Semana de Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), vésperas de Bienal Internacional do Livro de São Paulo, passado o Dia Nacional do Escritor (25 de julho), lançada nova edição da pesquisa anual sobre mercado editorial do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e da Câmara Brasileira do Livro (CBL), momentos tensos na novela da disputa internacional entre Amazon e Hachette.
Sem contar as últimas notícias sobre lançamentos de plataformas de autopublicação, novos projetos de financiamento coletivo, crescimento do mercado de e-books, sucesso das feiras de publicações independentes. O assunto está quente. E seja em termos de criação, seja avaliando questões de mercado, escritores vivem um momento singular.
Situação semelhante, talvez, à que vivem os profissionais da música, desde a queda da indústria fonográfica. Novos modelos, novas funções e a importância da ampliação do olhar sobre o seu próprio trabalho. “A indústria fonográfica foi nosso boi de piranha. Fez tudo errado —insistiu que as pessoas queriam comprar discos de plástico, e não música — e perdeu poder e sentido. A indústria editorial aprendeu com os erros da fonográfica, e está se adiantando aos desdobramentos inevitáveis”, afirma Júlio Silveiro, da Imã Editorial.
Bia Bittencourt, organizadora de Feira Plana, evento de editores independentes em São Paulo, acredita que músicos, escritores e artistas em geral precisam se acostumar com uma dimensão menor, um mercado menor, mas muito mais vital e dinâmico, mais próximo do público também. “Os músicos voltaram a valorizar o show, que é o momento de contato direto, o momento mais importante do processo todo, mas que andava precisando disputar lugar com as reproduções. O momento de contato direto do escritor com seu público ainda é através do objeto livro, que agora precisa ser feito com mais apuro gráfico, com mais cuidado, com um capricho maior”, defende.
O número de feiras, a quantidade de oficinas e cursos de escrita criativa têm sido saída para muitos, lembra Felipe Lindoso, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. No entanto, para ele, as duas situações são diferentes. “Os escritores não saem fazendo espetáculos em vez de vender livros. Mas, faz muito tempo, a profissão de escrever não se restringe a publicar livros. Escritores que levam a sério a profissão sempre participaram de feiras e eventos, produzem os mais variados textos para jornais e revistas, resenhas, etc. E isso tem aumentado muito.”
Lindoso acredita que, para ser músico, exige-se um mínimo de qualificação. Já para perpetrar contos, poesias e romances, não é necessário nenhuma capacitação específica, salvo escrever. “O resultado é uma proliferação de coisas, mais ou menos ilegíveis, que aparentemente circulam pela Internet. E digo aparentemente porque, de fato, ninguém toma conhecimento delas”, alerta o jornalista.
A autopublicação, que para alguns parece uma saída, para o especialista parece uma alternativa muito complicada. De fato, diz ele, hoje uma enorme quantidade de livros são autopublicados. Entretanto, os que conseguem viver disso continuam sendo minoria. As facilidades – “ou pseudo-facilidades”, insiste Lindoso – para publicar na internet levantaram, para alguns, a perspectiva de que o editor se tornou irrelevante. “Em primeiro lugar, os ‘escritores’ amadores têm pago a editores free-lancers para arrumar os textos e torná-los minimamente legíveis. Mas a curadoria editorial (que varia imensamente segundo o perfil da editora), e as tarefas de divulgação e comercialização se tornaram ainda mais complexas”, afirma.
Para ele, o desenvolvimento dos e-books é um fato importantíssimo, pois elimina custos de logística e de impressão. Mas não elimina – muito pelo contrário, agrava – um velho problema: “como achar o que interessa no meio dessa cornucópia?”.
Editando – Para Silveiro, o poder do autor, organizado por um editor, empregando uma plataforma de crowdfunding, é a combinação mais forte para o livro atualmente. Ele lembra que a palavra “editor” deve ser desmembrada em seus dois sentidos, que só são separados em inglês: “publisher” e “editor”.
O editor-publisher, que trabalha com a mercadoria livro, segundo ele, está em risco. “O que só ele podia fazer no analógico (custear grandes tiragens, pagar anúncios na mídia tradicional etc) pode ser feito diretamente pelo autor, com custos tendendo a zero (via edição em ePub, mídia social etc).”
Já o “editor-editor”, aquele que trabalha as ideias brutas e dá forma a ela, esse é cada vez mais necessário. “Ele faz o papel de curador, retira da algaravia da internet as coisas que fazem sentido, e lhes dão forma e força”, defende Silveiro. O autor ganhou muito poder com o digital e, teoricamente, pode conduzir tudo sozinho (da redação à distribuição e promoção). A questão é o que fazer com o poder que adquiriu. “Alguém já disse que ‘um e-book autopublicado não vale o papel em que não está escrito’. É por aí.”
Mas nem só de escritores amadores vivem as plataformas de autopublicação. Cristovão Tezza, por exemplo, já ganhou todos os prêmios literários do país e tem mais de 40 anos de carreira literária em grandes editoras. Mas recebeu um convite para autopublicação da Amazon e decidiu experimentar. “Nunca havia pensado nisso, mas dei uma olhada no sistema e achei interessantíssimo”, conta.
Tezza aponta para a importância do mundo digital no esforço da ampliação dos leitores, em um momento de mudança brusca e complexa de paradigmas no comércio e publicação de livros, que afetam praticamente todas as instâncias interessadas, do escritor ao lojista. “No meu caso, que tenho uma obra relativamente extensa, a autopublicação vem funcionando em dois aspectos. Antes de tudo, tornou-se um hobby – tenho paixão por edição de livros, e agora posso ‘brincar’ um pouco de editar meus livros e até mesmo produzir minhas próprias capas. E de certa forma, é mais uma frente de divulgação do meu trabalho.”
Apesar das vantagens, ele afirma que isso nunca substituirá uma grande editora. “Primeiro, porque o livro digital ainda é quase invisível no Brasil. Segundo, porque a força e o prestígio da editora são sempre fatores fundamentais para a divulgação e distribuição do livro”, defende Tezza. “No meu caso, recorro à auto edição digital em dois únicos casos: livros que não pretendo publicar em papel, porque os considero de formação, mas que acho interessante deixar disponíveis na rede; ou livros que considero de interesse puramente acadêmico ou circunstancial, que, a meu ver, não justificariam o custo de uma edição em papel.”
Para ele, a vantagem dessas edições é evidente: estão à disposição do interessado, em qualquer lugar do mundo, instantaneamente. Mas o papel do editor continua sendo insubstituível. “Em geral, o autor é péssimo editor de si mesmo. Você precisa do olhar de fora e do especialista nas áreas não-literárias. Mesmo no digital, é preciso o olhar do editor.”
*Bia Bittencourt participa, no dia 30 de novembro, da Jornada Inovação no Mercado de Livros, apresentada por Cultura e Mercado no Cemec. Clique aqui e saiba mais.
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