A revista Interesse Nacional registra uma interessante discussão acerca do projeto que acaba com a Lei Rouanet e cria o Profic. Com artigo intitulado “Mau Projeto de Reforma da Lei Rouanet”, o secretário do Estado de SP afirma que “cultura e arte podem ameaçar o poder”. Juca Ferreira defende a proposta do governo com “Dirigismo, não; democratização, sim”.
Recomendo a leitura da íntegra, disponível no site da revista. O debate podemos promover lá e cá. Por isso, deixo minha opinião sobre o que li, o que pode ser um bom ponto de partida para a discussão.
Não há nada de novo nos dois artigos. Já discutimos cada ponto de maneira entusiástica e até desgante. Temos, no entanto – e não menos importante, a consolidação dos discursos que pontuaram a discussão desde que o ministro passou a combater publicamente os utilizadores da Lei, por meio de artigos, publicidade, palestras e mídia governamental.
João Sayad sai em defesa não só da Lei, mas também de todo um mercado que depende e se utiliza, de maneira decente, o mecanismo. Isso faz-se necessário, já que os argumentos do ministro apontam para a execração pública de um mecanismo imperfeito, mas que ainda demonstra vitalidade (para não dizer centralidade) no cenário do financiamento à cultura. E destrói, ponto a ponto, a estratégia do governo e o projeto de criação do Profic.
Vale ressaltar que o secretário não se opõe ao ministro em relação aos pontos que motivaram a mudança da lei. Em alguns momentos os textos parecem se coadunar e se complementar em termos de visão de mundo. O secretário foca seu artigo no texto da lei, no ataque explícito às suas fragilidades e oportunismos, apontando inclusive as discrepâncias flagrantes entre o discurso do ministro e a proposta apresentada à sociedade.
Já o texto do ministro traz uma série de argumentos necessários à compreensão da importância estratégica da cultura. Concordo com 90% do texto do ministro. Estamos de acordo com o diagnóstico da doença, mas não sobre a sua causa.
O ministro quer nos fazer acreditar que a Lei Rouanet e seus usuários são os principais causadores das discrepâncias e incongruências da nossa política cultural e defende implicitamente o fim do mecanismo. Isso se confirma no projeto de Lei, que tira o mecanismo de circulação para criar outro, mais frágil que o primeiro.
Não estamos falando de algo perfeito, ou com pequenas falhas. A Lei Rouanet tornou-se um dos assuntos mais complexos e delicados da nossa política cultural. Não só por mexer com interesses daqui e dali, mas também por isso.
A Lei Rouanet contaminou toda uma lógica de desenvolvimento da atividade cultural, da pesquisa à criação, da produção à circulação, da comercialização à licença e propriedade dos ativos gerados pela Lei.
Seria bom poder voltar atrás e não permitir que esse mecanismo se fortalecesse dessa maneira em nossa sociedade, com efeitos no mínimo perigosos para toda a nossa produção cultural. Está certo, teríamos mesmo que inverter essa lógica. Mas não é isso que está em discussão, o que é uma pena.
O que se pretende é dissimular um problema, colocando outro no lugar. E esse outro é o mercado. Essa contraposição entre governo e mercado ou é muito ingênua (como defende Sayad) ou é mal-intencionada, como muitos opositores do governo querem fazer crer. Eu, inclusive, que não sou opositor do governo (pelo contrário, sempre apoiei de maneira clara e direta a Política Gil), me cansei de levantar essa lebre e ainda não estou convencido do contrário (o artigo principal desta edição explica o porquê).
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