Em 4 de outubro de 2007 foi lançado o programa Mais Cultura, com verba anunciada de R$ 4,7 bilhões até 2010 – uma média de R$ 1,5 por ano. A meta divulgada há um ano pelo presidente Lula era de abertura de 20 mil os Pontos de Cultura, além de implantar bibliotecas em 600 municípios. O presidente Lula caracterizou o programa à época como a “primeira política cultural do Brasil“. Um ano depois e apenas R$ 111,2 milhões investidos, já não sabemos se o programa está para mais ou para menos.

Em termos de gestão pública o programa é frágil. Suas metas e propósitos são constantemente alterados, seu discurso é difuso e adquire novos contornos a cada momento. Resultado: não sabemos aonde queremos chegar com o Mais Cultura: queremos universalizar serviços culturais; ampliar e consolidar o Cultura Viva como o grande programa deste ministério; criar uma Sistema Nacional de Cultura paralelo; ou nenhuma das anteriores?

A relação do Mais Cultura com o programa Cultura Viva é uma incógnita e parece ignorar que a mais inovadora de suas ações necessita urgentemente de gestão pública apropriada e eficaz. Não queremos desqualificar o trabalho conduzido até aqui por Célio Turino. Muito pelo contrário, reconhecemos seu esforço em buscar alternativas de gestão compartilhada para o programa, que é paradigmático e avançado, mas corre um sério risco de virar moeda política nas mãos de um governo em fim de gestão, com o difícil desafio de transformar aprovação em voto.

Pior do que isso, a nova estratégia do MinC, em vez de buscar um pacto federativo em torno das políticas públicas de cultura, como queria Márcio Meira, parece querer terceirizar o grave e aparentemente insolúvel problema de gestão pública do Cultura Viva para estados e municípios, eufóricos por solidarizar-se com seus pseudo-avanços. “O MinC criou esse monstro, não consegue mais domá-lo e agora quer jogar em nosso colo”, diz um secretário estadual de cultura.

Silvana Meireles é a coordenadora-executiva do programa e secretária de Articulação Institucional do MinC. Em recente entrevista à Agência Brasil, declarou que as metas “físicas” são ousadas “e dão outra escala ao trabalho do Ministério da Cultura”. Essas metas são: zerar o número de municípios sem biblioteca pública; chegar a 2010 com ter mais de três mil bibliotecas modernizadas; ter 3 mil pontos de cultura e 20 mil pontos de brincar, de memória, de exibição audiovisual, incluídos os pontinhos de cultura.

Uma profusão de novos projetos para uma minguada execução orcamentária.

Do orçamento de R$ 4,7 bilhões, R$ 2,2 bilhões são do governo e R$ 2,5 bilhões de parcerias com estatais, empresas privadas e estados – que não sabemos de onde vem, tampouco para onde vai. Até o final deste ano, apenas R$ 111,2 milhões serão efetivamente investidos, como aponta a matéria de Carlos Gustavo Yoda (leia também a matéria da semana passada). A assessoria de comunicação do MinC afirma que o valor corresponde a 65% do orçamento para 2008 e não menciona como se dará a participação de terceiros. Supomos que seja inexistente.

Em uma simples conta de padeiro, dividimos a parte governamental por três (2008, 09 e 10), chegando ao número de R$ 733 milhões por ano, mesmo sabendo que 2009 é o ano “da crise” e 2010 é ano eleitoral e encontrará restrições em investimentos dessa natureza. Se em 2008 o país fechará o programa com um déficit de R$ 622 milhões, precisamos saber como esse dinheiro será compensado.

Ao lançar o Mais Cultura o presidente Lula disse que o programa só sairia do papel se a sociedade cobrasse dele este compromisso. É é isso que faremos durante o recesso de Cultura e Mercado, que volta com novidades sobre as políticas culturais dia 12 de janeiro de 2009.

Desejamos a todos/as um ano novo com muito mais cultura!


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

4Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 23 de dezembro de 2008 @ 10:09 Reply

    Oi Leonardo
    É compreensível a sua preocupação, no entanto, acho que um dos grandes problemas que o MinC enfrentou e que fez com que caminhasse com passos de tartaruga, foi justamente o peso político que não tem e que deveria ter na política nacional. Isso ficou provado quando o MinC sequer foi citado na política de escandalização promovida pela grande mídia e oposição na tentativa de uma virada de mesa. Talvez, se o MinC tivesse sido fruto de ataques do arrastão da escandalização, as coisas tivessem caminhado mais rapidamente ou, pelo menos, com mais objetividade.

    A cultura brasileira está muito distante do ambiente político, está numa redoma que discute benefícios, mas não quer se estapear nas ruas e discutir as questões do país. Com isso, assistimos a essa perda de rumo de um ministério que, de certa forma, acompanha todo o ambiente cultural no Brasil excessivamente tecnocrata sem ser técnico, ampliando, cada vez mais, até por proteção, a sua burocracia. Assistimos cotidianamente as políticas de cultura, não só do MinC, mas também dos estados e municípios, como àquela famosa placa, “fiado só amanhã”.

    É bom mesmo que isso seja jogado na sociedade, meio na correira e bastante desordenado, mas, pelo menos, entra na pauta cotidiana da mesma que, mais próxima das questões culturais em seus estados e municípios, pode construir uma certa efervescência crítica a todo esse processo que, inclui, entre tantas coisas, o questionamento da participação dos estados na questão cultural, pois os mesmos conseguem ser, incrivelmente, piores que as secretarias municipais de culturais. No Rio de Janeiro, entre o cômico e o trágico caminham as políticas estaduais de cultura. Cômicas, geralmente são as suas metas. E trágico, é que elas, no dia seguinte, se suicidam.

    A grande problema em tudo isso, é que a cultura brasileira não pode mais viver num ambiente tão higienizado, tão alheio às questões centrais da política brasileira, pois, a meu ver, é nesse ambiente oculto que habita o pior dos males, o corpo técnico, público ou privado, que está hoje tocando as múltiplas receitas de cultura no Brasil. Muitos dos que aí estão são frutos de uma política de compadre, em empresas, municípios, estados e federação. Há um mundaréu de gente que faz da cultura um assento para o seu emprego, sem a menor idéia de que em que cumbuca ela não está colocando a mão. Por isso, essa total falta de compromisso, de responsabilidade, esse vento que não sopra, quando muito, sobe um bafo quente. Esse é o quadro dantesco da nossa cultura institucionalizada que vive de um cartel político não partidário, mas social, que quer distância das lutas corporais que a política nos cobra. Mais à esquerda, mais à direita, não importa, o que importa é que devemos fazer com que as políticas de cultura neste país se tornem realmente públicas, que vão para palanques, ruas, que façam discursos pró ou contra algo, mas essa falta de compromisso e, consequentemente, inside na não cobrança por parte da população, já que os agentes estão cada vez menos públicos, menos comprometidos. Aí, o resultado é exatamente o que você diz, a toda hora mudam-se as diretrizes e metas, por, simplesmente, não haver cobrança da sociedade.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 23 de dezembro de 2008 @ 12:55 Reply

    Oi Leonardo

    É compreensível a sua preocupação, no entanto, acho que um dos grandes problemas que o MinC enfrentou e que fez com que caminhasse com passos de tartaruga, foi justamente o peso político que não tem e que deveria ter na política nacional. Isso ficou provado quando o MinC sequer foi citado na política de escandalização promovida pela grande mídia e oposição na tentativa de uma virada de mesa. Talvez, se o MinC tivesse sido fruto de ataques do arrastão da escandalização, as coisas tivessem caminhado mais rapidamente ou, pelo menos, com mais objetividade.

    A cultura brasileira está muito distante do ambiente político, está numa redoma que discute benefícios, mas não quer se estapear nas ruas e discutir as questões do país. Com isso, assistimos a essa perda de rumo de um ministério que, de certa forma, acompanha todo o ambiente cultural no Brasil excessivamente tecnocrata sem ser técnico, ampliando, cada vez mais, até por proteção, a sua burocracia. Assistimos cotidianamente as políticas de cultura, não só do MinC, mas também dos estados e municípios, como àquela famosa placa, “fiado só amanhã”.

    É bom mesmo que isso seja jogado na sociedade, meio na correira e bastante desordenado, mas, pelo menos, entra na pauta cotidiana da mesma que, mais próxima das questões culturais em seus estados e municípios, pode construir uma certa efervescência crítica a todo esse processo que, inclui, entre tantas coisas, o questionamento da participação dos estados na questão cultural, pois os mesmos conseguem ser, incrivelmente, piores que as secretarias municipais de culturais. No Rio de Janeiro, entre o cômico e o trágico caminham as políticas estaduais de cultura. Cômicas, geralmente são as suas metas. E trágico, é que elas, no dia seguinte, se suicidam.

    A grande problema em tudo isso, é que a cultura brasileira não pode mais viver num ambiente tão higienizado, tão alheio às questões centrais da política brasileira, pois, a meu ver, é nesse ambiente oculto que habita o pior dos males, o corpo técnico, público ou privado, que está hoje tocando as múltiplas receitas de cultura no Brasil. Muitos dos que aí estão são frutos de uma política de compadre, em empresas, municípios, estados e federação. Há um mundaréu de gente que faz da cultura um assento para o seu emprego, sem a menor idéia de que em que cumbuca ela não está colocando a mão. Por isso, essa total falta de compromisso, de responsabilidade, esse vento que não sopra, quando muito, sobe um bafo quente. Esse é o quadro dantesco da nossa cultura institucionalizada que vive de um cartel político não partidário, mas social, que quer distância das lutas corporais que a política nos cobra. Mais à esquerda, mais à direita, não importa, o que importa é que devemos fazer com que as políticas de cultura neste país se tornem realmente públicas, que vão para palanques, ruas, que façam discursos pró ou contra algo, mas essa falta de compromisso e, consequentemente, inside na não cobrança por parte da população, já que os agentes estão cada vez menos públicos, menos comprometidos. Aí, o resultado é exatamente o que você diz, a toda hora mudam-se as diretrizes e metas, por, simplesmente, não haver cobrança da sociedade.

  • Marcos Moraes, 24 de dezembro de 2008 @ 16:03 Reply

    Pois é: o Rei está cada vez mais nú… o chamado “Pac da Cultura” cabe bem na lista dos anúncios bombásticos que não viram realidade. A governança voltada para os holofotes – enquanto na real ficam os jogos políticos dos podres poderes – encontra na Cultura um ambiente favorável. Houve coisas a se elogiar? Sim, mas no momento de consolidá-las o MinC faz água, os lobbies dão seu jeitinho, garantem o seu e a gente vai ficando mais uma vez com cara de panaca por ainda acreditar que um dia haverá política cultural republicana e o cacete… morta a velhinha de Taubaté, quem aplaudirá o circo político da Cultura?

  • Tatiana, 27 de dezembro de 2008 @ 13:03 Reply

    Caro Leonardo Brant,
    A título de esclarecimento, o investimento do Programa Mais Cultura em 2008 foi de R$ 226 milhões. Os R$ 111,2 milhões a que você se refere, foram investidos somente em Pontos de Cultura. Os valores estão especificados nas matérias assinadas por Gustavo Yoda.
    Tatiana Sottili
    Assessora de Imprensa do + Cultura

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