro de imposto, então que só o Estado decida.
    O Minc rema na direção contrária de tudo o que dá certo na cultura, inclusive no seu próprio governo.
    Num arroubo de busca pelo poder e no seu intento concentrador, já que não se conforma como o Mecenato tem amis dinheiro que o próprio MInC, deixa de perceber que todo o movimento que tem dado certo no campo cultural vai na direção de deixar a liberdade ser exercida, não só no campo da produção como no da gestão da cultura e da arte.
    Vejamos.
    Qual a similaridade entre os mecanismos de financiamento à Cultura. Lei Rouanet, SESC, OSs de Cultura e programa Cultura Viva.
    Todos eles apota na direção de afastar do Estado do papel de gestor direto da produção cultural. Todos vão na direão de compartilhar com a sociedade civil a gestão dos recursos.
    Independente do mecanismo, é preciso reconhecer que no fundo quem paga a conta sempre é o setor privado.O Estado é apenas um arrecadador de riquezas através do imposto e deve encontrar a melhor maneira de fazer a riqueza fluir de volta à sociedade.Não as produz. O dinheiro do imposto que alimenta os recuros federais da Rouanet, do ProAC de São Paulo ou a contribuição das empresas sobre a folha de pagamento que alimenta o fluxo do Sesc é produzido sempre na iniciativa privada, pelo trabalho e suor dos trabalhadores, pelo capital posto a serviço da produção, enfim por todos nós da sociedade civial que não somos o Estado.
    Portanto cabe ao Estado encontrar as melhores formas e os canais pelos quais essa riqueza deve retornar à sociedade que as produz.
    Esse Ministério passou oito anos fazendo força para entupir as artérias pelas quais circulam os recursos para a cultura na esfera federal, sem conseguir construir novos dutos consistentes que alimentem as áreas não irrigadas.Para isso basta ver como o Fundo Nacional da Cultura gerenciado pelo Minc também é concentrado na região Sudeste.
    Agora querem colocar o torniquete e apertar até gangrenar com a promessa de que assim será melhor para todos. Quem aqui é bobo ? Ninguém é bobo, mas parece que todo mundo tem medo de lobo mal. Se ficarmos com medo aí ele engole mesmo. Tá na hora de chapeuzinho botar a boca no trombone. E botar os pingos nos is.

  • Alfeu, 27 de março de 2010 @ 11:23 Reply

    Caro Ronaldo Bianchi
    Interessante seu ponto de vista. Mas na minha opinião (e não pretendo ser original com ela, já que muito já se falou sobre esse assunto), com relação ao mecenato especificamente, e na forma que se encontra atualmente, a Rouanet não atinge seus objetivos e deforma sim o mercado, pelo menos por duas razões.

    Em primeiro lugar porque transfere aos diretores de marketing das grandes empresas a decisão sobre que setores da cultura serão financiados com recursos públicos. Ora se os recursos são públicos é ao setor privado que deveria caber a definição acerca do destino dos mesmos? Penso que não e isso me parece uma distorção ou pelo menos um equívoco.

    Em segundo lugar pela forma que a música não instrumental ou erudita é tratada; qual a razão de haver um artigo específico na lei que discrimina a música popular “cantada” e não permite ao patrocinador o abatimento integral dos 100% (dentro do limite legal) do valor investido? Dir-se-á: oras mas esse setor não precisa de investimentos, pois um artista do quilate de Roberto Carlos, por exemplo, já tem carreira mais que consolidada, lucrativa e portanto o mesmo não precisa de patrocínios. Mas sem dúvida o exemplo citado é exceção no universo de iniciativas “vocalizadas” da música brasileira. Novos grupo formados na tradição vocal brasileira, como MPB-4, Boca Livre, Os Cariocas – só para citar alguns – se encontram em situação de desvantagem ao tentarem captar verba para seus projetos aprovados na referida lei. Afinal, onde o diretor de marketing preferirá aportar seus (na verdade nossos!) recursos? Numa peça de teatro ou filme, etc., com famoso ator de TV (tendo assim até mais de 100% de abatimento do investimento, como mencionado)ou num disco, turnê musical, etc. de um grupo vocal iniciante – e ter os “fantásticos” 40% de abatimento sobre o investimento, previsto no “iluminado” artigo 25 da Rouanet? Isso também me parece uma distorção, ou mais um engano, um equívoco da lei.

    Grande abraço e parabéns pelas questões levantadas, Alfeu Julio,de Campinas-SP.

  • Arte e Cultura Ltda., 27 de março de 2010 @ 16:33 Reply

    Gostaria de tocar em um item da reforma que reputo importante; a contrapartida.
    Não me passa pela cabeça que, ao pretender estender beneficios, o MinC como guardião e responsável pelo progresso e aumento da participação da população em produtos culturais acene com a mudança para a menor fatia do mercado do Imposto de Renda.
    Por incrível que pareça o MinC propõe que a cultura perca um espaço já conquistado.
    Só entendo que se lute e se empenhe para aumento de espaço e, portanto acho que ao se pretender impor contrapartidas sejam as mesmas bancadas pelo governo. Temos que lutar para aumentar a nossa fatia no bolo do IR e não diminuí-la.
    Com um abraço do Clorindo. http://www.arteecultura.com.br.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 27 de março de 2010 @ 18:13 Reply

    Kluk
    Você estimula um debate bem pertinente quando faz citações de demonização seletiva. Acho mesmo que este tema dado a esta última selvagerização estimulada pela mídia, no “Caso Nardoni”, não faço nenhum julgamento do caso em si, mas daquelas cenas medievais de verdadeira inquisição com direito a centena lida em rede nacional e closes de caras e bocas do Senhor Doutor Promotor. Acho que temos o direito de debater francamente a imagem que nos chega pela democracia através da tal liberdade de expressão determinada pelos barões da mídia.

    Linko aqui uma grande matéria para que possamos refletir, pelo menos refletir e estabelecer, para nós mesmos, uma noção de espaço individual a nossa liberdade de raciocínio.

    A DEMONIZAÇÃO DE CUBA, UMA GUERRA POLÍTICA E CULTURAL

    Em política, a única vitória possível é cultural. O restante pode ser chamado de ocupação, asfixia, imposição; todas variações que postergam a vitória do suposto derrotado. Por isso, os ideológos da direita se lançaram de corpo e alma em uma guerra cultural contra Cuba que envolve todos os meios, aspectos e recursos. Uma guerra que não busca nem pede verdades ou princípios: uma guerra para reverter convicções e sentimentos, que se apóia na força dos meios de comunicação. O artigo é de Enrique Ubieta Gómez, na estréia da parceria entre a Carta Maior e o Rebelión.

    Enrique Ubieta Gómez – Rebelión

    sss://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16487

    Grande abraço.

  • Kàtia Sampaio, 29 de março de 2010 @ 9:33 Reply

    Finalmente um artigo que diz exatamente o que está acontecendo com as pretensas mudanças na Lei de Incentivo. Trabalhei por muito anos em órgãos públicos culturais em minha cidade (Bauru): Secretaria Mun. de Cultura e Secretaria de Estado da Cultura, em ambas, tive a oportunidade de ser dirigente. Digo, sem medo de “ser feliz”, que muito das soluções para os entraves da coisa pública se dá na ausência de coerência, bom senso e simplicidade e esta última seguer está nos dicionários dos dirigentes.

    Quando começou a chamada consulta pública, enviei minha pequena contribuição que nada mais era que o simples e direto ajuste dos Artigos em questão. Também lembrei que Vanessa DaMatta, Caetano Veloso, Cirque Du Soleul, entre outros, não deveriam ser beneficiados por tal mecanismo e isso foi decididamente uma questão interna!

    Entendo, para ser breve, que não era necessária tal mobilização. Imagina se realmente os propostos forem aprovados?! Quantos anos teremos pela frente para adaptação e correções disto?!

    Esperar que os congressistas e senadores façam a sua parte é no mínimo uma piada de mau gosto. Até porque, alguns são donos de Fundações que costumeiramente recebem, digamos, uma ajudinha de custo para seus pretensos projetos sociais. Isso não é lindo?

  • Kluk Magri Neto, 29 de março de 2010 @ 11:28 Reply

    Caro Carlos,

    Leio com alguma frequência os seus artigos aqui no Cultura e mercado e embora não concorde com grande parte dos seus pontos de vista, e com a maneira que você acredita que os problemas possam ser resolvidos, acho enriquecedor que eles estejam aqui na arena de debate para expressar os anseios daqueles que estão contigo, contribuindo para as trocas e o debate geral.
    Vai aqui a minha admiração pelo trabalho do Leonardo que dá espaço a todos os pontos de vista antagônicos para que do equilíbrio entre eles nasca o progresso.
    Não é um barão da mídia, embora creio que até aos barões da mída, deve ser dado e garantido o direito de expressar as suas opiniões, sem que Lula (que está no estagio de “falar” o que Chavez “já faz” como bem disse o Estadão) saia por aí dizendo que certos jornalistas escolhem escrever o “errado” quando poderiam escrever o “certo”, geralmente quando criticam o seu governo.
    Existem muitas formas de desqualificar as opiniões dos outros. Uma das mais comuns usadas por aqueles que querem impor suas idéias arvorando-se os “únicos e legítimos” defensores do povo é apelar para a desqualificação dos demais, classificando-os como representantes do capital, da burguesia e etc. Tudo o que vem em direção contrária às suas idéias são rapidamente classificados assim e mesmo quando são opiniões que vem de cidadãos do extrato médio, jornalistas, acadêmicos e outros, é fácil dizer que eles estão a serviço de alguém, desse ou daquele interesse, ou que são iludidos pela grande mídia.
    Assim se dão os primeiros passos para, por um alegado “bom e nobre motivo” e usando a velha formula do incitamento à luta de classes, comece a legitimação do “cala a sua boca burguês”
    O artigo comentado aqui, trata as questões do Procultura de forma objetiva, observando o seu conteúdo em termos técnicos e conceituais, com uma visão pragmática sobre os efeitos que esse projeto trará para o financiamento à Cultura. Já o seu comentário neste fórum com uma indicação do artigo sobre “Cuba”, demonstra claramente que na base do caldo onde se gestaram as críticas mais distorcidas a respeito da Lei Rouanet, está mesmo uma visão anti-capitalista, onde não há espaço para a discussão sobre verdadeiros aprimoramentos do mecanismo da Lei Rouanet. Esta direção é substituida pela sanha de implodir um sistema sobre o qual recai o ódio e a mágoa de muitos que se enxergam e se reconhecem como oprimidos pelo sitema capitalista ou pelos grandes Satãs eleitos.
    Assim, a lógica de mercado implícita no mecanismo de Mecenato da Lei Rouanet, é desqualificada já de saída, por princípio, não cabendo recurso ao réu diante dos severos juízes vermelhos, tão certos de suas verdades a respeito do que deve ser um mundo melhor.
    Não quero aqui fazer apologia à perfição dos mecanismos de mercado ( não são perfeitos) e nem propagar a absoluta certeza de que as democracias ocidentais nas suas mais variantes formas foram capazes indistintamente de gerar prosperidade e justiça social sempre e a todos sem falhas. Como escrevi acima. Quem aqui é bobo ? Mas tá na hora de chapeuzinho botar a boca no trombone, sim. E é bom que grite aos quatro cantos tudo a quilo que achar que deve ser mudado, inclusive o que está errado no seio do sistema hegemônico hoje no mundo. O sistema capitalista.
    O que não dá pra fazer é tentar viver no passado, revivendo tentativas fracassadas que desmoronaram sucessivamente com a Perestroika, como a queda do Muro de Berlim, e como a recente e gradual abertura da China e a transmutação do dragão vermelho em algo ainda um tanto quanto incompreensível tanto para os antigos socialistas, quanto para os capitalistas de olho nas virtudes e falhas do modelo chinês (mas veja bem, é chines, com especificidades e com a raridade de um urso panda, que por enquanto nasce lá e só consegue viver bem por lá)
    A gente tem que escolher em que lado do muro vai ficar. Eu prefiro ficar do lado das liberdades de expressão, da pluralidade, da diversificação e da ampliação do leque dos mecanismos de financiamento à Cultura.
    Advogo por um sistema de financiamento à cultuura onde convivam os mecanismos que, de forma bem adminstrada e controlada, aproveitem sim as potencialidades do marketing e dos tão demonizados diretores de marketing das empresas. Advogo por um sistema que ao mesmo tempo fortaleça o mecanismo de financiamento direto pelo Estado. Este deve ser tão importante quanto o outro.
    Apoio a manutenção do mecanismo de Mecenato da Lei Rouanet sem as rupturas abruptas propostas pelo projeto descabido do Procultura que apenas irá mutilar esse mecanismo.
    Apoio o fortalecimento e a boa gestão do FNC que não carece de ser pomposamente retalhado em fundo setorial disso, fundo daquilo e daquilo outro, para efetivamente funcionar.Essa divisão poderia ser administrativa e efetiva. Mas os nomes pomposos são estratégia de, agora sim, “marketing” do nosso Ministro para dizer que a culpa pela má gestõa do FNC é da Lei Rouanet e não da incapacidade de gestão da sua caneta tresloucada.
    E quanto à Cuba, me desculpe. Embora reconheça que os mecanismos covardes de asfixia que os EUA usam e sempre usaram são reais e perniciosos, já passou da hora desse povo virar a página do século 20 e começar a escrever uma nova no século 21. É inútil dizer que sem os Estados Unidos o projeto de Fidel teria dado certo e que a culpa portanto não é de Fidel.”Look at China now and think about it”
    A responsabilidade pelo fracasso é de Fidel sim.Também.
    Um lider que se perdeu nos caminhos da história.
    Agarrado ao poder, como tantos outros homens de boas intenções que carregados pela esperança de seu povo de uma foram ou outra chegam ao posto de dirigentes de seus países.
    Esse senhor em nome de um ideal fracassado, que envelheceu, acabou por impor ao seu povo, agora, mais flagelo. Pela sua teimosia, visão de mundo, interesse pessoal (é claro sempre há)e sua ideologia, que acredita talvez ardentemente ser a única verdade sobre a realidade do “mundo injusto” contra o qual de diz lutar.
    Creio que a responsabilidade sobre a permanência das nossas mazelas sempre é nossa.Sempre há um caminho para superá-las e esse caminho pode ser pacífico inteligente e conciliador. Torço para que o pessoal da cultura no Brasil consiga juntos dar conta desses desafios. De outra formma as grandes tensões e as injustiças permanecerão. Um abraço.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 3 de maio de 2010 @ 0:33 Reply

    Olá Kluk
    Desculpe, somente agora vi o seu comentário.

    Não tenho, pelo menos você nunca leu algum artigo meu defendendo sistemas A ou B. Talvez a confusão de nossos espíritos e o empobrecimento presente no debate cultural em torno da Lei Rouanet, tenha nos levado a uma situação insustentável estabelecida por esta norma aonde os movimentos populares do Brasil não são os protagonistas. E democracia tem que ser regulada pela vida coletiva, não tenho dúvidas de que você concorda com isso.

    Quanto às minhas críticas aos acadêmicos universalistas, coloco-me frente à realidade vivida pela maioria das nações. Nossos acadêmicos, diante da sociedade, ainda trabalham com a ideia da competitividade. Há um pequeno número de bons pensadores que têm uma ótima interpretação multidisciplinar do mundo contemporâneo brasileiro, mas seus pensamentos não são realçados dentro das próprias academias porque a nossa produção ideológica no campo científico ainda margeia as matrizes europeias.

    A tônica das minhas críticas, ao contrário do que possa parecer, vão contra a tirania da informação do mercado cultural. Não há nada contra pessoas, mesmo quando falo, por exemplo, de Fernando Henrique Cardoso, por isso não o trato como presidente, mas sim como gestor. Discuto seus pensamentos, práticas e o resultado desastroso de sua ditatorial política privatista.

    Mas voltando ao mercado, na verdade, não há como voltar porque não temos um. Não há uma mísera centelha de pragmatismo que você cobra para uma discussão, pelo menos inaugurau sobre o mercado cultural. Temos uma feira de mecanismos para ser consumida pelas classes de alto padrão aquisitivo. Por isso ele não consistiu, como no caso da Lei Rouanet, em fomentador de um sistema de mercado.

    Você deveria estar do meu lado, Kluk, e cobrar um evolução positiva de um sistema que fatalmente contemplasse a economia cultural. Mas aonde estão os respectivos resultados desta produção? Mesmo que olhássemos para a arte como valor mercadológico. Não há território construido nesse sentido. Não há base e, portanto, não há resistência. Não se estimulou trocas de materiais, muito menos espirituais. Este debate se tornou esquizofrênico que, mesmo aqueles que têm a arte, a cultura como objeto de comercio, na verdade não apresentam um dado sequer que estabeleça um fruto dessa forma de especialização produtiva.

    Uma coisa que aprendi durante vinte anos envolvido com o mercado é que existem normas indispensáveis na atividade econômica. E essas normas aparecem em decorrência da própria atividade. Assim vamos redefinindo políticas à medida do aumento das possibilidades de intercâmbio comercial. Pergunto: qual a fração de um sistema de mercado que aparece como resultado da Lei Rouanet senão esse fenômeno brasileiro que fez dela o próprio mercado e produziu essa verdadeira esquizofrenia. Não podemos imaginar que esta seja a tecnociência que está a serviço da comunidade científica ou popular da cultura. Novamente pergunto: qual o progresso técnico que há nisso? Essas questões precisam ser encaradas para sairmos desse fragilíssimo conceito ideologizado que organiza uma produção ficcional.

    Não conheço todos os contornos da história do capitalismo, mas esse sistema carregado de artifícios de um retumbante vazio não serve sequer para a ordem estabelecida, a não ser para o sofisma de universalidade empírica.

    Espero que agora você compreenda que não há em minha fala espírito de revanche ou vingança. Essa aglomeração ordinária não é invenção de minhas análises, isso foi determinado pela transgressão que chamamos de Lei Rouanet que não produziu relações sociais, culturais e nem comerciais. Aí foi produzida uma materialidade estática, corroziva, e o resultado desse simbolismo está aí, e não há publicidade que consiga maquiar esta lei que é, em tese, um eterno prefácio de uma história que jamais nascerá para a cultura brasileira. No máximo, podemos classificar isso dentro de uma norma disciplinar intelectual é que inauguramos no Brasil o tributarismo cultural com uma extensa ficha de citações.

    Grande abraço.

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