Foto: Sybren Stuvel
O Itaú Cultural lançou ontem a edição 2009 do Rumos, o maior programa privado de cultura do país, com 12 anos de história e uma metodologia que inclui mapeamento e fomento das diversas áreas artísticas em que atua. Com presença de diversas autoridades e profissionais da cultura, o evento foi marcado pelo longo discurso do ministro interino Alfredo Manevy.

Manevy parabenizou o banco e disse que iniciativas como aquela são exemplos de bom uso da Lei Rouanet, reforçando a recomendação do MinC no investimento por editais.

Como já é comum em eventos dessa natureza, o ministro interino aproveitou para fazer uma longa defesa da reformulação da Lei Rouanet, com um entusiasmo que camufla os 5 anos de atraso da empreitada. Foi categórico ao afirmar que a reforma da Lei vai sair e que “estamos na reta final desse processo” – como se a consulta pública estivesse no ar e o projeto realmente existisse. Nos bastidores, afirmou que em 10 dias o projeto estará disponível para a população opinar (ouvi falar que existe sim um projeto na Casa Civil, pronto e acabado, e que a consulta pública não passaria de engana-trouxa). Quero estar errado na afirmação de “o projeto não existe”. O tempo dirá. 

A diagnose de Manevy é muito mais madura e realista do que o discurso de alguns representantes do MinC na primeira gestão de Gilberto Gil (ele mesmo sempre teve uma visão lúcida da importância da Lei, embora tivesse críticas, como todos nós). O problema é o remédio.

O receituário do MinC passa pela criação de um fundo público. Este fundo já existe, o FNC. O MinC diz que é bem gerido e transparente. Eu venho dizendo que é menos transparente que nos tempos do Weffort, uma verdadeira caixa-preta. Diz que os artistas não podem se submeter ao crivo dos departamentos de marketing, todos concordamos, mas não tira o coelho da cartola. Não mostra como esta situação vai mudar. A impressão que fica é que terá de correr ao balcão do MinC, como já declarou diversas vezes o ministro.

Não diz de onde vai tirar dinheiro para sustentar a produção cultural brasileira. Acredita piamente que as empresas vão investir para o governo, com sua reconhecida incompetência, gerir. Num passe de mágica o MinC afastará o fantasma da incompetência administrativa, que o coloca entre os piores gestores do orçamento da Esplanada, para o articulador de toda a economia da cultura no Brasil. Eu tenho medo disso. Pra mim isto é uma ameaça à democracia.

Confio muito no Alfredo Manevy, já tive várias provas de sus seriedade, compromisso público e dedicação como servidor público. Mas acho que ele está errado em seu julgamento em relação à produção cultural e ao patrocínio empresarial. Eles não são os verdadeiros vilões das artes e da cultura. A sociedade negligencia a cultura, o governo negligencia a cultura. Por que os empresários teriam essa obrigação de substituir o Estado? Nisso o MinC está redondamente equivocado. É preciso assumir o desleixo deste governo em relação à cultura. Deixar de lado essa hipocrisia, de colocar na conta do mercado, dos artistas e da sociedade o erro que é só dos governantes.

O Rumos é um bom exemplo disso. Um programa que tem continuidade,  função pública, metodologia, gestão, processos, efeitos e resultados. Qual programa do MinC tem isso? Pontos de Cultura? Mais Cultura? Eu só conheço a Lei Rouanet, que segue intacta, mesmo com as inúmeras tentativas de descredibilizá-la e derrubá-la com a burrocracia e a intolerância de um gabinete incapaz de entender a sua complexidade.

Mas a questão é: por que o MinC não se alia com programas como este? Medo, ciúme, inveja? Acho que não. É incompetência mesmo. Terminaremos esse mandato com a poeira da Lei Rouanet levantada (nisso eu estou fazendo exatamente o que quer o MinC, o Carlos Henrique já me alertou), distraindo o setor com discussões que não levam a nada. Enquanto isso, cadê a política de valorização e financiamento das artes? Cadê o nosso orçamento? Vai virar pó, junto com o único instrumento que temos.

O MinC poderia ter governado mais nesse período, resolvendo questões ao seu alcance. Mas preferiu agir como uma super-ONG que aponta os erros e desvios da sociedade e do mercado. Isso não é papel do governo. Isso é o meu, o seu papel, caro leitor. O deles é governar.

Como sempre digo, torço para estar equivocado. Quero mesmo é ver o setor cultural crescer e ver o Brasil se despontar como uma grande nação multicultural.

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Desculpe, caro leitor. Insisto em utilizar as piores práticas do jornalismo. Deixei a parte boa para o final: Alfredo Manevy garante que a Lei Complementar 128 será revogada e que os produtores culturais serão re-enquadrados no anexo IV. Bom mesmo é se fosse para o III, onde estavam antes. Mas um alerta: esta notícia não para relaxar. É para continuar a luta!

Assine a petição online proposta pelo Instituto Pensarte.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

1Comentário

  • Aline, 16 de março de 2009 @ 14:37 Reply

    Agora ficam as perguntas:
    E os impostos que já foram pagos, será devolvida a diferença do que foi pago e do que seria devido? E quem acabou optando pelo Lucro Presumido para tentar amenizar um pouco essa tributação, terá a possibilidade de voltar para o SIMPLES?

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