O que significa produzir arte e cultura de maneira independente, num mundo tomado pela influência dos grandes conglomerados? Para um número cada vez maior de artistas-empreendedores, produzir sua obra fora da sombra das grandes marcas, do poder financeiro e dos governos, é questão de sobrevivência ética.

Estamos em meio a um processo de discussão de dois instrumentos importantíssimos que, se aprovados, darão respiro à produção independente no Brasil. O primeiro é a PLC 116, que garante espaço nas tevês para produtores audiovisuais independentes. O outro é o Procultura, que determina um percentual específico do investimento para a produção independente. Com isso, as grandes corporações até poderão investir em seus institutos e fundações, bem como em projetos do mainstream, mas terão de destinar uma parte do bolo aos independentes.

Esses dois dispositivos teriam a capacidade de alterar a realidade de quem luta por espaço num mercado cada vez mais estrangulado pela força dos grandes. Mas abre um debate importantíssimo sobre a definição de produção independente. E é justamente esse debate que pretendo pautar.

Não existe resposta fácil para essa pergunta. Em tese, produtor independente é aquele empreendimento desatrelado de conglomerados de mídia e entretenimento, capazes de potencializar sua performance empresarial por força e poder do grupo a que pertence. Um bom exemplo disso é a Globo Filmes, que não gozaria da posição privilegiada no mercado, não fosse o poder da Globo, com suas TVs, rádios, jornais e revistas, oligarquias regionais, Congresso Nacional.

Não podemos considerar empresas conduzidas por diretores desses grandes conglomerados como empresas independentes, se a fonte de recursos que as mantém são provenientes de grupos empresariais. O mesmo podemos dizer de institutos e fundações ligadas a empresas. Sua subordinação à corporação já determina seu caráter não-independente. Órgãos públicos e de economia mista, obviamente são inclassificáveis como independentes (não se espante se ouvir alguém defender o contrário).

Mas a discussão não se encerra. O que podemos dizer de um coletivo de arte, uma cooperativa, um ponto de cultura, ou um grupo que mantém sua atividade exclusivamente com dinheiro público? É possível classificar como independente um empreendimento cujas contas são pagas exclusiva ou quase exclusivamente pelo governo? O tamanho do empreendimento, seu volume de faturamento, são determinantes nessa classificação?

Independência significa liberdade de criar, propor ações, conduzir processos, sem estar subordinado a agendas pré-determinadas por investidores, patrocinadores e editais. Isso só é possível com uma variedade de fontes que garanta diálogo com diversas esferas da sociedade e sistemas de poder.

 


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

14Comentários

  • Minom Pinho, 9 de agosto de 2011 @ 19:02 Reply

    Oi Léo,

    Muito boa a provocação. Para esquentar o debate:
    Qual o limite para a independência? O ápice da independencia é ausencia de diálogo e colaboração? Interdependencia é um caminho? Ou não?

  • Marino Galvão Jr, 9 de agosto de 2011 @ 20:43 Reply

    Independência financeira não pode ser comparada com independência artística ou criativa. Dependente do dinheiro público ou privado a arte sempre será. Caso contrário vira indústria. Mas que tal se a fórmula fosse: 35% de financiamento público direto, 35% de financiamento privado (ou financiamento público indireto) e 30% da venda do próprio produto cultural e de outras fontes alternativas? Independência artística ou criativa é razão de ser da arte. Mas ser independente significa gozar também de um público consumidor de sua arte. É muito fácil ser independente e produzir algo que não interessa para absolutamente ninguém.

  • Zezito de Oliveira, 10 de agosto de 2011 @ 6:22 Reply

    Quem nunca recorreu ou recorre ao Estado, inclusive os conglomerados, que atire a primeira pedra.
    O problema é ficar viciado, Aí é que não dá!

  • Eduardo, 10 de agosto de 2011 @ 6:59 Reply

    Independencia é um assunto extremamente polemico. Sempre que um artista depender de incentivos publico ou privado será obrigado a passar por um caminho extremamente burocrativo, ainda mais falando do publico. Será que esse artista estará apto para responder a todos os processos que será exigido? Ou ainda irá depender de consultores, advogados e administradores?

  • claudio, 10 de agosto de 2011 @ 10:30 Reply

    Enquanto nos anos 80, se discutia muito mais o conteudo do produto cultural, agora se discute mais a legalidade, as leis, o patrocinio, os editais … e, por isto, as vezes, pela sobrevivência do trabalhador cultural, a legalidade antecede a importância do contéudo…talvez a ética , ou a falta dela, esteja no fato de nos preocuparmos menos com o conteúdo do que e para quem produzimos, ou não como diria caetano….parabens pela reflexão

  • michele parodi, 10 de agosto de 2011 @ 11:48 Reply

    lembro que quem trabalha para o mercado è dependente do mercado e da sua lógica. Uma dependência que as vezes passa não percebida, mas que age na maneira mais profunda. A concorrência empurra os produtores na direção de agradecer e seduzir um publico, que seduzido, num circulo vicioso, muda seu próprios gostos e preferências numa deriva que passo passo empurra a cultura sempre mais no lado do espetacular e da fascinação imediata e descomprometida.

  • Claudia, 10 de agosto de 2011 @ 12:44 Reply

    Leo, adorei a discussão. Me parece dificil grupos, cooperativas, etc 100% financiadas com recurso público serem considerados independentes. Por outro lado há um ponto importante a ser aferido ai, muitas vezes a perenidade e a continuidade de financiamento pode indicar amadurecimento, crescimento e inovação dos grupos e cias que conseguem ter parceiros perenes. É importante tb pensarmos sobre as formas de manutenção desses diversos agentes culturais – sejam mais ou menos independentes. Independencia significa autosustentabilidade? Quão importante é a sustentebilidade no seguinte (entre outros) de continuidade para a criação de um ambiente efetivo de criação e produção cultural?

  • Ricardo V. Barradas, 10 de agosto de 2011 @ 13:22 Reply

    Uma boa reflexão e provocação, meu caro Brant.
    Produzir arte e cultural de forma independente não é fácil neste país. Imagine o quanto se torna duplamente difícil quando acrescentamos a estas produções aditivos como educação e patriotismo.A menos de um mês da Semana da Pátria, com sua abertura oficial em todo país e particularmente na cidade do Rio de Janeiro, que ocorrerá no dia 1 de Setembro em festividade solene no Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, as 08:00 hs da manhã organizada pela Diretoria do Estado do Rio de Janeiro, presidência e diretoria cultural da LIGA DA DEFESA NACIONAL podemos falar com alguma patente sobre produção independente e principalmente de estar sempre na contra mão da produção, bem longe dos interesses econômicos e finaceiros dos conglomerados poderosos.
    Afinal este ano à nossa querida LIGA DA DEFESA NACIONAL, ainda muito desconhecida por muitos brasileiros que empreendem arte, cultura e educação no país, faz 95 anos de Brasil, uma tradicional entidade cívico cultural fundada em 1916, que tem sido a guardiã do amor pela pátria no exercício da liberdade cívica e cultural, nas manifestações de cidadania.
    Confesso particulamente e colegiadamente que produzir eventos artisticos cuturais cívicos e patrióticos fortalecendo a soberania e a identidade nacional não é nada fácil,até por que pouco sobre isto se vê nas grandes mídias mas fazemos com o vigor da luta bem mais que pela questão de sobrevivência ética independente, fazemos sim por amor ao Brasil, pelo lugar que nascemos ou escolhemos para viver e sentimos cada vez mais felizes por ter sido cada um de nós os escolhidos para desempenhar da sua forma está função dentro do verdadeiro sonho da unidade nacional.

    ” Tudo pelo Brasil ” Olavo Bilac.

    Ricardo Vianna Barradas
    Diretor Cultural
    Diretoria do Estado do Rio de Janeiro
    LIGA DA DEFESA NACIONAL
    Brasil.

  • Pyter, 10 de agosto de 2011 @ 15:32 Reply

    Independente seria a Cocacola que não precisa mais de botar seu nome como Patrocinador. Apenas apoia o Independente para que ele se sustente sem precisar consumir sua bebida.

  • Rudson Marcello, 10 de agosto de 2011 @ 17:01 Reply

    Entender o conceito de independente é muito difícil em um mercado(se é que isso existe) cultural definhante.
    As contas não fecham para ambos os lados: mainstream e independentes.Mas o montande de lucro que o mainstream trabalha é diferente do montante que nós os INDEPENTENTES trabalhamos.
    Esse conceito, à partir do lucro obtido e cachês pagos, não são suficientes para determinar o que é livre para criar em nosso Brasil.
    Dificilmente um artista neste país consegue ter suficiente possibilidade para conseguir criar, atrela-se a um mercado consumidor que busca entreterimento fácil(stand up´s, comédias rasteiras e musicais americanos), ou a um emergente(ainda) mercado de atendimento social.Claro que não falamos de grupos de merecida competência na formação de público, caso do Pombas Urbanas, do Tá na Rua e tantos outros exemplos.
    Porém não se faz arte independente cumprindo exemplos que só fazem entender um passado próximo.Desatrelar-se do Estado e das empresas e seus departamentos de Marketing, é um sonho possível, mas que depende de um investimento direto dos grupos artísticos, com capital de giro e entendimento da criação desse novo mercado.
    Talvez, funcione quase como uma nova empresa, responsável por fazer chegar seu produto alternativo ao mercado consumidor, para logo em seguida retirar-se da independencia e tornar-se produto.
    O caso é como criar essa nova necessidade, como fazer com que o público ávido pelo entreterimento barato(que na verdade é muito caro), desenvolva seu olhar para questões mais complexas da arte.
    É retirar o exótico da questão artística independente e torná-la uma verdade na realidade da sociedade, sem esqueçer, óbviamente, que a categoria de produto virá atrelada e se quiser continuar tornando-se independente terá que abrir mão do público conquistado para desenvolver novos e livres vôos.

  • Tito, 12 de agosto de 2011 @ 8:00 Reply

    Oi Léo, esses instrumentos são importantes, porém o Brasil vive um terrível problema de cronograma político, assim como acontece com a LDA, SNC, PNC, nova rouanet e outros, ficamos anos esperando a tramitação no governo, a nova rouanet por exemplo foi citada no discurso de posse do Gil, lembra? e quando são aprovados a demanda ja mudou ou melhor surgiram outras demandas, outros cenários. A política precisa de um upgrade, talvez se inspirar no movimento do software quando criou a metodologia Ágil ou até mesmo no movimento de business quando criou a metolodogia lean startup, precisamos ser lean e ágeis.

  • Marcos, 14 de agosto de 2011 @ 12:38 Reply

    Bem, o uso das palavras… precisamos lavá-las uma e outra vez. A palavra ‘Independente’ é relativa a algo. Ninguém é realmente independente, portanto estamos falando de um certo modo de produção, um certo tipo de trabalho que se apoia na pesquisa de linguagem, na producão de conhecimento e pensamento (mesmo e sobretudo a partir de uma prática artística) e se coloca de forma ‘independente’ aos impulsos do mercado. Algumas considerações: 1. no Brasil as montadoras de carros que faturam milhões recebem subsídios do governo (DINHEIRO PUBLICO); idem para os bancos, os maiores donos do planeta (que gritam ferozmente a cada vez que não se sobem os juros como o ‘mercado financeiro’ deseja e são capazes de influenciar – e determinar as políticas – a toda a governança global); por que há sempre um rigor maior sobre os artistas e sua necessidade de recursos públicos para realizar seu trabalho? 2. Na area da dança usávamos o termo “dança independente” para aqueles artistas e companhias que ‘batalhavam’ seus meios de existência, criavam seu próprio trabalho, muitas vezes com os resultados estéticos estabelecendo novas modos de producão e vice-versa, resultados que surgiam da forma de se fazer (inclusive a partir da precariedade). Hoje em dia já não usamos este termo, pois ele não dá conta da discussão. É um território arriscado definir isto e ainda mais no Brasil, onde a despeito de todo o blá blá blá de gestores públicos, descobrem-se incríveis projetos aprovados pelo Fundo Nacional de Cultura por meio de convênios no mínimo estranhos apesar de haver critérios eatabelecidos que contradizem aquele tipo de projeto. Ou seja, acontece pela pressão politica, ou jeitinho, para os íntimos. Como acontecerá a partir da nova lei, se for aprovada?

  • mauricio tagliari, 15 de agosto de 2011 @ 15:16 Reply

    concordo com o marcos em muita coisa.
    mas acho muito difícil considerar independente quem recebe dinheiro público ou de multinacional.
    mesmo se for ligado a grupos de comunicação nacionais a coisa é complicada.
    fomento a setores, apoio/isenção tributária, política de formação de público, política cultural nacional, entre outras coisas são algumas das formas de ajudar o artista a existir sem depender de mecanismos pouco transparentes dos editais/incentivos. mas o debate é aberto.

  • Alê Barreto, 17 de agosto de 2011 @ 12:36 Reply

    Olá Leonardo e colegas do debate:

    Cheguei um pouquinho atrasado! O Leonardo mandou uma direct message via tweeter para mim dia 10/08 e só agora consegui ler com atenção o texto “independência ou morte”.

    Acho que o conceito de “independente”, nos dias de hoje, é muito atrelado as noções de interdependência e complexidade. Fica difícil enxergar o contorno dos limites (se é que existem…) entre o que se pode chamar de independente e o que não é independente.

    Ao ler você falar “(…) Em tese, produtor independente é aquele empreendimento desatrelado de conglomerados de mídia e entretenimento, capazes de potencializar sua performance empresarial por força e poder do grupo a que pertence”, não entendo como “blindar” isso da aproximação de empresas, orgãos públicos, ONGs e pessoas físicas. Qualquer interação que você faça, acontece próximo a estes quatro grupos.

    O que é estar desatrelado de conglomerados de mídia e entretenimento? É não participar das redes de TV, rádio e jornal tradicionais? Mas o Google, o Twitter, o Facebook, o MySpace, o Youtube, que os independentes adoram, são conglomerados tão potentes quanto as redes que você cita.

    Acho que independência é um processo. Partimos de um ponto rumo à evolução deste patamar. Similar ao desenvolvimento humano: nascemos completamente dependentes e vamos aos poucos ficando independentes. Nem todos seguem este caminho.

    Concordo com você em um aspecto que pouca gente fala no Brasil. Utilizando discursos e retórica impecável com as tags “liberdade”, “juventude”, “coletivo”, “circuito alternativo”, “inclusão” e até (pasmem) “economia solidária”, muitas pessoas vem se especializando em garantir o sustento de atividades privadas com orçamento público. Muitos festivais e eventos estão funcionando assim.

    Pra mim, quem vive só de orçamento público, além de não ser independente, está criando uma espécie de “bolha” no mercado cultural brasileiro. As pessoas ficam com a falsa noção de que “está tudo bem”, mas no momento que o recurso público for interrompido, a atividade será interrompida também de forma abrupta, prejudicando toda a cadeia produtiva da economia criativa envolvida.

    Gosto também de pensar que independência é liberdade de ação. Seja para criar, seja para escolher “como” realizar.

    Por isso apoio muito atividades de capacitação. Com discernimento, as pessoas podem construir um modo de vida independente, que tornará mais viável produzir arte, comunicação, cultura e entretenimento de forma diversa, para os mais variados gostos.

    Muito saudável poder falar disso. Parabéns pela provocação!
    Aprendo muito com você.

    Um abraço!

    Alê Barreto

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