Admito que apenas recentemente tomei ciência desse possível candidato. Por mais que corram, algumas notícias não são adeptas do triatlo. É preciso pedalar bem e nadar muito para alcançar o continente europeu. Considerando que a manchete associava vagamente as palavras “Huck” e “presidenciável”, fiquei sem compreender a coisa; nem a compreendi, nem a achei heroica. O absurdo era próprio da história em quadrinhos sobre aquele mastodonte verde que, açulado pela ira, retesava os músculos e partia para o ataque.

5923665190_cdbe540de8_zA última vez que ouvi falar de Luciano Huck foi ainda no Largo São Francisco, onde ele, assim como eu, tomou lições sobre leis e justiça. Corre à boca larga que Huck, calouro, teria desafiado a lúdica tradição dos trotes franciscanos que consistem em pinturas no rosto, seguido de um banho na Praça da Sé. Segundo consta, o enfrentamento não foi físico, embora tivesse relação com suas veias entumecidas: o sangue azul subiu-lhe à cabeça. Ante a iminência ser batizado no chafariz da Sé, onde só se lavavam os mendigos e os alunos da Faculdade de Direito da USP, Huck apelara para uma arma secreta. Dera a conhecer que, caso insistissem, enfrentariam retaliações futuras por parte de seu pai, o poderoso e milionário jurista Hermes Marcelo Huck, também professor da faculdade.

Convenhamos: se era filho de peixe, nada mais natural que o fizessem afundar de vez no espelho d’água – aliás, não sei se com alguma pancada. Havendo a pancada, será ela hoje perfeitamente desculpável, pois, à toda evidência, aquele batismo fora transformador na biografia desse nosso presidenciável. É provável que aquelas águas já tivessem o tom esverdeado que traz em si a esperança de uma salvação. E eis que Huck emergiu tão cônscio de si, que nem fazia mais sentido prosseguir na carreira jurídica. Quem sabe se não foi ali a descoberta da vocação? Esse desejo de amalgamar-se às massas televisivas? Esse gosto por caldeirões? Deixo aqui o enigma para seus biógrafos.

Mas o bonito das vocações é que elas sempre podem ser aprimoradas. Fico imaginando a cara de Huck enfiada no chafariz da Praça da Sé… Sem dúvida, foi ali que ele enxergou o lodo pela primeira vez. Tivesse ele a consciência social que parece ter hoje, seria o momento de agarrar num escovão e esfregar cada centímetro de sujeira. Mas a faxina teria sido apenas pontual e temporária. Pelo que entendi, o que ele deseja mesmo é expurgar a imundície de todo o território nacional. Daí decorre sua qualidade de presidenciável, embora não a assuma publicamente – e faz bem em não assumir; cada mergulho em seu tempo e profundidade.

Por ora, prosseguirá na televisão, engajado e engajando. É preciso orientar o povo brasileiro – claro, tudo será em benefício do povo –, esse povo tão sofrido e injustiçado. Se suas intenções de justiça boiarem como da última vez, em que orientou voto naquele senador naufragado em tanta lama, se isso acontecer… Bem, isso não tem a menor importância! O povo não lembrará disso. O importante é que Huck está na televisão, o povo está em Huck e a televisão está no povo.

Antonio Salvador é escritor e PhD-Candidate em Direitos Culturais pela Humboldt-Universität zu Berlin. Escreve a coluna “O Coice” às segundas-feiras.

Roma, segunda-feira, 15 de janeiro de 2018.


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Escritor. PhD Candidate em Direitos Culturais pela Humboldt-Universität zu Berlin.

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