Foto: Bruno Farias
Todos temos acompanhado a polêmica gerada em torno do projeto de lei, submetido à consulta pública pelo Ministério da Cultura, de alteração do sistema de financiamento à cultura em âmbito federal. Inicialmente restrito aos agentes do setor (produtores, gestores públicos, empresas patrocinadoras), o debate ampliou-se para a sociedade como um todo, foi exposto pelos grandes veículos de mídia, enfim, adquiriu o tamanho e importância que o tema requer. Afinal, estamos falando da cultura brasileira, verdadeiro patrimônio nacional, fundamental para a consolidação de nossa identidade como povo e para o nosso reconhecimento dentre os diversos povos que habitam o planeta Terra.

Não há dúvidas de que debater “cultura”, e seu sistema de financiamento, é importante. Sempre. Apesar da globalização da cultura; apesar da crise financeira internacional; apesar, sobretudo, da vontade deste ou daquele setor, ou do governante de plantão.

O que tem preocupado a grande maioria dos observadores, no entanto, não é a existência do debate em si, mas a enorme distância entre o discurso adotado pelo Ministério e o conteúdo do projeto de lei que submeteu à consulta pública. A questão é que o fato (projeto de lei) insiste em desmentir o discurso.

Sim, pois o discurso sai em defesa da adoção de critérios públicos na destinação dos recursos de renúncia fiscal vertidos pela Lei Rouanet; pretende valorizar o artista e as manifestações culturais, em detrimento do ‘marketing’ e dos grandes produtores; busca tornar equânime a distribuição dos recursos disponíveis a todas as regiões do País. Sem entrar no mérito da validade ou não do diagnóstico feito pelo Ministério, ou dos argumentos por ele levantados, o ponto é um só: o projeto de lei elaborado pelo Ministério não apresenta solução para qualquer destas questões, e em alguns casos vai em sentido totalmente oposto ao discurso adotado.

É o caso, por exemplo, da questão dos critérios para a destinação dos recursos da Lei Rouanet. Embora seja questão onipresente na retórica ministerial, o projeto de lei não estabelece qualquer critério, ao contrário: deixa a definição de todos os critérios para o próprio poder executivo, e ainda permite expressamente que tais critérios extrapolem uma análise estritamente técnica e representem uma análise do “mérito”, ou validade, cultural desta ou daquela manifestação artística.

O mesmo ocorre em relação ao argumento da valorização dos artistas e das manifestações culturais: em sentido oposto ao do discurso, o projeto de lei acaba na prática com os direitos autorais existentes sobre o produto resultante dos projetos financiados com recursos públicos (músicas, peças teatrais, livros), em nítida desvalorização do produto do trabalho artístico e da principal fonte de renda de escritores, compositores, roteiristas, e todos aqueles que vivem do fazer artístico.

Por fim, a questão da desigualdade regional na destinação dos recursos para o financiamento cultural. Enquanto o discurso inflamado do Ministério insiste em colocar a região sudeste contra o restante do País, induzindo ao entendimento de que o dinheiro disponível no sudeste poderia ser aplicado em outras regiões, o projeto de lei (assim como o próprio Ministério) não explica uma questão básica: como fazer com que a modificação de um mecanismo baseado na renúncia fiscal (atrelado, portanto, à existência de empresas contribuintes de impostos) aumente os recursos disponíveis para investimento em regiões onde não há volume equivalente de empresas e de recolhimento de impostos?

Embora no discurso do Ministério a modificação do assim chamado “incentivo fiscal” resulte imediatamente na disponibilização de milhões de reais para regiões carentes de recursos, qualquer pessoa minimamente informada sobre finanças públicas sabe que as coisas não funcionam assim. Não é possível transformar renúncia fiscal em fundos públicos, e por isso é  fundamental que o Ministério da Cultura explique de uma vez por todas de onde virá todo o dinheiro necessário para a pretendida “revolução cultural”.

A desconfiança do setor cultural, e da própria sociedade, com o projeto de lei apresentado vem justamente das incoerências apontadas acima. E perdurará até que o discurso seja condizente com o fato.


3Comentários

  • Kátia de Marco, 17 de abril de 2009 @ 21:11 Reply

    Oi, José Maurício.

    Achei suas colocações ponderadas e compartilho preocupações semelhantes com as suas.

    Em especial, algumas das questões que você coloca, têm provocado um grande mal estar nos segmentos profissionais das áreas culturais
    “pós-rouanet”: a falta de definição dos critérios meritórios, das alocações dos percentuais de renúncia e na seleção e composição dos quadros da nova CNIC apoderada.

    Concordo com você, postergar as responsabilidades de especificar e detalhar os itens acima para o poder executivo e para o staff governamental, gera uma insegurança e tanto!

    Kátia

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 17 de abril de 2009 @ 23:17 Reply

    José Maurício
    O problema é que a Lei Rouanet pariu um monstro de muitas cabeças, pois ela é filha de uma prática vil de meia dúzia de espertos que, de olho na grana, propuziram um documento, abrigo vip cinco estrelas para o papado das catedrais da paulista, leia-se, FIESP e FEBRABAN. E isso nada tem a ver com o Ministério da Cultura. O que você coloca é uma retórica que tilinta sinos dos mosteiros dos monges ricos.

    A Lei Rouanet é um “estrondoso retrocesso” para a vida cultural deste país, relativo a 180 anos de marcha à ré no sentido da escravocrata oligarquia cafeeira.

    Tanto isso é verdade que você inicia a sua fala da seguinte forma:
    “Inicialmente restrito aos agentes do setor (produtores, gestores públicos, empresas patrocinadoras”.

    Você simplesmente não menciona os artistas, apesar de lembrar-se depois que a arte é o mote, e aí busca abrigo na relevância cultural do país.

    Ninguém pensou nisso, só se falou em liberdade para a gastança, e que a libertinagem universalista era o avanço dos futurólogos do “TUDO VALE A PENA SE A GRANA NÃO FOR PEQUENA”. Então, a jogatina das irmandades siamesas e tragaram o ar puro e devolveram o que aos artistas brasileiros? Gás carbônico, e do mais espesso e escuro, saido da descarga dos subprodutos de uma política privatista dia-a-dia, hora a hora. Garantido pelos aportes contínuos, e por tempo indeterminado, das tetas da vaca gorda que é alimentada a pão-de-ló pelos impostos fresquinhos e transparentes saidos da fonte direto para as coberturas. E os artistas? Estes lambem os beiços secos de tanto suar para tentar sobreviver com um mínimo de dignidade.

    O que hoje é apresentado como contrapartida são pedaços, cacos de vidro de garrafas de wisk 12 anos que sobraram do porre de ontem bancado pela sociedade em nome pátrio da cultura nacional.

    A grande revolução cultural hoje no Brasil é conseguir distanciar a sua cultura das garras do sistema financeiro internacional e das grandes corporações empresariais carregadas de práticas pouco republicanas. Se isso acontecer, o resto se resolve.

    Fique tranquilo, pois a cultura brasileira historicamente sempre dá um jeito de sobreviver, com ou sem grana. Pode dormir em paz que os tambores brasileiros continuarão soando forte como sempre.

  • Carlos Henrique Machado freitas, 18 de abril de 2009 @ 0:55 Reply

    José Maurício
    O problema é que a Lei Rouanet pariu um monstro de muitas cabeças, pois ela é filha de uma prática vil de meia dúzia de espertos que, de olho na grana, propuziram um documento, abrigo vip cinco estrelas para o papado das catedrais da paulista, leia-se, FIESP e FEBRABAN. E isso nada tem a ver com o Ministério da Cultura. O que você coloca é uma retórica que tilinta sinos dos mosteiros dos monges ricos.
    A Lei Rouanet é um “estrondoso retrocesso” para a vida cultural deste país, relativo a 180 anos de marcha à ré no sentido da escravocrata oligarquia cafeeira.
    Tanto isso é verdade que você inicia a sua fala da seguinte forma:
    “Inicialmente restrito aos agentes do setor (produtores, gestores públicos, empresas patrocinadoras”.
    Você simplesmente não menciona os artistas, apesar de lembrar-se depois que a arte é o mote, e aí busca abrigo na relevância cultural do país.
    Ninguém pensou nisso, só se falou em liberdade para a gastança, e que a libertinagem universalista era o avanço dos futurólogos do “TUDO VALE A PENA SE A GRANA NÃO FOR PEQUENA”. Então, a jogatina das irmandades siamesas e tragaram o ar puro e devolveram o que aos artistas brasileiros? Gás carbônico, e do mais espesso e escuro, saido da descarga dos subprodutos de uma política privatista dia-a-dia, hora a hora. Garantido pelos aportes contínuos, e por tempo indeterminado, das tetas da vaca gorda que é alimentada a pão-de-ló pelos impostos fresquinhos e transparentes saidos da fonte direto para as coberturas. E os artistas? Estes lambem os beiços secos de tanto suar para tentar sobreviver com um mínimo de dignidade.
    O que hoje é apresentado como contrapartida são pedaços, cacos de vidro de garrafas de wisk 12 anos que sobraram do porre de ontem bancado pela sociedade em nome pátrio da cultura nacional.
    A grande revolução cultural hoje no Brasil é conseguir distanciar a sua cultura das garras do sistema financeiro internacional e das grandes corporações empresariais carregadas de práticas pouco republicanas. Se isso acontecer, o resto se resolve.
    Fique tranquilo, pois a cultura brasileira historicamente sempre dá um jeito de sobreviver, com ou sem grana. Pode dormir em paz que os tambores brasileiros continuarão soando forte como sempre

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