Um ano eleitoral no Brasil é sempre repleto de intrigas, personagens suspeitos e de acordos nebulosos. Por este e outros motivos é muito bem-vindo o relançamento do romance de Klaus Mann, Mefisto – Romance de uma Carreira, que tive o prazer de traduzir para a Editora Estação Liberdade. Filho mais velho de Thomas Mann, um dos maiores escritores do século XX, autor de “A Montanha Mágica” e “Morte em Veneza”, Klaus teve uma morte precoce e deixou à posteridade uma das obras mais polêmicas de sua época.
A história é simples e provavelmente muito corriqueira naqueles tempos difíceis em que a desfaçatez, a perversidade e a barbárie imperavam. Aborda a vida de um carreirista que pretende subir na vida a qualquer custo. É um ator talentoso que está disposto a tudo para realizar o seu intento. É inescrupuloso e cheio de ambição: ingredientes fundamentais para quem nutre pretensões tão elevadas. O personagem que o consagra no palco e na vida é Mefisto, a encarnação bufa e diabólica do Mal, criação do escritor símbolo da Alemanha: Johann Wolfgang Goethe.
Conhecemos a exaustão em nosso dia a dia a figura do oportunista que tenta se aproveitar de quaisquer circunstâncias para obter o que quer. Em geral não leva em consideração as necessidades alheias, nem respeita as regras morais básicas de um relacionamento social fundamentado em valores éticos universais. Vemos espécimes assim todos os dias nos meios de comunicação ostentando o seu cinismo e a sua falta de caráter.
Mas o ator Höfgen não está interessado em problemáticas morais; ele ama a boa vida e se deleita com as benesses e as riquezas proporcionadas por sua proximidade com os todo-poderosos. Adula a quem tem poder e despreza os livres pensadores. Ele se adapta bem à sociedade da época, “tem a sua falsa dignidade, seu arrebatamento histérico, seu cinismo vaidoso e o demonismo barato”, e se coloca – a ele e a nós – uma questão decisiva: “Será que não sou um canalha?”.
A obra questiona enfim o comportamento daqueles indivíduos que em qualquer época e em qualquer regime político “querem se dar bem”, fazendo da bajulação e da esperteza uma prática corriqueira e legítima.
Sem dúvida, a riqueza maior desta obra está em suas leituras múltiplas: da referência à vida real de um grande ator alemão, passando pela sátira das excentricidades nazistas, pela sedução capciosa do poder e pela ambição cega e destrutiva, ao perigoso pacto com o demônio, que no mundo moderno aparece travestido em trajes de gala ou em requintados ternos da moda.
Os demônios hoje se expressam bem, são inteligentes, persuasivos e ótimos manipuladores. Por isso, essa obra de Klaus Mann continua extremamente atual e retrata comportamentos humanos que, apesar de muito comuns, exercem ainda um poder de sedução ambíguo sobre aqueles que os rodeiam.
Que além do prazer de nos defrontarmos com a boa literatura, o romance nos estimule também a perceber melhor os desejos e as ambições humanas, que em sua ânsia de se verem realizadas desembocam quase sempre em tenebrosos abismos da alma.
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