Foto: Paulo Brabo
Continuamos a publicação de textos do ex-ministro Gilberto Gil sobre o Investimento Privado em Cultura. Esta semana, trazemos sua mensagem para o lançamento do Fórum de Investidores Privados em Cultura, em abril de 2007: “o mercado pode ser um fator de cidadania cultural, se suas potencialidades se desenvolvem plenamente. As políticas compensatórias e as políticas voltadas para a economia da cultura podem e devem se articular para maximizar eficiência e resultados”.

Acompanhe a íntegra do discurso:

Mensagem de Saudação do ministro Gilberto Gil no lançamento do Fórum de Investidores Privados em Cultura
SÃO PAULO, ITAÚ CULTURAL, 24 DE ABRIL DE 2007

Milu Vilella – Presidente Itaú Cultural

Hugo Barreto – Presidente do Conselho de Governança do GIFE

Antônio Carlos Maciel – Superintendente Coorporativo da CNI

Anamary Socha – Superientendente do SEST/SENAT

Bom dia a todas e a todos.

É com muita satisfação que participo deste evento de lançamento das bases institucionais do Fórum de Investidores Privados em Cultura.

Trata-se de um espaço de interlocução – que, esperamos, se consolide como fórum permanente – constituído pelo setor privado brasileiro para o aperfeiçoamento da reflexão e da ação do empresariado brasileiro para com o movimento cultural brasileiro, as políticas públicas de cultura e as questões culturais em geral.

Não são poucos, muito menos triviais os temas a serem enfocados. Se pensarmos com alguma atenção, perceberemos que as questões culturais são decisivas para o setor empresarial brasileiro e cruciais para o país.

Há muito tempo sabemos que as questões culturais são decisivas para o bem estar nas nações. Os economistas clássicos, entre eles, Adam Smith, já destacavam a importância dos temas culturais para a riqueza dos países. Max Weber, por sua vez, localizou no ethos do protestantismo – em traços eminentemente culturais – a grande força impulsionadora do capitalismo moderno.

Se no período de surgimento do capitalismo moderno, analisado por Weber, foram relevantes imperativos como a ética do trabalho e da poupança, a parcimônia, a dedicação pessoal e a identificação entre o sucesso material alcançado no mundo terreno como sinal de reconhecimento divino para a vida eterna, os nexos entre desenvolvimento econômico e social com as questões do mundo cultural só têm se tornado no mundo contemporâneo mais intensos, mais nítidos e menos controversos.

Nos dias atuais são cada vez mais decisivos temas definidos na esfera cultural, tais como inovação, inventividade, criação, criatividade, reflexão, pensamento, inteligência e o conjunto de instituições necessárias para assegurar o florescimento desta inventividade. Pergunto-lhes: há alguém que não identifique estes temas como decisivos para as sociedades contemporâneas? Pergunto-lhes ainda: há como negar que estes temas são assuntos que perpassam integralmente a esfera cultural?

Portanto, se inovação, criatividade e inteligência são decisivas no mundo contemporâneo – e tendem a ser cada vez mais – então, é decisivo o atendimento de necessidades e aspirações cognitivas e simbólicas das populações, supridas pelo acesso a bens, serviços e instituições culturais de qualidade.

Como sabemos, as ações culturais são portadoras de externalidades positivas que impactam e fortalecem todas as dimensões da vida e da ação humana, qualificando substantivamente o desenvolvimento humano.

Os produtos, serviços, atividades e equipamentos culturais estão na base das condições de desenvolvimento do chamado “capital humano”. O acesso a livros, filmes, festas populares, monumentos, músicas, peças de teatro, exposições, bibliotecas, centros culturais, livrarias e outras formas de bens e serviços culturais ampliam horizontes, aguçam os sentidos e a curiosidade, ativam a inventividade, asseguram mecanismos de reconhecimento e auto-estima e possibilitam àqueles que dispõem deste acesso oportunidades muito maiores em suas atividades profissionais.

Impactos da cultura podem ser observados na economia, na vida política, em questões de segurança pública, na saúde, na educação, no meio ambiente, no turismo, na pesquisa científica e tecnológica, no desempenho profissional, enfim, em todas as dimensões relevantes da ação humana, exatamente porque a cultura é fundante e determinante.

As atividades culturais apresentam, portanto, enormes ” externalidades” e o acesso a bens e serviços culturais de qualidade deve ser entendido como um direito fundamental e uma condição indispensável ao desenvolvimento humano.

Antecipando as orientações estabelecidas no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU 2004 (Human Development Report 2004 – Cultural Liberty in Today’s Diverse World), o MinC desde o início da nossa gestão passou a formular políticas e programas com base no preceito de que o acesso a bens, serviços e equipamentos culturais, assim como a garantia da livre manifestação cultural, é um direito humano fundamental.

Além das políticas compensatórias tradicionais, em que o Estado subsidia o acesso à produção e à fruição da cultura, também o mercado pode ser um fator de cidadania cultural, se suas potencialidades se desenvolvem plenamente. As políticas compensatórias e as políticas voltadas para a economia da cultura podem e devem se articular para maximizar eficiência e resultados.

Afinal, a cultura gera renda, empregos e felicidade, no Brasil e no mundo e tem sido um dos setores que mais cresce na nova economia mundial. Como aponta um recente estudo da Unesco, o setor cultural representa cerca de 5% do PIB dos países da OCDE, organização composta em sua maioria por países desenvolvidos. Esta participação oscila entre 3 e 5% nos países em desenvolvimento. Em termos de geração de emprego, este setor emprega cerca de 5% da mão de obra no Canadá, já nos Estados Unidos, ocupa 4% da força de trabalho, chegando à expressiva marca de 17% da força de trabalho ocupada na África do Sul.

No Brasil, a pesquisa inédita encomendada pelo MinC e divulgada recentemente pelo IBGE revelou que o setor cultural conta com 290 mil empresas culturais, responsáveis pela expressiva massa salarial de 17.8 bilhões de reais anuais. Os trabalhadores culturais recebem em média 5.1 salários mínimos contra uma média de 3.1 salários dos demais setores. As atividades culturais movimentaram uma receita líquida de 156 bilhões de reais, com custos de 114 bilhões, valores que indicam uma participação do setor cultural de 6,5% dos custos e 7,9% da receita liquida da economia brasileira.

Nada mal para um setor que, de acordo com estudo da pesquisadora Cristina MacDowel do IPEA, ocupava menos de 1% da mão de obra no princípio da década de 80 e chega no início dos anos 2000 a ocupar aproximadamente 5% da força de trabalho. Exatamente no período das chamadas décadas perdidas, o setor cultural crescia, absorvendo massivos contingentes de trabalhadores.

Ainda mais significativo do que a participação relativa das atividades culturais no conjunto da economia é a dinâmica com que este segmento vem operando: o setor tem movimentado um volume anual crescente de recursos no comércio internacional, passando de 95,3 bilhões de dólares em 1980 para 387,9 bilhões de dólares no ano de 1998, segundo dados da Unesco. Em 1996, os produtos culturais (filmes, música, programas de televisão, livros, revistas, espetáculos e software para computadores, dentre outros) tornaram-se, pela primeira vez na história, o maior produto de exportação norte-americano, ultrapassando todas as demais indústrias “tradicionais” (incluindo automóveis, agricultura e a indústria aeroespacial e de defesa).

De acordo com um relatório publicado em 1998 pela International Intellectual Property Alliance, entre os anos de 1977 e 1996, as indústrias culturais nos Estados Unidos cresceram três vezes mais rapidamente do que a média da economia, alcançando em 1996 o volume de 134 bilhões de dólares de atividades econômicas e 60,2 bilhões de dólares em exportações, gerando cerca de 5 milhões de empregos full-time. Mais: para cada dólar investido em artes, oito dólares retornam em atividades para o conjunto da economia.

Analisando as transformações na economia contemporânea, o pesquisador Vincent Cable destaca:

“Hollywood e CNN são reconhecidamente nos dias atuais mais importantes em termos de comércio internacional do que a General Motors ou a United States Steel; a indústria britânica de música ‘exporta’ mais do que a indústria aeroespacial daquele país. Estes não são, prossegue Cable, frívolos factóides; eles ilustram uma nova dimensão da globalização que se impõe através do comércio: serviços comercializáveis que podem moldar valores culturais e prover informações por meio de notícias, entretenimento e campanhas publicitárias, e que perpassam o coração do senso de identidade das nações”. (Cable, 1995:34)

Isso porque as atividades culturais se encontram no epicentro da chamada “economia das idéias” ou “economia do conhecimento”, e integram, deste modo, o segmento mais dinâmico e atrativo da economia contemporânea. Nesta nova fase da economia mundial, o que está – e estará – cada vez mais no centro das disputas competitivas são idéias, conceitos e valores, e não meramente os produtos tangíveis como tradicionalmente os conhecemos. Diferentemente da economia calcada em objetos concretos sujeitos a retornos estáticos ou declinantes, a “economia das idéias” alimenta-se da criatividade humana e da sua transformação em bens e serviços em constante recriação.

Nossos esforços têm sido no sentido de convidarmos a sociedade brasileira a esta reflexão. Busca-se compartilhar experiências, inteligências, responsabilidades e riscos.

A expectativa maior é que este Fórum seja uma importante instância de formulação e execução compartilhada de políticas públicas de cultura, uma instancia com características especificas e ao mesmo tempo similares ao já praticado pelo Comitê de Patrocínio das Empresas Estatais, coordenado pela SECOM.

Cabe um parênteses para informar que o Roberto Nascimento que coordena o Comitê das Estatais encontra-se aqui presente e disposto a compartilhar a experiência já acumulada junto às estatais.

Portanto, como dizia, trata-se de consolidarmos uma instância para a formação de entendimentos, para a formulação de conceitos e de programas, para o compartilhamento de experiências, enfim, onde a noção republicana de política pública, daquilo que ultrapassa a esfera estatal e a privada, se consolide, floresça, frutifique. Este é o convite. A agenda é extensa: temos o Plano Nacional de Cultura, as políticas de investimento na inclusão social pela cultura, a consolidação de conteúdos audiovisuais de qualidade, a execução de uma política contundente de livro e leitura, uma política de inovação, dentre outras.

O Ministério da Cultura apóia com destacado interesse a consolidação deste espaço, na expectativa de que consigamos construir um debate franco, aberto, sincero, à altura dos desafios do Brasil. Estamos, aqui, fazendo história. Meus cumprimentos a todos os parceiros desta iniciativa. Os investidores privados merecem, a cultura merece, o Brasil merece.

s://www.cultura.gov.br/site/2007/04/23/mensagem-de-saudacao-do-ministro-gilberto-gil-no-lancamento-do-forum-de-investidores-privados-em-cultura/


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

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