Estamos à beira da premiação do Oscar. E como bons colonizados cultuaremos, como em todos os anos, o modo de vida superior, a raça dos afortunados, dos que consomem 70% dos recursos disponíveis, transformando e devolvendo sua matéria não reciclável nas redes e telas de todo o planeta. Mais de 80% do mercado audiovisual concentra-se nas mãos de um oligopólio que age com o poder e o aval do Estado mais poderoso do mundo. O extraordinário lixo imaginário que vem de lá transforma-se em lixo real, com latas e pets de Coca-Cola e caixas de McDonalds.

O Oscar deste ano tem um gostinho especial para os brasileiros. Lixo Extraordinário, que retrata o processo criativo do artista Vik Muniz no maior aterro sanitário do mundo, o lixão de Jardim Gramacho, no Rio, concorre na categoria de melhor documentário. Apesar de bancado com dinheiro (público?) brasileiro, quem contabiliza a indicação é o Reino Unido. O Brasil faz-se representado na mais concorrida cerimônia do mundo das celebridades, não só por Vik, mas também pelo catador Sebastião Carlos dos Santos, o Tião.

O carvão que move a locomotiva do consumo continua sendo a indústria audiovisual global, que se camufla onipresentemente por TVs, computadores, celulares, videogames portáteis e telas em lares, ônibus, metrô, praça pública, bares e restaurantes, pelas bibocas mais longínquas do planeta. Para a indústria do entretenimento tudo é descartável e vira lixo no momento seguinte, quando sai de cena. E quando sai de cena, deixa de existir no mundo maravilhoso da mídia. Mas não da nossa vida real.

O lixo toma conta e denuncia uma sociedade doente, como prenunciava Wall-E, ganhador de Oscar de melhor animação de 2009, enquanto os humanos, distraídos por telas portáteis em um cruzeiro de entretenimento intergalático, são salvos por um simpático robô que comprime e recicla os dejetos humanos, apaixonado por uma sonda em busca de qualquer sinal de natureza na Terra.

Tião é o novo anti-herói brasileiro, devorado pelos abutres da grande imprensa. Se ganhar o Oscar vai parar no Faustão, Gugu, Big Brother, estampará as páginas internas de Caras e a capa da Veja. E voltará ao lixão, como no excelente “A pessoa é para o que nasce”, de Roberto Berliner.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

12Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 26 de fevereiro de 2011 @ 11:05 Reply

    A provocação é ótima Leonardo, mas gostaria de acrescentar um pouquinho de pimenta. De um lado, temos a indústria de costumes cada vez mais relâmpagos, instatâneos e descartáveis, como você bem coloca. De outro, o que chamamos erroneamente de tradicional, digo erroneamente porque na maioria dos casos o mito vende esse universo como algo frágil, débil, estático seguindo apenas a ordem de uma tradição, mesmo que ali haja uma oposição menos sentida e, sobretudo essa tradição significa a figura do cidadão que ergue os seus estandartes longe da cultura de consumo ou da informação ideologizada.

    A questão é, como organizar a circulação fundada numa terceira e quarta vias. A terceira via é doutrina do velho Estado burguês que de tão esquizofrênica, começa a morder o próprio rabo, vide a saúde mental do maestro Minczuk, fiel escudeiro das classes chamadas superiores em cultura que acabam gerando dentro do próprio quartel uma batalha com a nova lei de valor que o maestro cria para se valorizar.

    E nós, aonde estamos no meio da composição de publicidade, mais materialidade, publicidade e serviço? Nós que estamos na fronteira com o terceiro setor e que sequer somos representantes do Estado nacional e nem do mercado transnacional, discutimos as nossas realidades a partir de quê? Produção, trabalho, financiamento ou cooperação? Acho que caimos num mero processo técnico de produção.

    Nosso ponto de partida em busca pela soberania para o hiato entre o mercado e o Estado não foi por nenhum dos dois, mas dialoga com os dois influenciado pelos ditos fatores absolutos. Ora pelo Banco Mundial, ora pela organização mundial. Não temos uma contrapartida própria. A força interna? Sim, mas também não pode ser normativa calcada num nacionalismo exótico que é exotico até para nós mesmos.

    Claro que não existe governabilidade plena e infinita nessa, digamos, quarta via em que vivemos, e é aí que está sendo fundado um novo universalismo, bom para todos. Aproveitando os benefícios da interatividade e da troca de conhecimento impulsionada por nossas necessidades individuais.

    Por isso a retirada do Creative Commons do site do MinC foi mais do que uma lambança ingênua pelo desgaste político e a ineficiência em tentar frear os ventos revolucionários que chegam com a internet, (vide revolução nos paises da África e Oriente Médio).

    O MinC parece querer se tranformar num almoxarifado-recuperado de celebridades mórbidas, talvez inspirado nos antiquários que hoje bombam na Lapa (Rio), numa reedição do cariocacentrismo que a poucos anos gerou uma forte crise dentro da Funarte e que em seguida todos sairam perdendo, principalmente a cidade do Rio de Janeiro.

    O grande problema de toda essa questão é que o quarto setor, aonde nos encontramos, que mistura Estado e mercado, está preso a uma teia protocolar de não confiança no cidadão comum, por mais que ele venha protagonizando, a revolução nas redes sociais. Esse mundo protocolar do quarto setor não enxerga reações tão perceptíveis de quase todas as camadas sociais e incapazes de regular a nova vida coletiva para tentar manter o benefício exclusivo nas mãos das antigas celebridades, o MinC de Ana de Hollanda e, sobretudo de Antonio Grassi, afoito em construir público para bilheterias, desloca-se de um novo universo escrito pela sociedade e mergulha num retumbante buraco negro, acreditando na falácia do (não sei o que quero, mas sei o que não quero). E o resultado já está aí, tentando, sem êxito, dar uma braço de afogado na sociedade brasileira.

    O MinC de Ana de Hollando e Antonio Grassi já está sacudindo os braços clamando por uma boia. E por que isso acontece? Porque eles ainda estão na década de 80, querendo viver um momento extraordinariamente percebido por Albino Pinheiro, os projetos Pixinguinha e o Seis e Meia, mas que não se encaixam nos dias atuais. Com isso, as pessoas esquecem de cantar o grande samba… “não sou quem me navega, quem me navega é o mar”. E aí, querem dar braçadas contra a correnteza. o resultado é cãibra seguida de afogamento, torcendo para tomar um caixote, ser arremessado na areia e se transformar num empanado, cair na fritura política e ser engolido ali mesmo na praia.

    As revoluções no Oriente Médio movidas por ações voluntárias através do twitter e facebook etc, mostram que, há um movimento moral e político contra Estados comandados por religiões, monarquias ou conglomerados.

    Essas sociedades que não chamadas para discussões sobre os processos econômicos, não aceitam mais serem produtos da marginalidade da pobreza incluída típica do ocidente. E hoje, na maior parte o planeta, os cidadãos buscam remédios fora do conceito científico para reduzir as dívidas sociais em que os povos foram jogados.

    Por isso, Leonardo, o nosso remédio é indiscutivelmente o software livre. É esta extraordinária corrente de agua pesada que o MinC hoje quer segurar com suas mãos. Vai quebrar a cara, como já está quebrando e, se seguir como está, teremos um pato manco até o fim do mandato. O MinC, ao retirar o Creative Commons, quis mostrar as travas da chuteira para a sociedade comprando o discurso dos dinossauros famintos do Ecad. Vão os dois para o tombo pois já estão sendo atropelados politicamente pela massa.

  • Anderson Lira, 27 de fevereiro de 2011 @ 1:24 Reply

    Leonardo,neste anos todos as ações do governo estão focando os produtos e pouco os processos.Temos que nos avaliar e pensar se focamos nas obras,bens e resultados das nossas criações e quanto nos processos?

    Neste sentido conheço grupos daqui de Brasília que investe nas obras, fazem intercãmbio e oficinas com diretores de renome internacional, mas não conseguem sair do ciclo da fome.Eu avalio que eles deveriam mudar o ciclo investindo mais na gestão do grupo e tirando um pouquinho do investimento na estetica dos seus espetáculos.

    O filme da Ceguinhas de Campina Grande “A pessoa é para o que nasce” descreve bem este ciclo, nas culturas populares, parte que planto e colho neste latifundio, fui constantado este ciclo da fome em vários grupos em maior ou menor grau.

    Quanto o Minc investiu na melhora da gestão dos grupos neste ultimos anos?

    Este Minc que passou fazia muita propaganda,porem os processos inclusive participativos foram feitos assodados com pauta extensa e sem perceber que estamos ali para formas pessoas e além de cumprir tarefas e atingir resultados.

    Este Minc que aqui está corre o mesmo risco, de jogar produtos na sociedade, nem sequer no mercado chegam.Vide o cinema desde da Embrafilme vive dos subsidios do estado e nunca virou industria.

    Espero que nós das culturas populares vivamos com e para além do estado já que ainda somos poucos no mercado. Veremos!

  • KIKA PEREIRA, 27 de fevereiro de 2011 @ 10:37 Reply

    O filme lixo extraordinário está na minha lista de filmes obrigatórios. daqueles que a gente deve assistir, independente de gostar ou não. achei a imagem e o som de má qualidade, (o que pode ter sido prejudicado pelo cinema onde assisti). Sai satisfeita da sessão. Tive sim contato com uma nova realidade para mim, novas experiência e outras possibilidades.

    A unica coisa desagradavel e patética eu diria é uma declaração, ou melhor , afirmação, que Vik M. faz para Tião quando está convencendo-o do projeto. Ele diz: -sou o maior artista plástico brasileiro fora dos domínios tupiniquins.

    E pior foi ouvir ele falando:-eu nem gosto de dizer isso.

    Quanto ao Tião, Leo Brant, do mesmo jeito que ele está no C&M acho que pode estar no Gugu, Faustão…. e sinceramente como um verdadeiro anti heroi acho que ele acrescenta.

  • Eduardo Agueda, 27 de fevereiro de 2011 @ 10:40 Reply

    Descartável. Uma boa palavra para o nosso mundo globalizado pós-moderno de hoje em dia. Tudo vem e passa sem deixar vestígios, somente na mente alienada da massa, cada vez mais estúpida e seguidora. E isso não é um comentário excludente, pelo contrário, quando eu falo massa eu falo o povo em geral, sem excluir nenhuma classe. obviamente as classes mais altas que seria de esperar um pouco mais de desenvolvimento mental, originalidade e consciência, essas sim estão cada vez piores com a cultura dos Pityboys e patys.
    Gostei muito do seu texto Leonardo, mas parece que mesmo com seu olhar pessimista do mundo, parece que ainda tem um resquício de esperança nas suas colocações. O que eu não posso dizer da minha pessoa.

  • Aurélio Flôres, 27 de fevereiro de 2011 @ 13:13 Reply

    Bom dia Leonardo,

    Muito bom o teu texto, excelente mesmo as tuas considerações sobre o nosso colonial processo aculturativo-massivo-passivo-dos-quase-silvícolas-com-raras-excessões (aculturação ativa …) que hoje pode ser consagrado com a premiação do EXtra I.I.

    Lamentável, me recorda o Obama vs N. da Paz – Paz mas não a Pax, a Deusa que a representa como ideal – (me lembra a estrofe de um poema do Neruda onde ele se referia ao nixon dizendo: “Paz, mas não a tua…”) premiado por antecipação, premiado por uma intenção, premiado apenas por um “NADA” realizado; político-partidário-como-tudo-está-se-materializando-na-essência-hoje-e-mais.

    Quem assistiu a uma palestra que o ViK deu na Casa do Saber, na Lagoa, lembra do desprezo com o qual ele se referiu ao público fruidor de suas obras; evidentemente que o Público Fruidor hoje é outro, para ele Maiúsculo, para ele…

    Abs

  • Eduardo Antunes, 27 de fevereiro de 2011 @ 15:46 Reply

    Isto me faz lembrar a frase que meu pai sempre me dizia: “Meu filho enquanto a fábrica de bobos não fechar este país não tem conserto”!
    Gostei muito do artigo, um abraço!

  • luciano, 1 de março de 2011 @ 1:18 Reply

    Nao sei nao. Acho q rola um preconceito. Tudo q é americano é ruim e tudo q é brasileiro é bom. Já dizia Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”. Acho q podemos aprender c eles. Porque não? Acho q orgulho nunca levou ninguem a lugar algum. Se eles podem, porque nós nao podemos? Nós podemos? Nós queremos? Existe um “nós”? O Brasil não existe. É uma confusão. Nem capitalista, nem comunista, nem católico, nem budista. Não temos metas, objetivos comuns. Quem sabe faz, quem não sabe critica? O mundo esta aí. Queremos fazer filmes p poucos ou p massa, pro povo? Filmes pop? O pop é ruim? A massa é burra? A voz do povo é a voz de Deus? Devemos proibir tudo q vem dos states, tudo q é global e brega? Não sei se é por aí não. Acho q o lance é trabalhar, produzir. Os simpsons é um desenho. Parabéns p vc é uma música. Feita por crianças. Americanas??? Paz e amor e viva a diversidade.

  • Edimilson Macedo, 1 de março de 2011 @ 10:00 Reply

    Excelente o texto! O triste é que a maioria dos cidadãos aceita de forma passiva as relações de consumo, não participa da vida política do nosso país, não pratica o diálogo, e não avalia a importância de abandonar o pensamento individual…

  • luciano, 1 de março de 2011 @ 12:07 Reply

    Porque somos piores do q os americanos? Se somos melhores porque reclamamos? Podemos ser melhores? Não queremos ser melhores? Eles são do mal e nós do bem? Tem um negócio chamado inveja. Meu vizinho tem uma casa gigante, carro do ano e uma mulher linda. Deve ser ladrão ou traficante. Eu q sou feliz no meu fusquinha morando na favela. Ou vc xinga seu inimigo, o q não vai levar nada a lugar algum, ou aprende c ele. Mas se somos melhores, não temos o q aprender. Sacanagem mesmo é pagar 500 reais p empregada. É usar dinheiro do povo p fazer filmes q 3 intelectuais vão assistir. Temos q usar mais o espelho. Existem dois tipos de brasileiros. Os q trabalham no mercado de verdade, empresários, autônomos e empregados. Q pagam impostos q sustentam uma classe totalmente absurda. Funcionário públicos. Verba pública. Eles tem segurança, aposentadoria integral. Então o brasileiro “normal” paga salários, aposentadorias, filmes q ninguem vê. Como crescer desse jeito? Hollywood é grana. Mundo real. Não vendeu perde o emprego. Se eles usam armas ou grana, vamos usar também. Porque temos armas piores ou nosso dinheiro vale menos? Queremos ser os melhores do mundo ou continuar reclamando??? Paz e amor e akele abc

  • Christine, 1 de março de 2011 @ 23:16 Reply

    “A arte não é o que você vê, mas o que você sabe que está lá.”

    -Pablo Picasso

  • Jussilene Santana, 2 de março de 2011 @ 10:52 Reply

    Leonardo,
    Analisar o consumo criticamente é sempre valido. E o filme faz isso de forma artística. Merece dupla atençao, portanto. Contudo, criticar o Oscar e o modo de vida ‘colonizador’ dos americanos ao mesmo tempo em que se reitera a importancia de um filme ‘brasileiro’/brasilando’ por estar lá é, para dizer o mínimo, ambiguo.
    grande abraço,
    Jussilene

  • luciano, 2 de março de 2011 @ 19:58 Reply

    Tava vendo “toy story 3”. É muuuuuuuuuuuuuito bom. Lixo extraordinário é muuuuuuuuuuuuuuito bom. Acho q o q importa é competir. Estamos no mesmo planeta. Essa coisa de brasileiro coitadinho, índio bom branco ruim, já deu. Vamos pra frente q atrás vem gente… Paz e amor e boa sorte p todos. Akele abc

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *