O homem está sempre preocupado em preservar sua história e sua memória, colecionando artefatos. Ele tem acesso ao seu passado através de relatos ou depoimentos de testemunhas oculares, textos, enfim documentos. Quando se defronta com a coleção de imagens e objetos, particularidades da vida social, signos que habitam um museu, caverna moderna onde o homem urbano fixa nas paredes os enigmas de sua passagem no tempo ou no mundo. Com isso, não quero dizer que o museu é um caminho em direção ao passado, ele é um lugar de possíveis diálogos entre passado, presente e futuro. Olhar o passado é “estabelecer uma continuidade entre o que aparentemente deixou de ser e o que ainda vai ser”, (Frederico Morais).

Um abrigo do velho e do novo. Mas do que uma instituição de festas e inaugurações de exposições, ele tem um papel cultural importante, além, abrigar os registros do tempo, manifestações culturais de uma região, país ou de um determinado povo, objetos que testemunham o trabalho humano, é um veículo a serviço do conhecimento, da educação e da informação que contribui para o desenvolvimento da sociedade. Os museus são instituições com tipologias diferentes que guardam acervos, peças integrantes da memória cultural de uma cidade, de um país. O ato de colecionar foi uma das ações que estimulou o seu surgimento e a própria coleção vai educando o olhar, impondo exigências, critérios, qualidades, exigindo espaços adequados, etc. e a necessidade de ser vista. Vai se constituindo num patrimônio que precisa ser preservado. Seu destino é o museu.

2006 é o ano nacional de museus determinado pelo Ministério da Cultura. Como pensar os museus e sua função cultural nos tempos difíceis que estamos vivendo? Eles passam por problemas como: falta de recursos, de profissionais especializados, sem instalações adequadas, enfim falta uma política pública para os museus que os vejam não como dispositivos da indústria de entretenimentos. Mas se a própria universidade, o lugar da produção de conhecimento, vem perdendo a intimidade com a reflexão e se transformado numa fábrica de mão de obra especializada, o que podemos esperar de uma instituição museológica, neste contexto? Para um pré-socrático chamado Parmênides: saber é um discernir, para Sócrates e Platão (alegoria da caverna), um discernir sobre o que é real e sua sombra projetada na parede da caverna. Aprendemos com Espinosa que se não há pensamento não há liberdade. O homem é escravo do que não conhece. Esquecemos os gregos, desprezamos a filosofia e o exercício da reflexão e estamos construindo uma cultura descartável. Não há mais questão cultural em jogo, mas um jogo de interesses da sociedade do espetáculo e da indústria cultural.

Desde quando a política e a economia reservaram à cultura um espaço quase que insignificante, dentro das prioridades da vida urbana, interesses alheios comprometeram o funcionamento das instituições culturais. A cidade precisa de tecnologias, partidos políticos, técnicos, políticos, empresários, especialistas em áreas diversas, etc., mas acima de tudo, precisa de uma tradição cultural e do exercício da cidadania, para que ela própria signifique. Um museu guarda mais do que obras e objetos de valor e de prestígio social, uma situação, um fragmento da história, portanto um problema cultural. Tudo que nele é exibido deve ter um compromisso com o conhecimento, a memória e a reflexão. Sua programação não deveria ser decidida por patrocinadores que tem como objetivo final vender produtos muitas vezes até desnecessários, e circular uma imagem de que está contribuindo para o “desenvolvimento cultural”.

Estas instituições não são fantasmas do mundo civilizado alimentadas pelo olhar apressado das câmaras fotográficas do turista curioso ou do olhar atraente e mundano do público das vernissages. Estão a serviço do pensamento crítico da sociedade e sua história, portanto um laboratório reservado a estudos, experimentações, integrando produtores e consumidores de produtos culturais. Vinculadas a um saber especifico, que toda comunidade tem direito ao seu acesso, mas na prática são espaços restritivos do ponto de vista intelectual, principalmente em cidades sem uma “tradição cultural museográfica”.

Sua localização geográfica é fundamental no sentido de facilitar o acesso de estudantes, curiosos, turistas, do público em geral que lida com as diversas formas de saber. Em cidades como Salvador, um museu poderia ser um agente de contribuição na revitalização do centro da cidade, quando ele está próximo dos serviços urbanos oferecidos, como sistema de transportes coletivos e segurança. Bom para a cidade e bom para o museu. É preciso inventar soluções compatíveis e possíveis com os poucos recursos disponíveis, para garantir sua vitalidade.

O que é visitar um museu? O que se busca nele? Um museu é um centro de informação e reflexão, onde o homem se reencontra com as possíveis invenções da estética, a história e a memória. Seu conceito foi ampliado e renovado nos fins do século XVIII, com o advento da revolução francesa. Mas sem um projeto cultural que valorize seu próprio acervo e o que nele é exposto, sem deixar que eles se transformem em suportes para marcas publicitárias, o museu é apenas um lugar que atrai olhares dispersos, sem interesses culturais.

Sem recursos financeiros e depois que a responsabilidade cultural foi transferida para a iniciativa privada que tem como principal critério de seus patrocínios o impacto na mídia, muitos museus vêm se transformando em instituições de entretenimento para atrair grandes públicos consumidores de subprodutos culturais, quem sabe também futuros consumidores das marcas que patrocinam os seus eventos.

Os museus, em particular os de arte, ultrapassaram a simples função de guardar e preservar bens culturais e assumiram várias tarefas e outras funções como o ensino livre da arte, foram equipados com bibliotecas, auditórios para debates, conferências, cinemateca. Umas das principais vanguardas brasileiras na arte o “Neo-Concretismo” surgiu praticamente no curso do prof. Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. As oficinas de arte Museu de Arte Moderna da Bahia vêm prestando um trabalho social e educativo na formação de artistas e público. A prática museológica tende a se ampliar e integrar o desenvolvimento urbano, seu objeto de estudo diz respeito também à paisagem urbana, ruas, praças, quarteirões. “Museu é o mundo; é a experiência cotidiana…”, (Hélio Oiticica). As cidades, principalmente as cidades históricas são espaços museográficos.


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Artista plástico, poeta e arquiteto.

1Comentário

  • evany, 11 de julho de 2008 @ 21:31 Reply

    Bom o texto de Almandrade.
    Porem desejo fazer uma corrigenda.
    Na época em que surgiu o Neoconcretismo, o meste Ivan Serpa, -cujas briilhantes aulas frequentei- manteve-se fiel aos princípios da Arte Concreta.. Foi o meu outro mestre, Aluisio Carvão que iniciou uma ruptura com o Concretismo, estabelecendo um princípio semi-orgânico na representação de seu revolucionário Cubo de Cor, apresentado no início de 1962. já o Ivan Serpa tempos depois desligou-sa da Arte Concreta, passando a criar dentro da área do figurativismo expressionista. Ivan Serpa NUNCA aderiu ao Neoconcretismo.
    Este período, de 1950 até 1975 é dos mais ricos da arte brasileira. Até podia ser que houvesse algum mundanismo em torno das exposições no MAM aqui do Rio, mas até este possível mundanismo era irrelevante, porque o debate cultural era muito maior e mais intenso. Este debate cultural era análogo à representatividade do país. Existe uma relação entre produções artísticas e desenvolvimento, mas isto não é explicável agora.
    Porem, com certeza, artesanato popular não tem nada a haver com desenvolvimento e relações internacionais. .
    Costumo explicar aos alunos mais jovens que um museu é um local
    para guardar valores, coisas de significado importante para a memória. e visão reflexiva,. Um museu é de imenso valor para a comunidade, representando um lastro espiritual de outras riquezas. É um local de culto semi-profano. Cito um país rico como a Holanda, com o seu principal banco, onde está o dinheiro da país. Mas o grande dinheiro do banco da Holanda de pouco valeria sem o lastro em ouro. O dinheiro do Banco da Holanda é garantido pelo imenso lastro em ouro. Porem o lastro moral desta riqueza material da Holanda é o Museu do Reino, com seus Rembrandt, Van der Weyden, Vermeer. Logo, museus e cidades museográficas se constituem como lastro moral de identidade de um país, alem claro, de patromõnio.. Os museus que expoem produções contemporãneas induzem á visão reflexiva e oferecem ao publico os fatores mais instigantes que traduzem recados para a leitura sobre o “what is going on” na sociedade. contemporãnea.
    É lembrar que a arte informa…

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