“Outro sinal do despreparo reinante entre os aspirantes a poderosos de todos os rincões desta nação pode ser medido pela alienação e pelo desinteresse quase repulsivo que eles têm pela cultura”

Existe ainda uma saída.

Sei. Estamos todos com aquela sensação que em política nada mais nos impressiona, mas basta uma rápida olhada nos programas e nas agendas dos candidatos para perceber um vale tudo estarrecedor.

Não importa as esferas em que disputam, seja federal ou estadual; ou se pretendem agarrar o poder  executivo ou o legislativo.Ao contrario de aspirantes a servir o bem comum, temos candidatos que se crêem imunes ao senso do ridículo e, pior, se crêem bem acima do bom senso que deveria por princípio orientar suas condutas.

E nós, como ficamos? Ora, se já somos considerados um país sem memória, porque nos basta uma semana ou duas para esquecer os fatos escancarados pela mídia, fica cada vez mais evidente que hoje somos um país sem presente, pois parece que nada disso está acontecendo. A indignação se entorpeceu de realidade e se prostrou.

Fellini uma vez disse que o cinema usa a mentira para falar a verdade. Tomo para mim que os políticos acharam um atalho às avessas e usam a verdade, que é a união de nossas esperanças e necessidades, para fazer imperar a mentira de suas condutas e suas promessas. E só assim ela, a verdade, é para eles tolerável: pela capacidade e potencial de com ela poder-se representar à vontade, em nome das expectativas reais dos que os elegem.

Desnecessário dizer que agindo assim a política torna-se tão somente simulacro dela mesma, com seus protagonistas não sabendo mais o que dizer e tendo que recorrer a cada passo aos marqueteiros, que só estão nessa pelo dinheiro. Vivemos as décadas da política pela política, do poder pelo poder.Triste conclusão. Mas a verdade é que a cada edição pioram os contextos das eleições.

Outro sinal do despreparo reinante entre os aspirantes a poderosos de todos os rincões desta nação pode ser medido pela alienação e pelo desinteresse quase repulsivo que eles têm pela cultura. Mal sabem o que ignoram.

Um exemplo de sua expressão está ali mesmo dentro de casa. É o instrumento legal criado pelo Congresso há 25 anos, a Lei Rouanet, que paga dobrado e a cada dia o motivo de sua existência. A sua importância pode ser medida proporcionalmente ao aumento gradual e contínuo dos investimentos sócio-culturais em todos os segmentos que ela contempla.

Nos últimos quatro anos foram captados por meio da lei cerca de R$1.8 bilhão, conforme dados do Ministério da Cultura, o que significa um crescimento de 33,3% no total de investimentos, se comparado com o mesmo período da gestão anterior.

Somente no último ano fiscal foram captados aproximadamente 700 milhões de reais. O número de projetos apresentados em busca dos incentivos previstos na lei quadruplicou. E cresceu numa proporção similar o número de projetos autorizados a captar pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que os analisa e aprova em última instância. Já o número de empresas que investem em cultura no país cresceu em mais de 30%, sendo que somente nos últimos 3 anos mais de 600 empresas que não investiam em cultura passaram a investir.

É assim que, muito embora ignorada, a chamada economia criativa registra nos últimos anos um crescimento muito acima do desempenho verificado em qualquer outra atividade econômica no Brasil! E de quebra, estes números nos trazem uma certeza: revelam o amadurecimento do setor cultural brasileiro, confirmando que a cultura é uma das atividades potencialmente mais dinâmicas em nosso país.

No entanto, a verdade que mais salta aos olhos é que a área cultural nunca foi contemplada devidamente por recursos e atenção política na proporção correspondente à sua presença no cenário social. Mesmo com sua arquitetura institucional em franca consolidação e sua importância econômica já amplamente reconhecida nos setores afins, a cultura pouco está presente nos atos simbólicos e  mesmo nas promessas dos candidatos, por mais vãs que sejam elas.

E não é de se estranhar que essas preocupações não estejam manifestas até nos discursos dos candidatos mais modernos. Afinal, mesmo eles são teleguiados pelos institutos de pesquisa para os quais a população responde primeiro com seu desemprego e seu desespero.

Basta uma rápida olhada nos modelos instalados no país e no mundo para poder constatar que precisamos de um novo tipo de desenvolvimento. Essa busca já começou, ainda que para muitos, apenas instintivamente. E ela vai se afunilando à medida que vamos descobrindo, fomentando e reafirmando o potencial criativo e cultural que o Brasil detém, como outros países detêm mananciais de petróleo.

Precisamos de um desenvolvimento holístico, que vá muito além da saúde, da educação, da moradia e do emprego, mas um desenvolvimento que promova a inclusão por meio das artes, da consciência criativa e do patrimônio memorial. Só o desenvolvimento cultural nos dará o direito pleno que toda sociedade tem de exercer sua capacidade inventiva, sem medo que o pão lhe falte.

O debate político, repleto de chavões e déjà vu assistencialistas,  só vai se transformar em algo palatável e inovador com a plena inserção da cultura como setor decisivo na pauta nacional. E daí então, senhores candidatos, sairemos  das coxias do ridículo e caminharemos para nosso lugar ao sol.

Px Silveira


author

Executivo do Instituto ArteCidadania e Coordenador do Porto das Artes, em Goiânia, é autor dos filmes “Nove minutos de eternidade”, “Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, escritor” e “Amianto, I lobby you”, entre outros.

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