Foto: Striatic
A redução abrupta e não planejada do desconto de 100% concedido a projetos culturais, proposta no Procultura, é declaração de morte por sufocamento ao setor cultural. A história recente nos diz que esta é a pior maneira de promover a atividade cultural no país. Em vez de punir o investidor mal intencionado, o MinC vai espantar o patrocínio para outras áreas, entre elas o audiovisual que, na contramão do Procultura, só amplia benefícios. 

Nunca considerei o benefício de 100% interessante, pois provoca uma inércia letárgica nos investidores e vicia a produção cultural. Porém, para essa medida ter algum sentido prático, teríamos que tirar os benefícios da Lei do Audiovisual, assim como da Lei de Incentivo ao Esporte e do FUMCAD, Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, que gozam do mesmo benefício e fariam escoar todo o investimento privado em cultura no país, ainda predominante no setor.

Vivi o desmanche do setor cultural da Era Collor na pele. Ficamos sem produzir longas metragens e houve uma queda significativa na produção de música, teatro e outras manifestações culturais. Um verdadeiro apagão cultural. Programas e instituições sumiram do mapa da noite para o dia. O país plugado na Rede Globo esperava muito daquele missionário, que prometia acabar com os marajás que usurpavam o Erário.

A Lei do Audiovisual, herança maldita de Collor, foi responsável pela retomada do cinema nacional. De lá pra cá ela se consolidou e ampliou benefícios, sobretudo às multinacionais do entretenimento. Muitos desses benefícios foram concedidos e regulamentados na atual gestão do MinC, como o funcine e o artigo 39º, que concede benefício aos canais de TV, ambos com 100% de desconto e com possibilidades interessantes de retorno ao patrocinador.

A Lei Rouanet só começou a ser alguma coisa no sistema de financiamento da cultura depois da equiparação do benefício de 100%, antes apenas concedido ao audiovisual, para as áreas de teatro, música erudita, dança. Assim como o atual ministro, que considera que apenas algumas áreas merecem atenção do poder público, achava-se no gabinete da época que o músico erudito merecia mais do que o popular.

O fato é que a Lei Rouanet passou a movimentar, a partir dessa equiparação, um número cada vez mais significativo de investimento privado com incentivo fiscal. Até 1995 a movimentação com incentivos era praticamente nula e passou a ganhar fôlego e relevância a partir de 1997, com a publicação da Medida Provisória que equiparava os 100% do cinema.

A Ancine, por estar descolado da gestão caótica do Ministério da Cultura, é dos poucos estabelecimentos culturais que funcionam. Enquanto na Lei Rouanet o MinC publicou portarias e mais portarias para burocratizar e dificultar a vida do usuário do serviço público, na Lei do Audiovisual as coisas seguiram rumo oposto.

O tempo médio de aprovação de um projeto de Lei Rouanet aumentou absurdamente, chegando a demorar até um ano na burocracia ministerial. Na Lei do Audiovisual, onde os projetos são mais complexos e envolvem orçamentos mais detalhados, o prazo é de até 2 meses.

Outros setores do governo desejam ampliar o incentivo fiscal, como é o caso da Educação e Meio Ambiente, que projetam leis próprias para suas respectivas áreas. O único ministério que deseja descartar e reduzir benefício é o da cultura. Um bom exemplo disso é Ministério dos Esportes, que briga para ampliar e consolidar sua lei, mais recente e em pleno vapor. Problemas existem, mas são considerados parte do aprendizado.

Com a brecha deixada pela cultura, seria um caminho fácil para ampliar e ocupar o espaço desprezado, fruto de inexperiência e má gestão do MinC, que insiste em jogar a responsabilidade pelo propagandeado mau uso da lei aos setores empresarial e cultural.

Na cultura, onde os integrantes do gabinete já nasceram sabendo, não se olha para o passado. O mundo, a civilização e a cultura nasceram em 1º de janeiro de 2003. E foram iluminadas no dia da posse de Juca Ferreira como ministro. Não há crítica ou sugestão que o faça mudar de ideia. Vale tudo para o ministro e sua equipe. Até forjar uma consulta pública, mesmo sabendo os riscos que isso traria para a consolidação da nossa frágil democracia.

Isso sem contar o risco de abater uma enorme gama de instituições e programas. Seu projeto de corrigir as injustiças históricas do país é infalível, assim como eram os de Fernando Collor.

Sabemos todos que uma lei de incentivo é insuficiente para atingir e impulsionar a cultura nacional. Por isso lutamos há tanto tempo por investimento público na área. A estupidez está em acreditar que os recursos destinados ao fundo num ano eleitoral substituiriam de forma definitiva o incentivo.

Não tenho dúvida alguma que o dinheiro vai sumir, assim como muitos dos companheiros que venho conversando em todo o país. É claro que todos desejamos mudar a Lei Rouanet, queremos aprimorá-la, para evitar distorções e abusos. Mas queremos que ela atenda aos interesses estratégicos do Brasil e impulsione um setor emergente, que exige suporte do Estado e que foi o mais castigado com a crise financeira.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

7Comentários

  • Fernando Caseiro, 30 de dezembro de 2009 @ 17:06 Reply

    Leo
    É impressionante como o Brasil, junto com a mídia, se mobiliza para punir crimes, como o da menina que foi jogada pela janela pelo pai, e não se mobiliza contra as manobras e atos públicos feitos em gabinetes que atingem centenas ou milhares de pessoas.
    É o caso desse Ministro, e sua equipe, – como você colocou bem: já nasce sabendo – claramente tem uma estratégia eleitoreira e quer usar a ingenuidade de alguns artistas, produtores de cultura e a massa que os acompanha para se solidificar politicamente e ajudar na campanha presidencial do atual governo.
    Como você muito bem expõe em seu artigo o projeto de lei enviado ao Congresso é um retrocesso na Cultura Brasileira. Por mais que tenhamos criticas com relação aos 100% de dedução fiscal para algumas áreas culturais não podemos esquecer que hoje é a única forma de viabilizar alguns projetos, como os de restaurações de patrimônios históricos brasileiros, que mesmo com os 100% é dificílimo alguma empresa se interessar pelo tema – como, por exemplo, o Teatro Cultura Artística que a mais de um ano vem tentando reconstruir o teatro depois do incêndio , as Igrejas históricas e fortes de todo pais abandonados e obras de arte em vários museus, decadentes por falta de recursos, em decomposição.
    Isso tudo é resultado de uma política equivocada que ignora varias outros aspectos da cultura que podem melhorar economicamente todo pais, gerando emprego e renda, principalmente para os mais necessitados através do fomento ao turismo histórico e cultural.
    Porque o MinC não anuncia o fortalecimento das Instituições públicas ligadas ao próprio MinC, com o IPHAN e FUNARTE para que os setores mais delicados e problemáticos não sofram com essa medida? Se isso acontecesse, talvez, haveria uma justificativa plausível.
    Hoje suas justificativas são: que o financiamento da Lei Rouanet só vai para São Paulo e Rio. Uè! Não somos todos brasileiros? E também que as empresas estão fazendo mau uso do dinheiro da lei. Isso não incompetência do Ministério? Pra que serve todo esse sectarismo? Não seria melhor qualificar profissionais no norte e nordeste para obter os benefícios da lei? Ou tudo isso não passa de justificativa para aprovar a nova lei nos moldes de seus interesses?

  • Afonso Oliveira, 3 de janeiro de 2010 @ 15:13 Reply

    É lamentável que vários colegas profissionais venham até aqui ao site cultura e mercado trazer suas opiniões a respeito das mudanças na Lei Rouanet e mostrar um total desconhecimento da diversidade brasileira e ainda tratar com total desrespeito, preconceito e falta de conhecimento do setor cultural do nordeste e principalmente da cultura popular.
    Palavras como ingênuo, massa de manobra, os pobres da cultura.
    O Brasil realmente precisa de pontes que possam nos colocar de forma mais consciente nos debates políticos.
    Achar que o problema do norte e do nordeste está na falta de capacidade dos produtores em captar recursos ou achar que todo o dinheiro da cultura vai apenas para Rio e São Paulo, demonstra uma falta de preparo e conhecimento para o debate.
    Infelizmente esse debate em que estamos dividindo o setor cultural em ricos e pobres, nordeste e sudeste, não vai nos levar a nada e joga contra a nossa diversidade. Temos que tratar problemas diferentes com soluções diferentes.
    A arte é uma equação perfeita e nós devemos buscar essa equação para que o Brasil não saia perdendo. A certeza que tenho é que nós produtores, artistas e gestores não podemos vir aqui e agredir uns aos outros por pura falta de argumentos e muitas vezes por falta de informação.
    As mudanças da Lei Rouanet serão estabelecidas em duas comissões na câmara dos deputados e no senado federal (educação/cultura e constituição e justiça) e haverá amplo direito de apresentação de emendas antes de todas as votações.
    Se há a compreensão e a certeza que se foi forjada uma consulta popular devem ser colocadas as informações por completo.
    Não é sério e verdadeiro dizer que a Gestão do Ministério é caótica e que nada presta e que tudo está uma merda, porque não está.
    Não se pode analisar a política do Ministério da Cultura com a cultura popular apenas tomando como exemplo os 10 mil reais do prêmio culturas populares. É obvio que esse prêmio é um absurdo, mas nem todos os programas têm esse mesmo conceito.
    Se há uma perseguição do Ministério da Cultura com alguns produtores isso deve ser denunciado e levada a todas as instâncias de poder para que sejam punidas essas pessoas. Isso é crime.
    Minha reflexão é que esse debate está no caminho errado, no caminho do ódio, da paixão, dos ataques pessoais e do preconceito. Esse debate só está separando o setor cultural e colocando de lados opostos o nordeste e o sudeste. Esquecendo do resto do Brasil e nos levando para o campo de batalha. Quem está interessado nessa guerra deve tá trabalhando muito bem, porque está conseguindo.
    Eu acredito em outras formas de fazer política e tenho exemplos positivos de sobra para continuar acreditando. Podemos fazer a política dos muros, onde todos nós vamos sair perdendo, mas também podemos fazer a política das pontes onde todos vamos sair ganhando. E por favor não pensem enão digam que o nordestino é ingênuo e incapaz porque essa é a maior das ingenuidades.
    Beijo em todos
    Afonso Oliveira

  • Leonardo Brant, 6 de janeiro de 2010 @ 18:32 Reply

    Totalmente de acordo Afonso. Quem fabricou esta divisão entre sul e norte foi o ministro da cultura, não sei com que finalidade. Gostaria de saber. Esse discurso está todo o seu aparato comunicacional e propagandístico. É claro que existem leitores aqui são da esquerda radical, assim como tem outros que são reacionários e demonstram um pouco da estupidez da classe dominante paulistana, que como já disse, não é pior nem melhor do que a elite de nenhum lugar, nem do Maranhão nem de Pernambuco. A elite é uma merda!

    Não compactuo dos preconceitos, mas não posso deixar de anotar que esses ânimos estão acirrados por uma falta total de compreensão da complexidade da relação entre Estado e mercado na área da cultura. E entre mercado e democracia numa sociedade capitalista como a nossa.

    Concordo com vc que o MinC não é só Procultura e premio de culturas populares. Tem muita coisa boa rolando ali e deve ser reconhecida. Mas a centralidade da questão do financiamento faz com que fiquemos em estado de alerta.

    Concordo com vc que a disputa se dará no Congresso, mas ali as coisas nem sempre são tão democráticas assim, como vc bem sabe. Em ano de eleições presidenciais, as coisas funcionam muito na base do toma-lá-dá-cá.

    E o setor cultural corre um serio risco de tomar uma grande invertida com essa história toda.

    O MinC declarou à grande mídia que o texto da lei sai somente em fevereiro, mas as páginas dos mesmos veículos já trazem propaganda de página dupla da nova lei. Isso pra mim é um assalto à democracia. Devemos ficar atentos!

    Abs, LB

  • :: CULTURA E MERCADO :: o blog das políticas culturais. » Blog Archive » A classe média da cultura, 9 de janeiro de 2010 @ 11:41 Reply

    […] Depois da derrocada do projeto da Ancinav, o Ministéiro só tem ampliado os benefícios das majors, empresas internacionais de entretenimento, que ampliam sua presença do mercado, antes restrita apenas à distribuição e exibição, para a co-produção com dinheiro público. Enquanto pretende eliminar os direitos da classe média, o Ministério concede mais e mais benefícios para o topo da pirâmide. […]

  • raimundo nonato fernandes lima, 12 de janeiro de 2010 @ 7:23 Reply

    Sou cooredenador de um dos maiores eventos cultural no Ceará, a festa de YEMANJÁ. para que tenhamos uma ideia, este evento reuni cerca de 200.000 pssoas na Praia dofututro em Fortaleza, na ocasião fazemos apresentações de Afoxé, Maracatu, panteão liturgico afro descecendente, durante 24 horas.
    recebemos cerca de 30.000 turistas de fora do estado para este evento, fazemos prestação de serviço social para a população. no entanto jamais conseguimos que o Minc, patrocinasse este evento.
    gostaria que o Minc, fosse mais justo no custeio ao apoio financeiro para projetos desta magnitude.
    abraços, Nonato Fernandes

  • gil lopes, 12 de janeiro de 2010 @ 19:55 Reply

    É ótimo que o Sting venha se apresentar no Brasil quantas vezes ele quiser, até quando ele quiser, mas patrocinado pela empresa privada. Sting no Brasil com verba da Petrobrás e dose. A Natura faz um biombo e a lei serve a isso? Isenção para Sting? E no dia seguinte ainda fala mal do governo brasileiro? Francamente…
    A lei está correta, mas a interpretação é que tem que ser ajustada. Tem que ter ingerência sim, ninguém substituiu nem acaba com a política, quem se comporta mal não recebe votos na democracia. O governo tem que escolher sim no que deve ou não investir, é sua função depois de eleito. A lei não pode ser abrangente o suficiente para dar margem a absurdos como este por exemplo, servir para trazer Sting…tem que servir aos interesses do país, e o geverno tem que ter isso claro.
    Os projetos internacionais tem que ser muito bem estudados. E os absurdos precisam ser corrigidos, nominados.
    O Brasil precisa de um Ministério da Cultura fortalecido, apoiado, não haverá inserção internacional sem presença cultural importante. A Cultura é a nova guerra, e pra isso tem que haver união interna. Chegou a hora de ser a favor.

  • Marcus Nascimento, 18 de janeiro de 2010 @ 15:09 Reply

    A cultura dos 100% é predomina no meio artítico e cultural brasileiro e é uma forma degradante de subserviência aos departamentos de marketing das empresas incetivadoras de projetos. Isso é desespero. E o desespero é a esperança dos covardes. Querem 100% de isenção fiscal? Então que nos créditos da obra patrocinada conste: obra incentivada com recursos do contribuinte ou algo parecido. Nos EUA existe a cultura de mecenato direto. Empresas e pessoas físicas colocam dinheiro do próprio bolso em grandes e pequenos projetos culturais. Mas no Brasil patrimonialista ninguém quer enfiar a mão no próprio bolso. No dos outros… Um fundo gerido pelo estado, como acontece com certas leis municipais e estaduais, sem abdicar do incentivo, pode ajudar, sim. Porque a resistência, meu Deus? O problema é o governo Lula? O Juca Ferreira? Governos passam. Ministros também. Agora, 2 meses para um parecer é algo inadmissível. A eficiência do gestor público tem de estar à altura das suas responsabilidades. A discussão é ampla. Mas posso adiantar que o Sr. Leonardo Brant é um equivocado.

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