Apontando o risco de dirigismo governamental, editorial de ontem, dia 30 de março, do jornal Folha de S. Paulo, ressalta que apesar de algumas distorções, a Lei Rouanet vem permitindo que o Estado cumpra o seu papel de incentivar a produção cultural mais sob o controle da iniciativa privada que de luminares em Brasília.

O artigo ressalta ainda que o novo projeto da lei, atualmente em consulta pública, traz alguns avanços e outros tantos motivos para alerta.

Veja abaixo o texto na integra.

Jornal Folha de S. Paulo – 30/03/2009
Editorial
Nova Lei Rouanet

Governo inicia debate sobre reforma da lei de incentivo à cultura; falta detalhar meios para evitar dirigismo estatal

Apesar de algumas distorções, a Lei Rouanet vem permitindo que o Estado cumpra o seu papel de incentivar a produção cultural sem grande espaço para o dirigismo governamental. Ao longo de 17 anos, carreou cerca de R$ 8 bilhões para o setor, mais sob controle da iniciativa privada que de luminares em Brasília.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, deu agora a largada para o “aggiornamento” do diploma, por meio de consulta pública. O projeto divulgado traz alguns avanços e outros tantos motivos para alerta.

O mecanismo central de fomento -renúncia fiscal, por meio da dedução no imposto de renda de empresas patrocinadoras dos projetos aprovados- ainda não atende por completo aos objetivos de fomentar a produção e de distribuir cultura num país continental. Obras e eventos inovadores e de boa qualidade foram viabilizados por seu intermédio, mas também projetos de relevância duvidosa, ou que poderiam ocorrer sem tal subsídio.

Ferreira tem razão ao apontar que os recursos mobilizados tendem a sê-lo de modo concentrador (3% dos que propõem projetos açambarcam 50% dos valores) e regionalizado (80% do montante fica no Sul e no Sudeste). Hoje há duas únicas faixas de dedução, 30% e 100% do total despendido, e a maioria dos projetos recai na segunda.

Parece razoável a proposta de criar novas faixas, de 60%, 70%, 80% e 90%. Para efetivá-las, porém, o ministério sugere um vago sistema de pontuação que enquadre cada projeto num dos percentuais de renúncia.

Cogitam-se critérios como acessibilidade ao público, mas seria desejável que fossem mais detalhados já ao longo da consulta. Todo cuidado é pouco para impedir que a lei reformada se torne um instrumento para o arbítrio estatal. O governo poderia usar qualquer pretexto para discriminar este ou aquele setor cultural, sob inspiração ideológica, eleitoral ou paroquial.

Pela proposta ministerial, a definição teria apenas de ser aprovada pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic). Mesmo sendo um órgão paritário entre governo e sociedade, os representantes da sociedade ainda estão por definir. Aqui, também, seria preferível explicitar uma normatização que impeça a indicação de representantes chapa-branca, numa paridade de fachada.

Mais cautela suscita a ideia de Ferreira de fortalecer o Fundo Nacional de Cultura (FNC) por meio da criação de fundos setoriais -por exemplo para teatro, circo, dança, artes visuais e música. Eles dariam ao ministério liberdade para investir em projetos menos atraentes para a iniciativa privada, sem depender do mecanismo da renúncia.

A ideia faz algum sentido, pois a Lei Rouanet tem falhado em áreas com escasso apelo de mercado e na formação de talentos. Mas, de novo, abre-se, com um FNC vitaminado, a brecha tentadora do aparelhamento estatal da cultura.


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Jornalista e sócia da empresa CT Comunicações.

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