Então é isso. A propalada instrução Normativa que estabeleceria novos critérios e aprimoramento ao Programa Nacional de Apoio à Cultura, nosso conhecido Pronac, gerou seu filho bastardo. Como certos maridos, as entidades culturais partícipes do processo só ficaram sabendo do texto de lei proposto pelo Minc no início desta semana que passou. E muito embora anunciado e esperado há quatro anos atrás, os responsáveis paternos pelo texto exigem que a sociedade o reconheça em (apenas) 45 dias. Resumindo, estamos diante de algumas preocupações e surpressas ameaçadoras.
A reação que desperta o texto acalentado pelo Minc está até mesmo no que ele insinua melhorar, que seria a criação dos fundos, quando ao mesmo tempo aponta para um vazio das origens de seus recursos e acentua a indefinição dos rumos de suas futuras regulamentações, momento em que somente ao Minc pertenceriam o enxoval completo, com direito à faca, ao queijo e ao apetite.
Prazo de validade
O vazio, afinal, não parece estar apenas nas entrelinhas, mas também no entendimento dos que elocubraram semelhante texto. Outra de suas ameaças é assumir implicitamente a interrupção total da produção cultural incentivada, pois a extinção da Lei Rouanet, que abre espaço para ser criada a Lei Ferreira, estaria vinculada ao dispositivo de outra lei que determina que, doravante no Brasil, qualquer lei de incentivo não poderá durar mais do que cinco anos.
E importante resaltar que estamos diante de um tema de extrema relevância para o País e que este não nos dará a indulgência por qualquer engano cometido deliberadamente. O Instituto Pensarte, como articulador nato do panorama cultural brasileiro, preocupa-se com a qustão e por isso fez um chamado para analisar e discutir o conteúdo do texto apresentado. Foram programados seis encontros abertos à participação de todos e que acontecem consecutivamente às quartas feiras, na sua sede.
Ampliar para democratizar
Participei do primeiro encontro, dia 25, e confesso que sai de lá com mais dúvidas do que quando entrei. É que eu tinha como certo que a desejada alteração da Lei Rouanet seria para aperfeiçoar os instrumentos de incentivo ao setor cultural, mas não é isso o que depreendemos do texto até agora adotado. Outra dúvida que nasceu em mim: o Minc trabalha contra ou a favor da classe cultural?
Em termos gerais, o referido texto de lei vem literalmente “de” encontro a alguns desejos básicos não apenas do setor cultural, mas de toda sociedade brasileira. O choque se dá, principalmente, na falta de avanços no plano da acessibilidade e democratização dos produtos e serviços da cultura e na manutenção de restrições ao patrocínio por parte de um número maior de empresas, mantendo como fato pétreo a exclusão da participação das empresas optantes do Lucro Presumido e do Simples, e continuando acessível somente às empresas que adotam o sistema do Lucro Real, isto é, deixando a grande maioria delas do lado de fora.
Cada absurdo em seu devido lugar
Avaliando sem hipocrisia a realidade que temos, não nós é motivo de preocupação saber que a Lei Rouanet disponibiliza, ao menos teoricamente, cerca de R$ 1,5 bilhão anual ao setor cultural. Pelo contrário. O que dói é saber que o orçamento do Minc é apenas um terço deste valor. Isso sim, é um absurdo.
Tampouco nos preocupa saber que é no eixo Rio-São Paulo que a lei é mais utilizada. Parabéns. Como morador e produtor de cultura em Goiânia, Goiás, o que achamos um absurdo é a lei não prever novos sistemas compensatórios para atrair a participação das empresas nas regiões menos densas e de menor média percapita no PIB. Quer dizer, não é preciso mexer no que está dando certo, mas sim no que não está funcionando satisfatoriamente.
O placar de goleada
Enquanto o jogo já vai alto e o Minc vai perdendo chances de realmente aprimorar a lei federal de cultura em mais uma administração perdida, o que nos preocupa de fato é a desoneração burocrática e o incentivo a novos parceiros patrocinadores, sempre pensando, também, na ampliação das contrapartidas do acesso e da democratização.
Como dado comparativo, sabemos que a Lei do Esporte corre célere e, diferente dessa nova lei que se quer, uma ferreira geral, a do esporte veio para ficar, sem prazo de validade.
Diga-se ainda que a Lei do Esporte contém os mesmos mecanismos da Lei Rouanet, com o realce de o marketing esportivo ser supostamente melhor percebido pelas grandes massas –e, consequentemente, pelos interesses de ganho das marcas patrocinadoras.
Sugestões é o que não faltam
Pensava-se, também, em dotar a lei Rouanet de uma funcionalidade efetiva, por exemplo, outorgando ao proponente uma maior autonomia, ao mesmo tempo em que aumentando suas responsabilidades. Tais iniciativas poderiam contribuir para aumentar a capacidade funcional da SEFIC, tão sobrecarregada, e potencializar a utilização da Lei, cujo patamar de captação anual nunca foi atingido.
Para isso, bastaria o investimento na outra ponta, ou seja, no setor de prestação de contas, que passaria a ter papel mais frontal, contribuindo para otimizar o tempo de vida útil dos projetos, ao mesmo tempo que aliviar o gargalo do processos internos, que atualmente vive uma situação de caos.
Enfim, são muitas as ideias que correm por aí. É só ter ouvidos e vontade republicana. Mas se ainda assim insistirem em batisar o texto bastardo, não esquecer de charmar o Gilberto Gil, que é o seu padrinho.
PX Silveira
Produtor de cultura áudio visual e de literatura crítica. Adminsitrador de política cultural e de artes visuais.
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