Matéria do jornal O Globo de hoje aponta favorecimento do presidente da Funarte ao grupo Ágora, do qual é fundador. Além de aprovar o projeto na Lei Rouanet em tempo recorde, o grupo foi favorecido pela Petrobras, sem participar de editais públicos. Classe teatral acusa Celso Frateschi de tráfico de influência. De outro lado, funcionários Fundação Nacional de Artes enviam manifesto ao Ministro da Cultura solicitando demissão do acusado.
Acompanhe a íntegra das matérias publicadas hoje em O Globo:
Parecer recorde
Projeto de grupo teatral ligado ao presidente da Funarte recebe tratamento diferenciado na aprovação da Lei Rouanet
André Miranda
Em 30 de novembro de 2007, um projeto de um grupo de teatro foi enviado para parecer técnico da Funarte, a fim de conseguir sua aprovação na Lei Rouanet. Três dias depois, o gabinete da mesma Funarte pediu urgência para a análise do projeto, e, no dia 6 de dezembro, uma resposta favorável foi concedida. O tempo é considerado recorde, numa instituição em que pareceres técnicos, sobretudo no conturbado ano de 2007, demoram dois, cinco ou até 13 meses para sair. O projeto, inscrito na Funarte com o número 07-10101, era o do plano anual de atividades do Ágora, grupo de teatro fundado pelo próprio presidente da Funarte, Celso Frateschi, e atualmente coordenado por sua mulher, a cenógrafa Sylvia Moreira, e pelo diretor Roberto Lage.
O projeto do Ágora foi inscrito na representação regional do Ministério da Cultura (MinC) em São Paulo em 26 de outubro de 2007, com um pedido de patrocínio de cerca de R$ 1,3 milhão. Dali, depois de todos os procedimentos burocráticos para sua aprovação na Lei, o projeto foi autorizado a captar recursos em 26 de dezembro do mesmo ano, numa tramitação que levou apenas dois meses. O período é apontado pela classe teatral como o mais difícil para a aprovação de projetos, devido à greve de 73 dias dos servidores do MinC e do acúmulo de trabalho para os pareceristas — em dezembro de 2007, o corpo de pareceristas da Funarte contava com apenas sete técnicos externos e quatro servidores.
— Artistas do peso da Fernanda Montenegro e do Sergio Britto estão há quase um ano esperando a aprovação de um projeto. Mas o Celso Frateschi conseguiu aprovar a captação em dois meses. Ele deve ser uma pessoa muito bem relacionada. A classe teatral só fala nisso — afirma o diretor Flávio Marinho.
Enquanto tentava aprovar a proposta da montagem “Além do arcoíris”, Marinho conta que acabou perdendo o patrocinador, que destinou sua verba a outro projeto. O monólogo escrito por ele para a atriz Luciana Braga recebeu a autorização para captar recursos no dia 22 de setembro deste ano, 13 meses depois da entrada do projeto no setor de análise técnica da Funarte. Também em 2007, o grupo Armazém inscreveu o projeto de manutenção de sua companhia na Lei Rouanet. A proposta chegou ao setor de análise técnica da Funarte em 23 de novembro de 2007, mas o parecer só foi emitido no dia 10 de abril de 2008, quando a produtora foi finalmente informada sobre a pendência de uma certidão, sem a qual o projeto não seria aprovado.
— Esse limbo em que ficamos é extremamente desgastante. Passa-se muito tempo até chegar o retorno sobre o projeto. Depois disso, já mandei a documentação várias vezes. O tempo passou, e o grupo deixou de receber um patrocínio da Petrobras, que já estava garantido. Tentaremos fazer as correções pedidas novamente e reaproveitar o projeto para 2009, mas é sempre uma interrogação — queixase Simone Mazzer, atriz e produtora do Armazém. Já em 14 de janeiro de 2008, um projeto proposto pelo grupo paulista Teatro da Vertigem, para a montagem de seu espetáculo “BR-3”, chegou à Funarte para análise técnica. O parecer só ficou pronto e foi encaminhado para o Minc em 19 de junho.
— Até hoje, o projeto não foi aprovado. Tenho outras propostas com outros grupos de teatro na mesma situação. A demora e a burocracia são enormes. A Funarte diz que a greve do ano passado causou o acúmulo, mas o trabalho do órgão sempre foi muito lento. Neste ano, porém, houve duas melhoras: passamos a receber o número do processo do projeto em 48 horas; e também foi criada uma portaria que agiliza a prorrogação de projetos aprovado sem outros anos — conta Henrique Mariano, produtor do Vertigem.
No caso do Ágora, o projeto aprova dono fim de 2007 foi captado meses depois. O patrocínio veio de forma direta, sem a necessidade de edital, pela Petrobras, num contrato assinado em 4 de março de 2008. De acordo com a empresa de controle estatal, foram destinados R$ 300 mil para uma temporada, a preços populares, de cinco espetáculos do projeto Machadianas II, que transpôs para o palco contos de Machado de Assis.
— As regras deveriam ser iguais para todo mundo. Não pode ter uma regra exclusiva para um representante do MinC. É triste saber que, enquanto nós estamos penando com projetos, um colega que está temporariamente num cargo público tem um privilégio desses. É porque ele é presidente da Funarte? Se o projeto do Ágora foi aprovado em dois meses, eu quero que todos os produtores tenham seus projetos aprovados em dois meses. E ainda recebeu patrocínio da Petrobras sem edital. Os critérios têm que ser transparentes — diz o produtor teatral Eduardo Barata. A Petrobras informa, porém, que outros grupos importantes do país, como o Galpão, o Corpo e a Intrépida Trupe, também recebem verbas diretas da empresa, sem a necessidade de edital. No caso do Ágora, isso ocorreu em outras duas ocasiões: R$ 393 mil em 2006 e R$ 606 mil em 2007.
Servidores pedem troca na direção da Funarte
Manifesto enviado para o ministro da Cultura sugere a saída do presidente Celso Frateschi
Da Redação
Os servidores da Funarte enviaram, no fim da semana passada, um manifesto ao ministro da Cultura, Juca Ferreira, pedindo mudanças na direção do órgão.
A carta foi votada numa assembléia geral realizada em 23 de setembro e chama a situação da Funarte de “caótica”.
Segundo o texto, “a atual gestão tem-se mostrado extremamente autoritária, criando um clima de intimidação e desrespeito para com os servidores”.
O manifesto lembra, ainda, que a Funarte, presidida pelo ator e diretor teatral Celso Frateschi, exonerou 20 servidores de cargos comissionados.
“A Funarte está praticamente reduzida à condição de mera repassadora de verbas, tentando conceder prêmios e bolsas por meio de editais mal elaborados”, diz a carta.
Além da carta, os servidores prometem, para amanhã, uma manifestação na porta do Teatro Municipal, quando o ministro Juca Ferreira e o presidente Lula estarão no Rio, para a solenidade de condecoração da Ordem do Mérito Cultural.
No último sábado, reportagem do Segundo Caderno, do GLOBO, mostrou que um projeto do grupo teatral Ágora, fundado por Frateschi, foi avaliado em tempo recorde, pela própria Funarte, a fim de conseguir sua aprovação na Lei Roaunet.
´Não houve conflito de interesses´
Frateschi diz que outros projetos também foram adiantados
Da Redação
Celso Frateschi garante que o grupo de teatro Ágora não se beneficiou com o fato de ele ser presidente da Funarte. Ator e diretor teatral, Frateschi assumiu o cargo no início de 2007, em substituição a Antônio Grassi. Antes, suas principais experiências em cargos públicos haviam sido como secretário de Cultura das prefeituras de Marta Suplicy, em São Paulo, e de Celso Daniel, em Santo André. Em setembro, ele aproveitou suas férias na Funarte para dirigir pelo grupo Ágora a peça “ Tio Vânia” , de Anton Tchekhov.
— Eu nunca ganhei nada com o Ágora. Ele é uma entidade de pesquisa, sem fins lucrativos. Nem sequer salário tem lá — diz. — O projeto do Ágora não passou a frente de ninguém. Não houve conflito de interesses. O que ocorreu foi um atraso enorme nas aprovações e, por isso, vários projetos foram adiantados. Em dezembro de 2007, mais de 500 projetos foram aprovados para se tentar diminuir o estrago dos atrasos.
Como exemplo, Frateschi cita o projeto da peça “Hamlet”, em cartaz em São Paulo, que foi inscrita no Ministério da Cultura em 5 de novembro de 2007 e aprovada em 26 de dezembro. O presidente da Funarte afirma que, naquele período, recebeu dúzias de pedidos para agilizar processos por conta de garantia de patrocínios. — O Ágora tinha uma garantia da Petrobras, já que fomos patrocinados em outros anos. Por isso ele foi incluído entre os projetos aprovados com rapidez. A relação entre a Petrobras e o Ágora precede minha atuação na Funarte — diz. A Petrobras, porém, informa que só avisou ao Ágora que havia interesse de patrocínio em 11 de dezembro de 2007 — ou seja, depois do parecer da Funarte. Também não houve carta de intenção de patrocínio, procedimento que costuma agilizar a aprovação de projetos.
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