Foto: Tortipede
Vivemos um momento histórico interessantíssimo. O debate sobre a função pública dos órgãos de comunicação, antes confinado a grupos de resistência, chega com um atraso considerável ao grande público, o que reflete o nosso lento estágio de democratização. Mas não significa que devemos utilizar as pautas e lutas do século passado para tratar de questões do século XXI.

A conferências nacionais de cultura e de comunicação abordaram o tema da democratização dos meios de comunicação de maneira incisiva e definitiva. O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) também aponta para a necessidade de garantir a finalidade pública e o controle social sobre a mídia. Acordamos um gigante.

A reação dos conglomerados de mídia é tão precária e frágil quanto a reivindicação de certos movimentos que lutam por voz e espaço na grande mídia. O distanciamento entre a realidade da constituição atual do mercado de comunicação, não só no Brasil, mas em todo o mundo, é muito mais complexo do que há 10 anos.

Os modos arcaicos de legitimação política das oligarquias políticas regionais, baseadas na concessão de radiofusão e filiação à Rede Globo, por exemplo, ainda sobrevivem e constituem a base do mapa do poder midiático do país. Sarney e Collor são os exemplos mais marcantes dessa realidade. Mas já existe uma queda de braço na composição desse poder, não só pela constituição de uma rede nacional mais coesa da Rede Record, mas também pelo crescimento de grupos comunicacionais regionais, com filiações das mais diversas aos grandes grupos de presença nacional.

O monopólio da Rede Globo, em âmbito nacional, já não é algo definitivo como na ditadura militar. Pressionada tanto pelos grandes grupos mundiais quanto pelos movimentos da concorrência interna, temos hoje um ambiente de maior diversidade, sobretudo pela crescente presença dos meios digitais.

A presença política da Globo, porém, ainda continua marcante. Sua vontade imperou tanto no abandono do projeto de TV Pública, traçado no primeiro mandato do Lula, quanto na definição do modelo de TV Digital. Mas é inegável o espaço concedido aos movimento de resistência e promoção da democracia midiática e da diversidade cultural. As conferências são os melhores exemplos disso.

O que ocorre é um desnivelamento entre as formas de interlocução. A pauta e as demandas dos grandes grupos empresariais colide, por moral e princípio, com os movimentos libertadores. Óbvio. A arena pública, televisionada, aberta, democrática, nos dá a sensação de substituir a conversa de gabinete, os lobbies e decisões na calada da noite.

Não participei da Confecom, mas acompanhei boa parte pela Internet. Minha análise é de que a pauta está colocada. A opinião pública já não se faz como antigamente. Os leitores dos jornalões começaram a desconfiar dos escritos sagrados e ter acesso a outras fontes de informação e opinião.

A acusação de cerceamento de liberdade de imprensa, uma garantia constitucional recente, mas quase tão importante quanto a primeira emenda norte-americana, é infundada. Funcionou no primeiro mandato, quando as propostas da Ancinav e do Conselho de jornalismo assombravam a mídia. O governo recuou, covardemente, pois embora estivessem mal colocadas, as questões eram relevantes.

Precisamos abrir a discussão, dissecar as várias facetas da nossa legislação, precisamos rever concessões e, sobretudo, a distribuição pública de publicidade, que ainda sustenta esses poderes. A criação de um Fórum Nacional amplo, de consultas públicas e a ampliação do debate, por meio de conferências, sobretudo municipais e regionais, que necessitam de mais tempo, preparação e rigor metodológico, são fundamentais para criar um movimento nacional consistete e permanente de controle público da comunicação.

Precisamos aprender a qualificar e ampliar os movimentos em torno da democratização da cultura e dos meios de comunicação, para buscar uma reforma profunda, discutida e articulada com movimentos sociais, partidos políticos e empresários do setor. A questão é vital para a consolidação da democracia, para a formação do cidadão brasileiro e para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país.

Recomendo a leitura e o acompanhamento das discussões promovidas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC e pelo Observatório do Direito à Comunicação.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

5Comentários

  • Helena, 21 de janeiro de 2010 @ 9:03 Reply

    A liberdade de imprensa é tão grande nesse governo, que infelizmente não podemos confiar mais nos noticiários televisivos e impressos (Globo,Folha, Estadão, Veja e etc). A intensão de desmoralizar o atual governo fez com que essas publicações ou noticiários na TV não sejam dignos de credibilidade. A população está totalmente entregue às mentiras que os jornais insistem em mostrar. Por sorte há blogs de jornalistas empenhados em revelar o que a TV não mostra e recuperar um pouco da veracidade dos fatos (Vi o mundo, do Azenha é um deles).

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 24 de janeiro de 2010 @ 19:00 Reply

    A grande mídia unida contra a democracia
    Atualizado em 22 de janeiro de 2010 às 20:30 | Publicado em 22 de janeiro de 2010 às 20:05

    por João Brant, no Observatório do Direito à Comunicação

    Primeiro foram as críticas desqualificadoras da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Depois, os ataques contra as medidas do Programa Nacional de Direitos Humanos. Agora, os grandes jornais apontam suas armas para o texto-base da Conferência Nacional de Cultura. Em comum, propostas que visam algum grau de democratização da comunicação e veículos que não aceitam os princípios constitucionais e são contra a punição para violações de direitos humanos praticada pelos meios de comunicação.

    Os últimos dois meses foram agitados para os interessados na defesa da liberdade de expressão e do direito à comunicação. Leitores desavisados terão certeza de que a liberdade de expressão nunca esteve tão ameaçada. Segundo uma campanha do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), estão querendo soltar o monstro da censura. Para os mais tarimbados, fica ao menos a dúvida: que propostas justificam tamanho alvoroço das grandes corporações de comunicação? Por que motivo as matérias e argumentos são tão parecidos? Se a análise vai a fundo, desvela-se uma cobertura que escamoteia interesses privados e que se transforma em campanha propagandística. Com requintes de má fé.

    Farsa em três atos

    Em geral, quando se fala de “ações orquestradas da grande mídia”, esta é muito mais uma figura de linguagem do que uma literalidade. Na maioria das vezes, os grandes meios de comunicação são como um quarteto de cordas, que não precisa de maestro – os músicos se acertam pelos ouvidos e por discretas trocas de olhares. Mas isso não se aplica ao tratamento dado ao tema da comunicação no último mês. Quem leu os grandes jornais, por exemplo, percebeu que a Associação Nacional de Jornais assumiu o literal papel de maestrina para este tema.

    No caso da Confecom, o grande bloqueio se deu antes de sua realização, quando as principais entidades representativas do setor empresarial resolveram abandonar o barco. Bandeirantes, RedeTV! e as empresas de telecomunicações continuaram no processo até o fim. Das 665 propostas aprovadas, 601 obtiveram consenso ou mais de 80% de aprovação nos grupos de trabalho e nem precisaram ser votadas. Outras 64 foram aprovadas na plenária final, dentre elas nenhuma entendida por qualquer setor como tema sensível.

    Nenhuma das 665 propostas atenta contra a liberdade de expressão ou contra a Constituição Federal. Ao contrário, várias delas buscam ampliar o alcance da liberdade de expressão nos meios de comunicação (hoje restrita a seus donos) e regulamentar artigos da Carta Magna que estão há 21 anos sem ser aplicados, especialmente pela pressão contrária de parte do setor empresarial. Dois temas foram destacados pelos grandes veículos ao criticarem as resoluções: uma proposta que estabelece um Conselho Nacional de Comunicação e outra que estabelece um Conselho Federal dos Jornalistas.

    No primeiro caso, trata-se de um órgão para formulação, deliberação e monitoramento de políticas públicas, baseado nos princípios da Constituição, justamente com o papel de buscar equilíbrio no setor. Conselhos similares existem em várias democracias avançadas, inclusive nos Estados Unidos, onde ele é entendido como garantidor da liberdade de expressão. No segundo caso, trata-se de um conselho profissional da categoria, como já têm os médicos e advogados, cujo projeto inclui, como uma das infrações disciplinares de um jornalista, “obstruir, direta ou indiretamente, a livre divulgação de informação ou aplicar censura”. Como se vê, o oposto do que a maioria das notícias veiculadas tentaram dizer ao leitor.

    Segundo ato

    A farsa seguiu com a acusação de que o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos representaria uma peça autoritária. Um conjunto de medidas de defesa de direitos humanos, da memória e da verdade foi tachado como se fosse o oposto do que é. Deve ser por isso que os setores militares conservadores se rebelaram para defender os “princípios democráticos” que sempre os guiaram contra o “autoritarismo” daqueles que lutaram contra a ditadura. Alguém consegue acreditar?

    Nas propostas relacionadas à comunicação, duas pseudo-ameaças à liberdade de expressão. No primeiro caso, a defesa da regulamentação de um artigo da Constituição Federal com a indicação de que ele aponte punições para violações a direitos humanos. De novo não há aí nenhuma restrição, apenas a determinação de responsabilidades posteriores a publicação, como estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), ratificado pelo Brasil. Na ausência destas definições, estaremos legitimando o racismo, a homofobia e o uso de concessões públicas para defender assassinatos de pessoas, fato infelizmente recorrente.

    A outra proposta atacada foi a de “elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações”. Na prática, essa é a proposta de institucionalização da Campanha pela Ética na TV (“Quem financia a baixaria é contra a cidadania”), que nunca serviu para atacar liberdade de expressão, mas, ao contrário, ajudou a criar pontes entre os espectadores, usuários do serviço de rádio e TV e as emissoras. Estas, embora recebam uma concessão para cumprir um serviço público, nunca admitem se submeter a obrigações de serviço público, nem mesmo àquelas estabelecidas pela Constituição Federal. Alguns podem até questionar a utilidade desse ranking, mas certamente ele não representa ataque à liberdade de expressão. O restante da diretriz 22 (que trata sobre comunicação) do PNDH-3, trata da garantia ao direito à comunicação democrática e ao acesso à informação. Mas disso nenhum meio de comunicação falou.

    Terceiro ato

    As recentes críticas ao texto-base da Conferência Nacional de Cultura são o ápice da farsa (termo talvez mal-apropriado aqui, já que ela nada tem de cômica). O Estado de S. Paulo, O Globo e a Folha de S. Paulo atacaram o texto por ele dizer que “o monopólio dos meios de comunicação representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural”.

    A contestação foi à afirmação de que há ocorrência de monopólio nos meios de comunicação no Brasil. O trecho fica mais claro se citada a frase imediatamente anterior: “A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais”. É um texto, portanto, que defende as liberdades, e aponta a concentração nos meios de comunicação como ameaça à democracia e aos direitos humanos. Com ele concordariam até os republicanos dos Estados Unidos, como demonstram recentes votações no Congresso daquele país. Mas não os jornais brasileiros.

    É preciso deixar claro que “monopólio” ali é usado em sentido amplo e agregador. Até porque, embora a Constituição Federal (de novo…), em seu artigo 220, proíba a existência de monopólios e oligopólios, nunca houve a regulamentação deste artigo. Portanto o Brasil não tem como estabelecer critérios precisos para determinar se há ou não ocorrência de monopólio neste setor. Qual a referência? A propriedade? O controle? A participação na audiência? A participação no mercado publicitário? Todas as democracias avançadas estabelecem medidas não apenas anti-monopólios e oligopólios, mas anti-concentração, combinando os diferentes critérios citados acima. No Brasil, os únicos limites à concentração existentes foram estabelecidos em 1967 e são mais tênues do que os aplicados nos Estados Unidos, França e Reino Unido. O próprio Estadão já tocou, em editoriais recentes, no problema da concentração no rádio e na TV; agora nega sua existência.

    Também não passou despercebida pelos jornais a proposta de regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal, que prevê a regionalização da produção de rádio e TV e o estímulo à produção independente. A matéria usa uma declaração completamente equivocada do deputado Miro Teixeira para dizer que o artigo não admite regulamentação. Embora haja pareceres que defendem que o artigo pode ser auto-aplicável, o seu inciso III diz justamente que as rádios e TVs deverão atender ao princípio de “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”. Isto é, ele não só admite como solicita regulamentação. Bola fora ou má fé?

    Outro ponto atacado pelos jornais é o trecho em que o texto defende o fortalecimento das rádios e TVs públicas e sua maior independência em relação aos governos. Diz o texto preparado pelo Ministério da Cultura: “As TVs e rádios públicas são estratégicas para que a população tenha acesso aos bens culturais e ao patrimônio simbólico do país em toda sua diversidade. Para tanto, elas precisam aprofundar a relação com a comunidade, que se traduz no maior controle social sobre sua gestão, no estabelecimento de canais permanentes dedicados à expressão das demandas dos diversos grupos sociais, na adoção de um modelo aberto à participação de produtores independentes e na criação de um sistema de financiamento que articule o compromisso de Municípios, Estados e União”. Assim, o texto defende o controle social sobre as mídias públicas justamente para que estes veículos não sejam apropriados pelos governos. O foco é justamente a defesa da liberdade de expressão para todos e todas. Onde há ataque à mídia? Onde há ameaça à liberdade de expressão?

    Dejà vu

    Para quem acompanha esse debate, esse comportamento não é novidade, embora o tom raivoso e histérico nunca deixe de assustar. Parte dos meios de comunicação não aceita nenhum tipo de medida que possa diminuir o poder absoluto exercido hoje por eles. Regras que em outros países democráticos são entendidas como condições mínimas para o exercício democrático, aqui são tratadas como ameaças à liberdade de expressão. A grita esconde, na verdade, a defesa de interesses corporativos, em que a liberdade de imprensa se transforma em liberdade de empresa.

    A liberdade de expressão defendida por esses setores não é a liberdade ampla, mas a liberdade de poucas famílias. Contra qualquer medida que ameace esse poderio, lança-se o discurso da volta da censura, independentemente de não haver em nenhum desses documentos propostas que prevejam a análise prévia da programação. Independentemente de esses veículos negarem o direito à informação de seus leitores e omitirem informações e opiniões relevantes para a compreensão autônoma dos fatos, agindo de forma censora. Independentemente de os setores proponentes dessas medidas terem sido justamente aqueles que mais lutaram contra a censura estabelecida pela ditadura militar, da qual boa parte desses veículos foi parceira.

    Nessa situação, quem deve ficar apreensivo com a reação são os setores que tem apreço à democracia. Como lembra um importante estudioso das políticas de comunicação, foi com este mesmo tom de “ameaça à democracia” que estes jornais prepararam as condições para o acontecimento que marcaria o 1º de abril de 1964. De novo, aqui eles não mostram nenhum apego à Constituição Federal e ao verdadeiro significado da democracia. Obviamente não há hoje condições objetivas e subjetivas para qualquer golpe de Estado, mas os meios de comunicação já deixaram claro de que lado estão.

  • Daniel, 25 de janeiro de 2010 @ 18:22 Reply

    Mentiras e publicações irresponsáveis existem há alguns milhares de anos. Daí a necessidade de democratzação do conhecimento, pois cabe a cada um discernir os fatos!!
    Nunca teremos uma imprensa neutra totalmente. A questão é o conhecimento. Não acredito que nossa imprensa é tão ruim assim!
    Aliás praticamente todas as instituições no Brasil agem de forma irresponsável… E a culpa é nossa!

  • Hilton Assunção, 26 de janeiro de 2010 @ 11:03 Reply

    Concordo com o que está aqui colocado, adicionando que, em um país como o Brasil, com vasta diversidade cultural, não nos vemos representados no mesmo volume de nossa diversidade nos programas em rede nacional, a não ser nas catástrofes regionais expostas nos tele-jornais. O nível cultural do brasileiro classe média caiu muito. Creio que a “qualidade” do que é veiculado, principalmente nos canais de TV aberta, tem influência sobre o fato, e de fato temos vivido uma ditadura “midiática”, herança ainda do recente período de perseguição e extermínio de livres pensadores e intelectuais brasileiros. Não esqueçamos que a Rede Globo é o que é hoje, graças ao seu apoio irrestrito ao regime de exceção iniciado em meados de 1964. Deixo uma pergunta: Qual a necessidade de se criar trilha sonora internacional para novelas brasileiras? O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL.
    A tempo, visitem: http://www.hiltonassuncao.com.br

  • Maria Luiza de Paiva Diniz, 4 de fevereiro de 2010 @ 11:43 Reply

    O Problema é que estamos remando contra uma imagem populista e paternal.A grande massa não busca informações, sente-se protegida, e o espírito de protexto está adormecios. Todos reclamam diante do cerceamento da voz dos jornais. O Estadao está sob cebsura. Mas em que emissora de TV, vemos ainda os noticiários que desnudam as falcatruas dos grandes mandantes? Divulgam-se amenidades ou quando muito mostra-se ações de peixes menores que se amparam em jurisprudências geradas pelos peixões. Se o chefe da casa nada vê e tudo ignora ou é conivente, cultiva-se a política do deixa prá lá onde a não ética e a desonestinadade são coisas naturais, onipresentes. Será que os deputados e senadores nãO percebem que quanto mais se apontam os deslises nessas duas representatividades, mais se justifica fechar o congresso, as câmaras, e abrir-se precedências que justifiquem um regime ditatorial? Ou são todos simplórios, o que não creio.

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