O mais recente livro de Maria Rita Kehl acaba de vencer o prêmio Jabuti de melhor livro de não-ficção do ano, gancho perfeito para eu apresentá-lo, ainda que de forma tardia, aos leitores de Cultura e Mercado. A partir de um estilo próprio que reúne depoimento pessoal com uma abordagem teórica profunda, mas longe de ser enfadonha e rebuscada, a autora baseia-se em sua experiência clínica em psicanálise para nos apresentar o universo da depressão como um sintoma social contemporâneo. Um tema muito comentado, mas pouco compreendido e aceito atualmente.
Em O Tempo e o Cão – A Atualidade das Depressões Maria Rita Kehl aprofunda o estudo da atualidade das depressões. Resgatando, inicialmente, a ideia pré-freudiana de melancolia, a autora mostra que esta figura dava um sentido e um lugar social reconhecido a certa dor de ser em culturas cujo ideal era vivido como impossível por certos sujeitos. O melancólico era um marginal, alguém que não se encaixava perfeitamente nos ideais da época, e que se recriminava por isso, sentindo-se indigno do amor do outro e de si mesmo. Mas ele era também alguém que resistia e que, a partir de um saber inconsciente, fazia a crítica dos ideais daquela cultura.
Para abordá-lo, Maria Rita faz um apanhado do lugar simbólico ocupado melancolia, desde a Antigüidade clássica até meados do século XX, quando Freud trouxe esse significante do campo das representações estéticas para o da clínica psicanalítica. Para ela: “Freud privatizou o conceito de melancolia; seu antigo lugar de sintoma social retornou sob o nome de depressão.”
O livro toca também na relação subjetiva dos depressivos com o tempo, chamado pela autora de temporalidade. Para a construção deste pensamento, são utilizados conceitos dos filósofos Henry Bergson e Walter Benjamin, ambos dedicados à reflexão sobre essa questão.
A clínica das depressões do ponto de vista da psicanálise está presente no terceiro ensaio, a começar pelo estabelecimento das distinções fundamentais entre a depressão e a melancolia. Aqui, a autora busca estabelecer as diferenças entre a posição subjetiva dos depressivos e as circunstâncias que determinam episódios pontuais de depressão nos obsessivos e nos histéricos.
Em dois momentos específicos da obra, Kehl aborda os psiquicos da indústria cultural nas sociedades contemporâneas, o que nos ajuda a compreender a complexidade da relação entre mídia, cultura e a formação das idetidades, o que faz da obra leitura obrigatória aos estudiosos de cultura e política cultural. Nesse sentido, apresenta-se como um aprofundamento das questões abordadas em Videologias, em parceria com Eugênio Bucci.
Reconhecida pela longa e compromissada trajetória profissional, Maria Rita Kehl lança seu segundo livro pela Boitempo Editorial. Acessível e profundo, o livro desperta o interesse não somente daqueles que têm relação direta com a psicanálise, mas também de quem deseja compreender a fundo a ação dos mecanismos sociais sobre a subjetividade humana.
Sobre a autora
Maria Rita Kehl é psicanalista, doutora em psicanálise pela PUC de São Paulo, poeta e ensaísta. É autora de vários livros, entre os quais se destacam Sobre ética e psicanálise (2002) e Videologias, escrito em parceria com Eugênio Bucci, publicado pela Boitempo em 2004.