No artigo “Quem sai aos seus não degenera”[1] lembrei que a origem da imunidade tributária para o livro e o papel de sua impressão vinha da intenção do legislador-constituinte de impedir que os governos usassem esses mecanismos para tolher a liberdade de expressão, particularmente a que se dava através dos livros, jornais e periódicos.
O que o legislador não previa era a criatividade dos descendentes do Dr. João das Regras. O bom doutor jurisconsulto atendeu a uma observação dos seus chefes: “Essa história de imunidade fiscal para o papel está criando uma categoria de sonegadores, que diz que compra papel para livros e usa esse papel mais barato para imprimir produtos comerciais que nada tem a ver com livros, jornais e periódicos”.
“Vamos cercar esses sacripantas que ousam atentar contra o patrimônio do Rei. Colocamos justos e pecadores no mesmo saco para que um vigie o outro e veremos quem se atreve a sonegar”, retrucou o tetra bisneto do Dr. João das Regras, já elucubrando outra “Lei Mental”, desta vez no Condado da Serra dos Tucanos, outrora conhecido como Paulicéia.
Os descendentes do autor de “Lei Mental” tem onde se inspirar. Só para lembrar: o Dr. João foi um dos instrumentos da ascensão de D. João I, o Mestre de Aviz, como Rei de Portugal. Depois da morte deste, já no reino de D. Duarte, ele fez aprovar uma lei proibindo o até então direito dos nobres de ceder terras a seus vassalos (só o Rei tem vassalos), com o argumento de que a legislação já estava “na mente” de D. João. Tudo relacionado a quem pagava que impostos para quem. O Dr. João era das Regras e sabia ler a mente até dos reis mortos, o que lhe confere também o título de patrono dos puxa-sacos.
Tal como o Dr. João das Regras, seus descendentes partem de um problema real – no caso, a sonegação – para cascavilhar regrinhas que, no final das contas, não resolvem nada e só criam mais confusão para todo mundo. No caso que veremos, além de criar problemas – e não resolver a questão – dão uma contribuição para que o livro no Brasil fique mais caro.
Vamos lá.
O problema existe. Gráficas trambiqueiras compram papel imune e usam esse papel para fazer serviços comerciais, lesando o fisco. As gráficas sérias se ressentem disso – já que, além do mais, provoca concorrência desleal – e ficam loucas para caçar esses seus colegas piratas. Os fabricantes de papel, por sua vez, não querem ser acusados de cúmplices da sonegação. Para eles, aliás, é uma questão que simplesmente lhes escapa. Quando fixam o preço do papel – uma commodity cujo preço não tem a ver com custos de produção e sim com o ritmo da oferta e da demanda no mercado internacional – querem receber isso, e só isso. O preço já é calculado supondo o pagamento dos impostos, e cobrar isso da cadeia de comercialização do papel é problema do governo.
Então, sejamos claros: o problema existe e tem um setor responsável, as gráficas trambiqueiras. Achá-las, puni-las e cobrar o imposto devido é papel da Secretaria da Fazenda. Ou, melhor dito, é obrigação da fiscalização fazendária.
Só que no Condado da Serra dos Tucanos, o tom da música é o do “estado mínimo” e essa história de separar o joio do trigo dá trabalho. Como são supermodernos, tecnológicos e “eficientes” resolvem montar um sistema no qual não seja necessário por em campo fiscais fazendários. Ao contrário, resolvem dar um “upgrade” no fator coercitivo da exigência de pagar impostos, que é um “fato social”, fazendo que segmentos vigiem uns aos outros para que todos os envolvidos – sob a ameaça do olhar do “Big Brother” – não se atrevam a sonegar.
Quando Émile Durkheim teorizava sobre o “fato social” como fundamento da sociologia, correlacionada três fatores: a coercitividade – a força dos padrões sociais do grupo; a exterioridade – os padrões sociais são externos ao grupo e os indivíduos não necessariamente têm consciência deles; e a generalidade – os fatos sociais não existem para o indivíduo, e sim para o conjunto da sociedade. As regras jurídicas, os preceitos morais, os costumes, os modos de agir são fatos sociais aos quais se submetem os indivíduos. Porém o grau de coercitividade de cada fato social específico varia. Enquanto se dá no âmbito da vida privada, provoca remorso, constrangimento e por isso mesmo induz ao comportamento socialmente aceito. Quando passa para o âmbito do Estado, a coisa se complica, pois as regras são mais estritas e podem ser aplicadas de modo muito mais coercitivo, ainda que haja graduações nisso: uma infração de trânsito gera uma multa; o roubo, em tese, leva à prisão, ao afastamento do ladrão do convívio do resto da sociedade.
Ninguém gosta de pagar impostos. Paga-se precisamente porque estes são “fatos sociais”, cuja racionalidade se revela na necessidade de financiar serviços comuns a todos, que são providos pelo Estado arrecadador, que é arrecadador porque tem que ser provedor. Mas, se existe a possibilidade de escamotear o pagamento de algum imposto, o sonegador aproveita, e o Estado tem que aumentar o grau de coercitividade do pagamento através da fiscalização. Mas, no “estado mínimo”, a prática assume duas formas. A primeira é a da cenoura: se você contribuir para que o comerciante pague o imposto, eu (Estado) devolvo um pouquinho – é a Nota Fiscal Paulista. A segunda é do porrete: se você não vigiar e me informar se alguém na cadeia de comercialização não está pagando o imposto, eu (Estado) impeço você de continuar no negócio: é o Recopi, por exemplo.
Entremos, então, no mundo real.
O que é o Recopi? O acrônimo esconde a pomposidade do programa: Sistema de Reconhecimento e Controle das Operações com Papel Imune.
Basicamente o Recopi é um sistema que institui uma ciranda das notas fiscais de compra de papel imune que faz com que os fabricantes de papel (e suas distribuidoras) fiscalizem o uso por parte das gráficas…. e das editoras.
Editoras? Onde as editoras entram nessa história?
As editoras desempenham vários papeis na produção dos livros. Encomendam ou compram os originais dos autores, brasileiros ou estrangeiros; contratam tradutores, revisores, capistas. Existem definições legais para a atividade. A Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, assim define o grupo de atividades:
5811-5/00 | EDIÇÃO DE LIVROS |
Notas Explicativas: |
Esta classe compreende: |
– a edição de livros (literários, didáticos, infantis), dicionários, atlas, enciclopédias, etc., na forma impressa, eletrônica (CDs) e na internet – a aquisição de direitos autorais para a edição e disseminação de livros |
Esta classe compreende também: |
– a gestão de direitos autorais de obras literárias |
Esta classe não compreende: |
– a impressão de livros sob contrato (18.11-3) – a edição de jornais (58.12-3) – a edição de revistas (58.13-1) – a edição de material publicitário (58.19-1) – a edição integrada à impressão de livros (58.21-2) – as atividades de escritores de todos os tipos de assuntos, inclusive técnicos (90.02-7) [2] |
Note-se que as atividades de “impressão de livros sob contrato” e a “edição integrada à impressão de livros” constituem classificações distintas da que se enquadram as editoras. Certamente existem editoras que também são gráficas e que fazem a chamada “edição integrada à impressão de livros”.
Note-se que a classe 5811-5/00, da edição de livros, supõe precisamente que os livros existirão “na forma impressa, eletrônica (CDs) e na Internet”. Ou seja, o produto final das editoras é o livro impresso (entre outras coisas), mas estas não imprimem os livros, NÃO SÃO GRÁFICAS, e nem fabricam CDs.
Logicamente, qualquer quantidade de papel adquirido pelas empresas que se enquadram nessa categoria econômica só pode ser usado para processamento por terceiros para a edição de livros. Em outras palavras, as editoras só adquirem papel imune, e entregam esse papel às gráficas para que, no final do processo industrial (que não inclui só o papel), recebam livros prontos.
Mesmo as editoras que se enquadram na categoria CNAE de “edição integrada à impressão de livros”, só o fazem para livros. Ou seja, também só adquirem papel imune.As editoras que se enquadram nessa categoria só tem gráfica para a impressão de livros.
As gráficas – tal como os fabricantes de papel – estão classificadas em lugar completamente distinto, na seção que discrimina as Indústrias de Transformação. A saber:
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Note-se que a classe que abriga as gráficas exclui, especificamente, as duas classes que abrigam a edição de livros.
Toda empresa, ao registrar seu CNPJ, declara quais as classes da CNAE em que vai atuar. Isso, por si só, excluiria as editoras das suspeitas de traficar com o papel imune.
Mas o Dr. João das Regras é terco. A teimosia é uma das características essenciais de todas as gerações de descendentes do ilustre causídico. Então, para ele, se a editora lida com papel imune passa a ser automaticamente suspeita de poder trambicar.
Mas, se as editoras compram papel imune exclusivamente para imprimir livros, onde é que se processa o trambique?
A quantidade de editoras que possui gráficas (para imprimir seus livros ou mesmo os livros de terceiros – como editora não pode imprimir outras coisas) é muito pequena. Apenas algumas grandes editoras possuem parque gráfico. E as que possuem gráficas grandes, aptas a prestar serviços gráficos de todos os tipos, tem CNPJ separados para poder fazer isso. Ou seja, ainda que sejam do mesmo dono, são empresas distintas.
A maioria das editoras contrata serviços gráficos. Não apenas porque seu trabalho é o da edição, e não a impressão, como também porque são empresas de pequeno e médio porte que não dispõem de capital para comprar as máquinas e equipamentos para montar uma gráfica, ainda que modesta, capaz de imprimir e fazer acabamento de livros.
As pesquisas da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros sobre a produção editorial, encomendadas atualmente à FIPE, mostram claramente a proporção dessas editoras.
A pesquisa classifica as editoras por porte (faturamento). No nível A estão editoras que faturam até um milhão por ano; no Nível B, as que faturam entre 1 milhões e 10 milhões de reais por ano; no Nível C, de 10 milhões a 50 milhões por ano, e no Nível D, editoras que faturam acima de 50 milhões por ano.
Pois bem, das 545 editoras que participam do levantamento, apenas 13 são do nível D (2,3% do total). A s editoras do nível A são 417 (76,7%); do Nível B são 75 (13,7%); do Nível C são 40 (7,3%)
Em uma palavra, o setor é constituído fundamentalmente por pequenas e médias empresas, que não possuem gráficas e não tem o mais longínquo interesse em produzir qualquer outra coisa a não ser livros.
Nas gráficas – nas gráficas desonestas, para ser mais preciso – é que pode ocorrer o desvio da compra de papel imune para execução de outros serviços comerciais que deveriam ser feitos com papel tributado. E são essas empresas que deveriam estar sujeitas à fiscalização para que se verifique se estão agindo corretamente.
Mas algum amigo do Dr. João pode ter soprado no seu ouvido: “Olha, tem gráfica que se registra como editora para poder comprar papel imune e fazer impressos comerciais com esse papel”. É possível. E bastaria que a Secretaria da Fazenda separasse no seu cadastro quais as empresas que trabalham também com o código CNAE reservado para as gráficas.
Mas na verdade esse trabalho seria completamente ocioso. Um tio do Dr. João das Regras (um tio federal), já há alguns anos instalou o sistema no DIF-Papel Imune, declaração de uso instituído pela Receita Federal também para o suposto controle do uso da imunidade tributária. O mesmo objetivo, pelas mesmas razões. Apenas ligeiramente menos complicado. Enquanto a DIF-Papel Imune é semestral, o Recopi é praticamente diário. O Dr. João das Regras faz questão de tudo online para bater o porrete na hora.
Qualquer ser humano dotado do mínimo bom senso pensaria que os dados da Receita Federal poderiam ser usados pela Fazenda Estadual para seus mecanismos de fiscalização. Mas os técnicos da Secretaria da Fazenda não são seres humanos dotados do mínimo bom senso. São burocratas que gostam de acumular papel para aporrinhar a vida dos outros e justificar seus salários.
A resposta da Secretaria da Fazenda à questão de qual a razão para não integrar os dados da Receita Federal com os da Fazenda Estadual foi evasiva, para dizer o mínimo. Em bom português pode-se dizer que foram cretinas: “Não dá”. Por quê? “Ora, porque não dá”.
E ainda tem mais bobagem.
A partir do dia 1 de outubro entrará em vigor o sistema da Nota Fiscal Eletrônica. Como sabemos, aqui no Brasil se exige a emissão de NF até para levar um produto para a filial da mesma empresa. Para enviar o papel (imune) para a gráfica, as editoras (quando o compram diretamente), emitem NF, que dentro de dois meses será obrigatoriamente eletrônica.
Pois bem, nessa NF eletrônica já estão, em formato digital, todas as informações necessárias para qualquer fiscalização. Se é questão de cruzar quem comprou com o destino do papel, está tudo lá nas notas fiscais que acompanham o trajeto do papel desde a fábrica até sua transformação em livro e depois até que este chegue ao leitor (ou adormeça nos estoques).
Isso se supormos que a Secretaria de Fazenda (ou a Receita Federal) vai ter condições de cruzar todas as informações ali contidas. Como qualquer semianalfabeto em processamento de dados sabe, os programas no máximo detectam incongruências – situações que fogem dos padrões internos preestabelecidos – e escolhem aleatoriamente o que é pinçado para exame mais detalhado. A coercitividade se expressa na possibilidade de ser “sorteado” para a fiscalização. É a famosa “malha fina” do Imposto de Renda, por exemplo.
Os dados recolhidos pelo Recopi – se for mantido esse treco – só podem ter o mesmo destino: servir também de base para detectar incongruências que seriam também detectadas pelo processamento das Notas Fiscais eletrônicas.
Há um detalhe mais ridículo ainda no Recopi. Depois de recusar usar os dados do DIF-Papel Imune da Receita Federal, o sistema do Recopi usa, em tese, outro banco de dados do Governo Federal para poder verificar, em tese, se o papel foi usado em livros: esse seria o do ISBN. Já veremos isso.
Mas vejamos um pouco mais de perto a ciranda maléfica imaginada pela Receita do Condado da Serra dos Tucanos.
As editoras tem, inicialmente, que cadastrar todo seu estoque de livros (do passado), por ISBN e por NCM do papel. Ih, apareceu outra sigla! NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul, é a tabela usada para definir produtos, principalmente no comércio exterior.
Pois bem, a tabela da categoria 48, de papel, celulose e afins, tem 7 páginas de listas, com centenas de itens. O leitor pode olhar ao seu redor e ver, na sua casa, quantos tipos de papel ele pode detectar, divididos por peso, textura, etc. etc. A tabela do Recopi apresenta códigos dos produtos, sem a descrição. Assim, de cara, o pobre funcionário da editora vai ter que adivinhar o papel usado nos livros do passado depois de consultar essa lista com centenas de códigos.
Cada livro usa pelo menos dois tipos de papel. Um para o miolo e outro para a capa. Se tiver fotos, mais um tipo. Se for um livro especial, o número de tipos de papel usado em um único livro podem aumentar.
Os gênios informáticos que bolaram o programa obviamente não sabiam disso. Assim, o funcionário da editora terá que entrar, para o mesmo livro, com pelo menos dois códigos.
Ora, uma editora de porte médio tem algo entre 1.000 e 1.500 títulos no catálogo. Logo, são 2.000 a 3.000 entradas a ser feitas.
E isso tem que ser feito todo mês!
Com pena de quem tinha que fazer isso, a Fazenda Estadual divulgou parâmetros que podem ser usados na programação de um sistema que importa os dados do sistema administrativo das editoras e os transformam em algo que pode ser entendido pelo Recopi. “Aí, dizem, é só acrescentar os livros novos”. Fácil, fácil. As editoras que tem sistemas informatizados terão que pagar um programador para fazer isso: construir um subsistema de informação para captar os dados do seu sistema para entregar ao Recopi. As pequenas editoras, as 417 que estão no nível mais baixo – e a maioria das quais NÃO tem sistemas administrativos informatizados – vai ter que inserir os dados na munheca, TODOS OS MESES. O programa do Recopi não faz as contas simples de subtrair do estoque existenteas vendas. Isso tem que ser feito(manualmente ou pelo programa pago pela editora), caso a caso.
As editoras tem também que declarar seu eventual estoque de papel – por exemplo, aquele que foi comprado e ainda não foi entregue às gráficas – e a previsão de quanto papel irão comprar no mês. E fazer as contas do que entra, do que sai, e depois do que virou livro, do que foi perda de ajuste de máquina e do que virou apara no refilamento dos livros. E se não fizer direitinho corre o risco de ter bloqueado o seu direito de comprar papel.
Aí é que entra o fator “dedo-duro” do sistema.
A editora compra x toneladas de papel da distribuidora. No prazo de 15 dias tem que declarar o “aceite” do papel, para a distribuidora transferir para a editoraa responsabilidade pelo uso. Se não fizer isso, suas compras são bloqueadas. Daquela distribuidora, de qualquer fabricante. Ou seja, o sistema inaugura, nesse momento, o processo automatizado de deduragem entre as empresas, eliminando a eventual necessidade de fiscalização. Pois se a distribuidora não receber o “aceite” da editora terá que reclassificar o papel imune como papel tributado para que os impostos sejam lançados na conta de quem comprou. Caso contrário a empresa distribuidora de papel também não poderá comprar de nenhum fabricante.
Essa é apenas a primeira etapa da ciranda de notas fiscais que tem que ser informadas de um para o outro em todas as etapas.
E assim se instalou o “Estado mínimo” no Condado da Serra dos Tucanos. O poder coercitivo do Estado é transferido, na base do porrete, para o andar de baixo.
É ocioso continuar descrevendo esse vai-e-vem (que é também acompanhado pela emissão de Notas Fiscais, que em dois meses serão eletrônicas). Basta assinalar a etapa final, o mecanismo que supostamente daria o fecho de ouro – e remeteria para o início da ciranda, a do estoque de livros.
Editora compra papel, que é processado nas gráficas (com chapas, fotolitos, tinta, papel de embalagem e os escambaus) para virar livro. Livro que tem que ter ISBN e é o resultado da transformação de X quilos de papel em X exemplares de livros – que vão para o estoque já mencionado e voltam para a ciranda.
Todo o sistema se sustenta na suposição de que haverá esse livro, identificado por um ISBN, e que essa edição é única. Assim, em algum momento, o funcionário da Fazenda Estadual poderia verificar se o livro identificado pelo ISBN 978853230860-0 (é o do meu livro, O Brasil pode ser um país de leitores?) usou o papel declarado para sua impressão.
Ledo engano.
Em primeiro lugar, o papel adquirido para imprimir o livro não foi usado somente para ele. Pode ter sido usado também na produção de outros títulos. Ou, vice-versa, pode ser impresso com papel que sobrou da impressão de outros livros, etc.
Em segundo lugar, o banco de dados da Fundação Biblioteca Nacional que administra o ISBN é universalmente reconhecido no mundo editorial como uma porcaria. Ninguém consegue uma listagem decente dos ISBNs. Consultar um ISBN no site da BN é algo que depende de sorte.
E, depois de se negar a usar os dados da Receita Federal, os burocratas da Fazenda Estadual do Condado de Serra dos Tucanos acham que podem usar os dados do ISBN para fazer qualquer tipo de controle.
E mais. O número do ISBN pode ser gerado por dezenas de programas baixados gratuitamente da Internet. Aplica-se o código do país (97885), inventa-se um código de editora e o programa gera o sequencial e o dígito verificador. Aí se tem um ISBN que passa pela verificação automática e não existe nos dados da BN. E a gráfica trambiqueira usa um ISBN falso para comprar papel imune, passa por toda a ciranda bolada pela Secretaria de Fazenda, usa o papel do jeito que quiser e fica por isso mesmo.
O Recopi não vai evitar a malandragem. Os malandros já sabem como dar a volta nessa traquitana.
E quem paga o pato são as editoras que vão ter aumento de custo operacional, aumento da burocracia, eventuais atrasos na produção de livros. Em suma, uma bruta aporrinhação a troco de nada. De rigorosamente nada. A menos que, no fundo, o que a Fazenda do Condado Serra dos Tucanos queira acabar, na marra, com a imunidade fiscal, forçando o uso do papel tributado também na fabricação de livros.
Nos últimos anos o Governo Federal tomou medidas para desonerar o que restava de imposto e contribuições incidentes nos livros (PIS/PASEP-COFINS). Aumentou substancialmente as compras governamentais, tanto de livros didáticos (além do programa de livros para o ensino fundamental, o PNLD, criou o programa do livro para o ensino médio, o PNLEM, para a Educação de Jovens e Adultos e ampliou o programa Biblioteca da Escola), através do MEC, quanto de aquisições para bibliotecas públicas através do Ministério da Cultura.
A Secretaria da Fazenda do Condado Serra dos Tucanos, também conhecido como Estado de S. Paulo, está fazendo o caminho inverso: criando dificuldades.
Será que alguém vai acabar vendendo facilidades?
[1] Publicado no site Cultura e Mercado em 29 de março de 2010 – s://culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/quem-sai-aos-seus-nao-degenera/
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