Considero pessoalmente as leis de incentivo um mal necessário para a criação de bases sólidas de financiamento e de consumo da produção cultural num país tão desigual como o nosso e no qual a atividade cultural foi quase sempre considerada ao longo da história como algo supérfluo e/ou beneficente.
Elas, isoladamente, descontextualidades de uma política cultural ampla e democrática, podem muitas vezes estimular vícios e anomalias que acabam por ampliar aquele painel infame de uso indevido e/ou suspeito de recursos públicos. É preciso, portanto, fomentar a sustentabilidade de produtores artísticos independentes; criar estratégias para a formação de público para as produções nacionais; apoiar a organização de grupos artísticos estáveis; garantir a viabilidade e a veiculação do cinema nacional através de acordos com as redes de cinema e de TVs; promover o acesso aos bens culturais e à sua respectiva produção; valorizar os agentes culturais e as identidades culturais locais; difundir o papel de relevo da atividade cultural no desenvolvimento econômico sustentável e criar estratégias para a regionalização da produção e da veiculação do produto cultural, entre outras coisas. Além disso, ampliar as formas de financiamento da produção cultural através de linhas de crédito, investimentos privados diretos e fundos de cultura. Desse modo, a cultura poderá de fato desempenhar o papel fundamental que lhe cabe como parte integrante do desenvolvimento econômico e social deste país continental, caracterizado por uma diversidade cultural quase única no planeta.
Como sabemos – no caso da Lei Rouanet – quaisquer pessoas físicas com atuação comprovada na área cultural, pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos e entidades diversas de natureza cultural (ONGs, OSCIPs, associações, museus, bibliotecas, arquivos, cooperativas etc), têm o direito de encaminhar projetos para obter recursos financeiros através de incentivos fiscais. Isso vale também para uma igreja tombada como patrimônio histórico e de real importância na vida de uma comunidade que necessite ser restaurada, por exemplo.
Portanto não há nenhuma razão objetiva para se elaborar um projeto de lei visando explicitamente a inclusão de igrejas ou templos ou escolas ou creches ou salões de beleza ou clubes de futebol ou qualquer outro estabelecimento de prestação de serviços públicos, utilizando o argumento de que sejam a expressão da formação sincrética de nossa cultura. Soa algo particularista e interesseiro, que parece querer se utilizar da credulidade e da fé da maior parte da população brasileira almejando benefícios próprios.
A Lei Rouanet precisa sim de aperfeiçoamentos, mas de outra ordem, tais como regras mais democráticas e abrangentes na liberação de seus recursos, eliminando cada vez mais distorções em benefício de uma produção cultural mais ampla e diversificada com amplo acesso dos pequenos realizadores e priorizando o agente cultural independente.
Neste contexto, um senador da república deveria ter enfim preocupações mais abrangentes e plurais, voltadas para o desenvolvimento cultural do país, e não defender interesses pessoais travestidos de benfeitoria pública.
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