O mundo explode em conflitos urbanos, ataques com apedrejamentos a instituições financeiras exigindo transformações profundas nas relações entre capital e trabalho. Investidores e grandes corporações financeiras mergulharam num ensandecido financismo e levaram o planeta à banca rota, a uma crise que ainda não se sabe a exata extensão e, muito menos, os estragos que ela proporcionará à população global.
O financismo repousa em um paradoxo lógico emanado dos pressupostos básicos da livre-iniciativa. O que, na realidade se revela é a manipulação de agências de avaliações de risco de investimento e, agora, em caixas de pesadas instituições de investimentos vazias e quebra generalizada da confiança, enfim, um quadro de calamidade e perplexidade no mundo.
No entanto, a história mostra que, através de desequilíbrios, são criadas as condições para o acúmulo de capital em mãos de grupos mais dinâmicos – que passam a comandar o ciclo seguinte que é hoje anunciado como o terceiro setor. Um acúmulo dispare de funções que, fundidas, se constituem numa mentira seqüenciada, algo que se diz capaz de abraçar os desequilíbrios que a própria lógica capitalista produziu. Imaginem!
Então, assistimos, e cada vez mais freqüente, a arte ser jogada numa betoneira para servir de massa na produção de blocos de concreto armado com o intuito de erguer verdadeiras “Esfinges de Gizé” nos centros financeiros do Brasil, nomeadas de “fundações e institutos culturais” e, com isso vemos também as madrinhas das artes e letras ampliarem seus espaços e parcerias e, assim, vão ditando diretrizes, focando seus interesses e expandindo o seu campo nas dinâmicas da sociedade. Contratam pensamentos para redigir conceitos prontos em textos e espalhar leis de comportamentos socioculturais. Os senhores têm idéia do perigo disso para um país?
Fico alarmado quando vejo, num primeiro balanço, o Instituto Itaú Cultural ser o principal beneficiado com a Lei Rouanet num montante assustador para um país com profundas desigualdades e carências nas áreas da educação, da saúde pública, do saneamento básico, além de um enorme contingente de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, ou seja, miséria absoluta. Então vemos a maior instituição financeira privada do país o banco Itaú levar a maior bolada de recursos da lei de incentivo a cultura, Lei Rouanet, recursos públicos que deveriam ser aplicados na produção cultural. Isso é uma afronta.
No Brasil, este modelo irresponsável de desenvolvimento é fruto de uma lógica perniciosa a partir do lobby das grandes corporações que induzem, através do direcionamento, um foco aonde tudo desemboca nos grandes centros urbanos, nas mãos de pesados grupos econômicos, principalmente na cidade de São Paulo, como bem disse Milton Santos, e que também já falei, mas não custa repetir.
“Comando propriamente político, que inclui a regulação normativa, financeira, informacional, tende a se concentrar em um número menor de lugares, sendo que no Brasil esse papel é realizado, sobretudo por São Paulo”. “Brasília pode criar as grandes normas impulsionadoras ou limitadoras da ação, mas o uso dessas normas está subordinado ao interesse dos agentes mais poderosos. Em outras palavras, sendo o papel ativo da regulação ligado, como é à ação, confere ao lugar que decide dos investimentos e de sua modulação a capacidade de promover uma história de concentração e de dispersão.” (Milton Santos e Maria Laura Silveira) “O Brasil – Território e Sociedade no início do século XXI”.
No caso especifico da arte o que se torna cada vez mais comum é a valorização profissional a partir de uma cadeia curricular alheia a arte, e a substituição do meio natural por um ambiente excessivamente técnico-cientifico-informacional. E a linguagem migra das áreas humanas – simbólicas – artísticas para mergulho no obscurantismo de elaboração e celebração de negócios, percepção de ativos e investimentos, parcerias estratégicas, Rights Clearance que cria facilidades seletivas direcionadas a grupos e corporações empresariais do macro capitalismo.
É esta linguagem hoje que domina os discursos contrários às mudanças na lei de incentivo à cultura, vinda de alguns agentes relacionados às áreas de elaboração de planos e negócios, ligados ao chamado terceiro setor, onde estão alocados os interesses predominantemente neoliberais. E o que vemos? Uma produção incrível de contradições, clichês e de pânicos para substanciar valores sinuosos e nada democráticos.
Para que não fiquem dúvidas em minhas análises sobre alguma forma de preconceito quando rebato as lógicas neoliberalizantes de um secretário da área econômica, João Sayad, que migrou para a pasta da ”cultura” no estado de São Paulo e que anda agora a ser exibido como guru pelos neoliberais que, por sua vez, produzem a idéia de que as necessárias mudanças de rumos e padrões da nova lei de incentivo à cultura obedecem a preceitos políticos partidários. Então, lanço mão de alguns trechos da análise do seu colega de partido, PSDB, Luiz Carlos Bresser – Pereira.
Abaixo, as colocações feitas por Sayad no evento promovido pela Folha de S. Paulo para discutir a nova lei de incentivo a cultura:
“É dinheiro público sim”. Isso não diminui, não muda nada a natureza. Mas a decisão sobre esse dinheiro público será tomada pelas empresas. “Para mim está bom” “Parece-me mistificação, colocar o problema de um ponto de vista conflitivo que me lembra minha época de estudante de economia, quando a gente tinha aquelas teorias de que o Nordeste é pobre e São Paulo é rico, o Brasil é pobre, porque os Estados Unidos são ricos, chamada política de ressentimentos”. (João Sayad).
E também alguns trechos do artigo de Bresser Pereira sobre a crise mundial:
“Os anos da hegemonia neoliberal e da criação de riqueza fictícia – as taxas de crescimento baixaram, a renda voltou a se concentrar nas mãos dos 2% mais ricos da população e a instabilidade financeira aumentou em toda parte, culminando com a crise global de 2008”.
“A partir desse reducionismo político, desmoralizava-se o Estado e sua lei, reduzia-se o papel dos valores e se estabelecia a permissibilidade favorável aos ganhos fáceis. Não foi por acaso que o livro publicado por John Kenneth Galbraith em 2004 chamou-se Economia das Fraudes Inocentes”. (Luiz Carlos Bresser – Pereira).
“Essa ideologia não é nem liberal nem conservadora, mas caracterizada por um individualismo feroz e imoral”.
“A hegemonia neoliberal trouxe consigo a deterioração dos padrões morais da sociedade”
Enfim, o que fica claro nos resultados apresentados pela Lei Rouanet é que ela é um processo que, desde a sua nascente, acompanha todo um sistema monitorado e corrompido pelo financismo. Ou seja, a Lei Rouanet nasce podre, se desenvolve num ambiente imundo e deságua no esgoto das piores práticas neoliberais.
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