O jornal O Estado de São Paulo publicou matéria na segunda-feira sobre a proposta da Funarte de reabrir o Teatro Brasileiro de Comédia. A matéria só confirma a discussão que acabamos de abrir sobre o posicionamento político-institucional da Fundação Nacional de Artes, que há muito demonstra sinais de senilidade e ineficácia.

A própria sede da Funarte em São Paulo, na Alameda Nothman, com teatro, salas de exposição e infra-estrutura de um equipamento cultural, passou 4 anos inativa por desleixo administrativo em torno de uma reforma ainda inacabada.

A questão continua: o Governo Federal deve administrar espaços culturais? Isso não seria função dos municípios, quando não da iniciativa privada? Qual a política do MinC para as artes? O que faz, e o que deveria fazer, a Funarte?

Acompanhe a matéria na íntegra:

Funarte planeja a reabertura do TBC

A idéia é manter uma sala para teatro e usar o restante do espaço para instalar a biblioteca Jenny Klabin Segall

Vitor Hugo Brandalise
Marcio Fernandes/ AEMarcio Fernandes/ AE
Um projeto da Fundação Nacional de Artes (Funarte) pretende reabrir o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), palco da lendária companhia do empresário italiano Franco Zampari, um dos patronos da profissionalização do teatro nacional. Diferentemente de outras tentativas de reabertura – o TBC já fechou e reabriu pelo menos quatro vezes desde que deixou as mãos de Zampari, em 1964 -, a idéia da Funarte é manter somente a sala principal, de 370 lugares, para encenação de peças. Nos outros três espaços, ficaria a Biblioteca Jenny Klabin Segall, maior acervo especializado em artes do espetáculo do País, atualmente instalada no Museu Lasar Segall.

“As duas instituições serão valorizadas. A biblioteca procura um espaço nobre para que possa crescer e o TBC, com a importância que tem, simplesmente não pode ficar sem revitalização”, disse o presidente da Funarte, Celso Frateschi. Após avaliação da Caixa Econômica Federal, finalizada há duas semanas, a fundação enviou proposta de compra do teatro a Magnólia do Lago Mendes Ferreira, proprietária do TBC desde 1982 – os valores, porém, não foram revelados. “A fundação está confiante de que o projeto terá sucesso. Trabalhamos com a expectativa de inauguração do TBC no final de 2009”, disse Frateschi. Procurada, Magnólia não foi localizada pela reportagem.

O projeto tem apoio do Ministério da Cultura, que está elaborando parecer jurídico para desvincular a biblioteca do museu, passando a administração para a Funarte. Caso o negócio se concretize, a nova configuração do TBC vai se aproximar do projeto original. “A Sala Assobradado servia para os ensaios, a Sala Porão era a marcenaria e a Sala Repertório, o guarda-roupas do teatro”, explica Alberto Guzik, autor do livro TBC: Crônica de um Sonho, que trata do primeiro período do teatro, entre 1948 e 1964.

Nessa época, foram levadas aos palcos do TBC 144 peças, vistas por quase 2 milhões de pessoas. Foi lá, no prédio tombado da Rua Major Diogo, na Bela Vista, que despontaram carreiras de sucesso, como as de Cacilda Becker, Tônia Carrero e Paulo Autran. “O teatro pode se transformar em um centro de referência das artes cênicas, com o espaço que sempre teve para espetáculos e também para pesquisa, agora com a biblioteca”, afirma Guzik.

A biblioteca hoje instalada no Museu Lasar Segall, na Vila Mariana, zona sul, tem um acervo de 2 mil periódicos – 200 deles ainda correntes – e 20 mil livros, entre outros itens, sobre teatro, ópera, dança, cinema, fotografia, rádio e televisão. O acervo ocupa uma área de 385 m². Percorrendo os corredores apertados da biblioteca, não é difícil encontrar raridades – em armários no setor de teatro, por exemplo, ficam cerca de 2.700 peças, muitas delas inéditas, originais e impressas em papel mimeografado. Também estão lá periódicos nacionais do início do século 20 – mais de 2 mil exemplares das revistas A Scena Muda, Cinearte e Fon-Fon, entre outras.

“Com crescimento do acervo de cerca de 1% por ano, o Conselho do Museu procurava desde 2000 um novo local para manter a biblioteca se desenvolvendo”, disse o diretor do Museu, Jorge Schwartz. A diretoria do Lasar Segall também já se movimenta para viabilizar o projeto TBC. Na semana passada, Schwartz convocou uma reunião com arquitetos para discutir o projeto de reforma do teatro e transferência da biblioteca. “Atualmente estamos discutindo as fundações, ainda não dá nem para dizer o tamanho da biblioteca.”

Para avaliar o espaço, a Funarte alugou o TBC no final do ano passado – é a fundação que mantém o vigia e os dois faxineiros que trabalham atualmente no local.

Tentativas

A história de espetáculos do TBC é toda acompanhada de problemas financeiros. Foi esse o motivo de todas as mudanças de direção do teatro desde o fechamento da companhia original, em 1964. A última tentativa de reabrir o TBC – após ter passado a década de 90 inteira arrendado para a Prefeitura, com poucos espetáculos em cartaz – foi uma iniciativa do empresário Marcos Tidemann. Em 1999, ele reformou as salas, trocou equipamentos, piso, poltronas, instalações elétricas e hidráulicas e construiu um bistrô, uma obra de R$ 4 milhões.

O “Novo TBC” durou até 2003, quando foi fechado, novamente, por dificuldades financeiras – bilheteria e patrocínio cobriam apenas 60% dos gastos, estimados em cerca de R$ 70 mil por mês. “Sofremos com a degradação da região do Bixiga, o público tinha até medo de chegar ao local. Chegou um momento em que o prejuízo foi tanto que impossibilitou os negócios”, disse Gabriel Villela, diretor artístico do TBC na época. “Mas, pelo que deixamos, a Funarte encontrará no local equipamentos com toda condição de serem utilizados. A idéia tem tudo para dar certo”, avalia.

História

1948

Empresário italiano Franco Zampari cria o TBC, com artistas como Cacilda Becker, Paulo Autran, Sérgio Cardoso e Cleyde Yáconis

Década de 1950

O teatro ganha importância, mas acumula dívidas e perde nomes como Sérgio Cardoso e Nydia Licia, em 1953; Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, em 1955; e Cacilda Becker, em 1957

1964

Entra em cartaz a última produção, Vereda da Salvação. Em 16 anos, foram encenadas 144 obras para 2 milhões de pessoas. Após fechamento, o TBC vira teatro de aluguel sob administração da Sociedade Brasileira de Comédia

Década de 1970

Com a ditadura militar, peças são censuradas. Flávio Rangel e o diretor Ziembinski depõem sobre os impedimentos do teatro. Em 1979, o TBC é reaberto e alugado pela Secretaria de Cultura do Estado

1980

Antonio Abujamra é diretor do teatro, que renasce com o Projeto Cacilda Becker. Em 1982, a empresária Magnólia do Lago Ferreira adquire o local, que é tombado pelo Condephaat em 23/10/1982

1990

Em dezembro, o TBC fecha salas e contratos não são renovados. A Prefeitura arrenda o local, paga aluguel e reforma, mas discute com Magnólia a responsabilidade pelas despesas

1999

O teatro é reaberto pelo empresário Marcos Tidemann, que promove uma reforma completa e a construção de um bistrô, ao custo de cerca de R$ 4 milhões

2003

O teatro é fechado por dificuldades financeiras. Bilheteria e patrocínio cobriam só 60% dos gastos, estimados em R$ 70 mil/mês. Volta a ser espaço de aluguel

Hoje

Em 2007, a Funarte aluga o espaço para avaliar a viabilidade da reabertura. A intenção é instalar lá a Biblioteca Jenny Klabin Segall – atualmente no Museu Lasar Segall -, com acervo de 2 mil periódicos e 20 mil livros sobre teatro, ópera, dança, cinema, fotografia, rádio e TV. Segundo o projeto, apenas uma sala de teatro será reaberta


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

4Comentários

  • nany semicek, 28 de agosto de 2008 @ 11:47 Reply

    Acredito que a função governamental seja a promoção de acesso aos instrumentos culturais, incentivo a produção e desenvolvimento humano. Administrar instrumentos culturais requer altíssimos custos com retorno discutível. Acredito no poder do incentivo a novos empreendedores com facilidades para atuação e reforço na ocupação artística do espaço, não a responsabilidade sobre o seu gerenciamento.

  • EDMUNDO LIPE, 2 de setembro de 2008 @ 9:31 Reply

    O TBC FAZ PARTE DA HISTÓRIA DO TEATRO BRASILEIRO. OU A FUNARTE O UO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO OU A PREFEITURA OU O SESC DEVEM TOMAR ALGUM PROVIDÊNCIA ANTES QUE EDIFICIO VENHA ABAIXO.

  • Maria Helena, 5 de setembro de 2008 @ 16:07 Reply

    A finalidade estatutária da Funarte é de promover e incentivar a produção, pratica e desenvolvimento das atividades artísticas. Ela não é e nem tem orçamento para gerir equipamento cultural. Inclusive, ela não consegue nem administrar os que já tem, não entendo porque está pegando outros para administrar. Essa função pode ser privatizada ou então direcionada a algum órgão seja ele em qualquer esfera, mas precisa ser dentro das especificidades do órgão, de suas atribuições e com orçamento para tal.

  • Post Express » Blog Archive » MinC propõe mudanças na legislação de Direito Autoral, 6 de setembro de 2008 @ 21:10 Reply

    […] Ojornal O Estado de São Paulo publicou matéria na segunda-feira sobre aproposta da Funarte de reabrir o Teatro Brasileiro de Comédia. Amatéria só confirma adiscussão que acabamos de abrir sobre o posicionamentopolítico-institucional da Fundação Nacional de Artes, que há muitodemonstra sinais de senilidade e ineficácia. Continuação » […]

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