Odilon Wagner é uma das figuras mais expressivas dos movimentos culturais no Brasil. Acompanha e envolve-se em inúmeras lutas e conquistas do setor. Ator, diretor e autor com forte presença no teatro, cinema e televisão, Odilon também presta consultoria de comunicação e imagem para atores, políticos e personalidades. Nesta entrevista a Cultura e Mercado ele analisa a gestão de Juca Ferreira à frente do Ministério e propõe concentrarmos esforços na busca por orçamento e não na divisão do setor entre os supostos privilegiados e os carentes de recursos.
Leonardo Brant – Uma das propostas da política cultural de Gilberto Gil é que ela fosse destinada para o povo brasileiro e não mais para os artistas. Tenho duas perguntas em relação a isso: a) Qual a situação dos artistas diante disso? b) O povo hoje pode contar com uma política cultural abrangente?
Odilon Wagner – Eu nunca entendi como isso seria possível, dissociar o trabalho do artista de seu foco que é o público. Essa proposta, como tantas outras idéias que surgiram no início da gestão Gil, se esvaziaram no tempo, pois estavam alicerçadas em ideologias e lendas, incapazes de se conectar com a realidade. Não esqueçamos, que uma das primeiras manifestações do então Ministro Gil, foi condenar os privilegiados, os “globais”. Lembro bem, que numa reação natural, fizemos rapidamente um levantamento dos espetáculos patrocinados pela Lei Rouanet naquele ano, e os “globais”, representavam 1.8% do total. O Ministro Gil mudou então o discurso, mas no MinC, até hoje perdura essa tese. O atual Ministro Juca Ferreira aposta na divisão e não se cansa de acusar os privilegiados. É um discurso bonito, mas demagógico, porque do outro lado não aponta nenhuma solução. O povo brasileiro hoje, não pode contar com uma política cultural abrangente, porque não existem políticas públicas para disseminação, estimulação e consumo de produtos culturais. Por uma razão muito simples, não existe dinheiro para isso. Por mais boa vontade que tenha o Ministro Juca, o orçamento do MinC (0,6% do total da união) não lhe permite fazer politicas públicas abrangentes. Portanto o problema não está com os chamados “privilegiados”, mas sim, com a importância que o governo dá à pasta da cultura. No meu entender o Ministro Juca erra o foco de suas ações, quando tenta encontrar no mercado cultural, culpados pela atual situação da cultura no país. Seu foco deveria ser a Fazenda e o Planejamento. Aí sim, com um orçamento mínimo de 2% (do total da união) no caixa do MINC, poderemos avaliar as reais intenções e a eficiência das políticas publicas desse governo.
LB – É inegável a mudança do cenário cultural com a presença de Gilberto Gil no ministério da cultura. Qual o legado de sua gestão para as artes? O que esperar do mandato tampão do seu sucessor, Juca Ferreira?
OW – O Maior legado deixado por Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura foi a visibilidade que ele deu a pasta. Por seu carisma pessoal e pela admiração que o Brasil tem por ele como artista. E isso já é muito. Do atual ministro Juca Ferreira, devido a esse momento de crise, só podemos esperar que rapidamente apresente um pacote anti-crise para que o setor cultural não entre em colapso, pois segundo avaliação do próprio Minc, os recursos da Lei Rouanet (mecenato) o único instrumento que injeta dinheiro na cultura atualmente, vai ter uma queda de aproximadamente 40%. Até agora não percebemos nenhuma ação nesse sentido. Outro ponto importante a ser tratado com a máxima urgência é a reclassificação das empresas de produção cultural no Simples Nacional, no patamar que era até 2008, pois com a mudança feita no apagar das luzes do ano passado, nossos impostos sofreram um aumento brutal. Em encontro que tivemos com o ministro Juca Ferreira em 20 de Março passado, entregamos oficialmente um documento solicitando providências imediatas para a resolução dessa questão, mas até agora não recebemos nenhuma resposta. Quando em outras áreas vemos o governo criando incentivos, redução de impostos etc, de fato, para o setor cultural a única ação do governo em relação a crise, foi aumento de impostos.
LB – O que era Lei Rouanet em 2003 e o que ela representa hoje para o financiamento à cultura no Brasil?
OW – A lei Rouanet tem sido a mola propulsora da produção cultural nos últimos anos, especialmente o mecanismo “mecenato” que teve um aumento significativo nos valores de renuncia fiscal, saindo de aproximadamente R$ 300 milhões em 2003 para aproximadamente R$ 1,2 bilhões em 2008. Esse aumento só comprova a eficiência do mecanismo. O aumento no valor da renúncia, foi resultado de gestão do Minc em função da demanda de produtos culturais. Como o Fundo Nacional da Cultura, outra perna da Lei Rouanet, não tem orçamento adequado para fazer politicas públicas, o mecenato passou a ser o único mecanismo que injeta recursos no setor cultural, atendendo a grandes, medias e pequenas produções, a manutenção de grupos, a festivais (Curitiba e Belo Horizonte) e etc. Para se ter uma idéia, na área teatral que anualmente aprova cerca de 400 projetos, a Cooperativa Paulista de Teatro, os Doutores da Alegria e o Grupo Galpão estão entre os maiores captadores, com projetos da mais alta relevância.
LB – É possível fazer adequações ao mecanismo, aproximando-o de um novo discurso, da cidadania cultural? Como?
OW – A Lei Rouanet precisa passar por algumas correções, não resta dúvida sobre isso, porém se analisarmos seu histórico o saldo é extremamente positivo. O Minc tem apontado algumas distorções, mas não aponta nenhuma solução. Por exemplo; quando cita a concentração dos recursos no sul/sudeste, não leva em consideração que essa concentração é geo-política, e que acontece também com outros indicadores sociais, como o investimento na saúde. O próprio Minc concentra os recursos do Fundo Nacional da Cultura, que está sob sua responsabilidade, no mesmo Sul/Sudeste e pelas mesmas razões.
Por outro lado existe um real e importante fator de concentração que é a burocracia do Minc. Os produtores culturais fora do eixo Rio/São Paulo, tem enormes dificuldades para aprovar um projeto, pois a burocracia exige que se contrate especialistas nem sempre disponíveis ou acessíveis para pequenos produtores. A porcentagem de projetos que morrem na base (não passam nem pela primeira etapa) no Sul/Sudeste é de 14%, no Norte/Nordeste chega a 25%, provando o quanto a burocracia é excludente.
Nossa sugestão é que seja feita aprovação de projetos em duas etapas;
1) Pré-aprovação – Projetos seriam automaticamente qualificados, sendo necessário somente a apresentação de documentação básica do proponente, sem análise de projeto. O proponente estaria autorizado a captar recursos.
2) Aprovação final – O projeto só passará pela análise final, depois do proponente apresentar efetivamente um patrocinador.
Uma medida simples como essa, irá reduzir drásticamente o trabalho dos técnicos do Minc, que perdem um tempo absurdo, analisando projetos que nunca conseguirão patrocínio. De 8 mil projetos anuais, somente 3 mil conseguem captação. O tempo economizado nesse trabalho pode ser muito bem aplicado na orientação dos proponentes de áreas menos favorecidas, ou na criação de políticas públicas para essas regiões. Isso é cidadania cultural.
No final das contas o que vemos por trás dessa reforma da Lei Rouanet é simplesmente uma questão econômica, a intenção de se apoderar dos recursos da renúncia fiscal/mecenato (aproximadamente R$ 1.3 bilhões) e jogá-lo no Fundo Nacional da Cultura (aproximadamente R$ 350 milhões). Mais uma vez, um erro estratégico e de avaliação do Minc, que quer encher um copo esvaziando outro.
É bom lembrar que a cultura só tem 1.46% dos recursos de incentivos fiscais no país. Será que se Fundo Nacional da Cultura tivesse recursos suficientes, o Minc apresentaria essa mesma proposta de reforma da lei?
Temos que centrar nossos esforços, Minc e comunidade cultural, na PEC 150, que destina 2% do orçamento para a cultura na esfera federal, 1,5% na estadual e 1% na municipal. Aí estariamos praticando a cidadania cultural.
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