Aos poucos vai se revelando no mundo cultural, mais especificamente na Lei Rouanet, o porquê da concentração de recursos nas mãos de meia-dúzia. O que não sabíamos é que a linha de defesa dos que querem a continuação da Lei Rouanet fosse tão pobre de subsídios, o que mostra que efetivamente não há nada de palpável em suas críticas e propostas, ao contrário, elas revelam que, além da facilidade e do desperdício com o dinheiro público saído dos impostos da população brasileira, a certeza de que o continuísmo não só produzia acomodação de empresas no investimento em cultura, mas também de alguns pouquíssimos produtores com qualquer norma que possa ser chamada de programática para o mercado cultural. Tudo é muito fugaz.
Aqui mesmo e no youtube acompanhei os vídeos do debate tanto da Folha quanto o promovido pelo Instituto Pensarte. De imediato a teoria a ser combatida é o dirigismo imposto pelo governo, como se as comissões das ditas empresas patrocinadoras via Lei Rouanet selecionassem os projetos por critérios que não fossem absolutamente dirigistas, pior, ineficazes até mesmo para o mercado. Isto, mais do que não trazer uma boa imagem para a empresa, tem construído uma relação de antagonismo e antipatia entre a sociedade e as corporações que hoje se apresentam como as mamas das artes e das letras no Brasil.
Num certo momento da fala de Sergio Ajzemberg, um dos maiores produtores brasileiros, meio no desespero, diz ter que propagar o trabalho desenvolvido pelos gestores sobre a valorização da música brasileira tanto no Brasil quanto no exterior. Eu, como músico, e sabendo do drama de milhares de músicos brasileiros absolutamente marginalizados no Brasil, quase caí da cadeira. Então, voltei àquela lista dos proponentes que mais arrecadaram em 2008, disponibilizada no site do “Cultura e Mercado”, e me deparei com a segunda colocada no ranking, “Dançar Marketing e Comunicações Ltda.”. E o que vejo lá? Um portfólio digno das grandes produtoras estrangeiras de música. Ou será que aqueles músicos são brasileiros e eu não estou sabendo? Como Seal, George Benson, Andréa Bocelli, entre muitos astros estrangeiros. Não quero com isso dizer que estes artistas internacionais vieram ao Brasil utilizando o mecanismo da Lei Rouanet, o que digo é que, uma empresa consolidada no mercado internacional, inclusive com filial estabelecida desde 2001 num dos pontos mais nobres de New York, na Quinta Avenida, ser a segunda maior beneficiada da Lei Rouanet com uma arrecadação de mais de 17milhões, chega a ser, mais do que um insulto a nossa inteligência, um escândalo de desfaçatez se comparada com a realidade da arte e artistas brasileiros, sobretudo com os pequenos gestores e produtores do Brasil, todos que não conseguem uma migalha sequer para executar os projetos por eles desenvolvidos.
João Leiva, no mesmo debate no Instituto Pensarte, era o retrato do fichário que estabelece uma relação de estatísticas com os benefícios da lei, ou seja, nada. Ele mesmo confessa não haver dados que confirmem que a Lei Rouanet é um bom negócio para a cultura, pois sequer existe um estudo que comprove os benefícios que a Lei Rouanet traz à sociedade, como dizem os que defendem a sua continuação.
Afif Filho cita Fernando Henrique como estrategista do discurso único para se consolidar uma idéia, aí penso, logo Fernando Henrique que tem um Instituto carregado de denúncias de irregularidades sobre as quais Helio Gaspari ampliou suas críticas a respeito do aporte da SABESP ao seu instituto e que FHC também recebeu vultosas verbas para o seu instituto por todos os empresários que se beneficiaram com as suas privatizações. Ou seja, Afif, sem perceber que quando elogiava a prática de insistir no mesmo discurso vindo de FHC, ele praticamente reeditava a famosa, totalitária e persuasiva frase dos fundamentalistas da intolerância, “uma mentira repetida um milhão de vezes passa a ser verdade”. Logicamente Afif não estava apoiando tal prática, falava de uma única linha de defesa que incrivelmente não aparece na reunião, porque os resultados são concentradores, não se constituem em mercado, são figuras de um processo absolutamente antidemocrático, entre o imoral e o desumano. Isto é fato.
Juca Ferreira, com toda razão, disse a Sayad que não se quer debater nada, o que se quer é, tão somente, a manutenção de privilégios.
A realidade é que a Lei Rouanet tem promovido debates e, quanto mais se mexe, quando os dados estatísticos aparecem, mais o odor fétido aumenta.
O traço que marca esta vergonha, este escândalo que virou a Lei, como bem disse Sarcovas no debate da Folha, em sua explanação, está agora se mostrando inteira para a sociedade que, incauta, ataca junto com milhares de artistas de todo o Brasil, norte, sul, leste e oeste, o oásis em que a lei se transformou para pouquíssimos, recursos tirados do bolso da sociedade para estimular a sua cultura. Agora é aguardar numa vigília de 24horas para saber quais os desdobramentos que essas revelações trarão.
É nítido que a imensa maioria dos brasileiros quer fazer a Lei Rouanet desaparecer do mapa. Cabe agora a todos nós apoiar o Governo Federal e o Ministério da Cultura que, depois de dezoito anos de muitas críticas contra esse cartel que se instalou no ambiente da lei e atender aos anseios da imensa maioria, buscando uma forma mais democrática de financiamento público para a cultura brasileira.
18Comentários