Não sei o que vem por aí ou mesmo se vem, mas, em todo o caso… Mudanças da lei?
É bom que se diga alto e em bom som que, se a lei continuar como está, a arte estará sempre errada e o artista terá sempre que subir, de joelhos e de pires na mão, os 365 degraus da Igreja da Penha para pagar penitência.
Na verdade, fui alertado aqui mesmo por algumas pessoas sobre uma coisa que eu não havia percebido. Que a Lei Rouanet é feita para o empresário que, por sua vez, pode quebrar o nosso galho, isso, quando estiver de bom humor e o seu time tiver vencido. Não é uma maravilha? Sugiro, inclusive, que se não mudar muita coisa na estrutura da lei, ou se mantiver como está, que adote o nome de, “lei do saci de duas pernas”. Estamos mesmo acostumados a encarar um sacizão desse todos os dias, um a mais, um a menos, não fará qualquer diferença e ainda servirá de parafuso da engrenagem institucional de banco. O engraçado é que esse estalo me deu enquanto estava, quase quatro horas em uma fila de banco, um retiro espiritual.
A fila de um banco não é coisa pra qualquer um, o sujeito tem que ser graduado em monge, mesmo que seja um Rasputin Barba Vermelha, e começar a viver a intimidade com todo aquele mecanismo, já que não existe mais gerente em bancos. Tudo depende do sistema, e logicamente o sistema dará aquele abração de afogado na cultura brasileira.
Eu, particularmente, acho mais lucrativo, no meu caso, como músico, ir para um banco de praça, abrir o meu estojo, pegar meu instrumento e começar a tocar, permitindo que a rapaziada do bonde transeunte jogue “um troco qualquer” que, no final do dia, dê para comprar dois pirulitos e uma mariola. Acho isso mais sensato e prudente, quem sabe assim não vou construindo o meu público. Só sei que, com essa revelação espiritual de que a lei é para atender, não a arte, mas sim à empresa, sinto-me hoje numa realidade de quarta-feira de cinzas depois de me embebedar com chá de boldo.
Imaginem meus amigos, nessa terra de doutores, onde as sabedorias seletivas estão associadas às classes dominantes, a nobreza dos pensamentos, dos sons, das artes plásticas, das palavras, das expressões corporais, visuais, está com abrigo garantido nos templos de outrora e, dependendo, até mesmo a filantropia marqueteira de dar esmolas aos sábados, como manda a nossa tradição comercial. “Aí é meio muito pra mim”. Tenho mesmo que pegar o meu cavaco e cantar como Clementina, “ah me dá meu boné que eu já vou embora, ah me dá meu boné brincadeira tem hora”.
Jorge Caldeira tem toda razão quando diz que Mauá não serve como exemplo para o empresariado brasileiro por ser ele um grande empreendedor, principalmente nas estruturas de base. Os empresários brasileiros são, na realidade, negociantes, aspirantes a banqueiros que trabalham o conceito de agiotagem público privada, pois jamais tirarão dinheiro do bolso para investir em cultura, ao contrário e como sempre, usarão recursos públicos para o benefício privado, pior, de forma discricionária, na ampliação de seus ganhos. Somente isso, mais nada. Não querem investimento em absolutamente nenhuma área que por direito é da sociedade que paga seus impostos para investimento em infra-estrutura de seus negócios. Isso é tradição que vem desde as sesmarias. Para esse empresariado brasileiro, melhor dizendo, negociantes, o Brasil ainda é uma capitania hereditária. Esse placebo, difícil de engolir, é um derivado das múltiplas ações do mesmo remédio que chega ao povo em forma de supositório. O princípio ativo que nos é oferecido para essa introspecção que vem com o nomezinho de cibalena, é na verdade “DIMETILAMINOFENILDIMETILPIRAZOLONA”. Isso sim é um nome perfeito para o que vem depois.
Faço minhas as palavras de Leonardo Brant, ditas aqui mesmo nesta tribuna Cultura e Mercado.
“Não somos, e não queremos ser, isentos. Tudo o que escrevemos traz a carga emocional, ideológica e a experiência de vida de cada um. O importe é poder declarar isso. Não temos medo de corrigir nossos medos e equívocos, pedir desculpas por palavras mal-colocadas, contradizer o que acabamos de afirmar. A verdade absoluta é uma busca que exige humildade, obstinação e compreensão da própria fragilidade humana”. (Leonardo Brant).
E defendo, além da economia sustentável da cultura, a parcialidade em prol da arte e do artista e não a do empresário como é o caso da Lei Rouanet hoje. Defendo a cultura construída por uma teia de muitas mãos, independente do Estado e da agiotagem empresarial. E, se a Lei Rouanet é feita para o empresariado, como de fato, que o artista busque na sociedade, mas na sociedade mesmo, nas ruas, não na que se declara representante do povo, sem voto e sem procuração, é melhor que voltemos ao diálogo com os Zes, Tonhos, Silvas, pois, se essa gente construiu este país que hoje resiste até mesmo a uma crise mundial, que muitos não acreditavam ser possível, este povo que também somos, com certeza encontrará soluções viáveis para dignificar a arte e o artista brasileiros. Aliás, o povo brasileiro sempre foi, na essência, o criador e o sustentador de toda a dinâmica cultural deste país, inclusive para sobreviver cotidianamente, cada vez mais esmagado pela tirania do neoliberalismo que, espero eu, esteja com os dias contados.
Assim como está, acabamos usados por toda essa sórdida máquina, como bem disse Villa Lobos:
“Ainda vivemos como nos séculos XVI e XVII, considerando a música um passatempo de moda entre os senhores feudais, (hoje o é entre os burgueses) e o artista, com raras exceções, um galante e privilegiado escravo dos senhores porque escreve ou executa notas musicais”.
Proponho, por uma questão de dignificação e, sobretudo pela ética artística, que o artista brasileiro assuma uma postura de esvaziamento da política da Lei Rouanet que é a lei do empresariado brasileiro. E que jamais esqueça, “o último a sair que apague a luz!”
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