Apesar de ser o governo que mais beneficia o mercado financeiro em toda a história do Brasil, com fartos benefícios públicos, institucionalizando a agiotagem e drenando os recursos orçamentários em benefício dos mesmos poucos e bons, o Presidente da República, amparado por quem promete se esforçar para ser o seu novo ministro da propaganda política, resolve atacar os bancos por meio de seu investimento privado à cultura.
Inflado pela política neoliberal vigente, o mecenato contemporâneo atingiu o ar da graça na segunda metade do século 20, sob os auspícios da Lei Rouanet, que premia o investimento privado com o dinheiro público. Mas esta modalidade de mecenato não é privilégio dos empresários contemporâneos.
Meu próximo livro, O Poder da Cultura, está no forno, e contém uma uma ampla pesquisa, realizada com apoio do Cleiton Paixão, sobre o mecenato no Brasil e no mundo. Constatamos, entre outras coisas, que o Erário sempre foi o maior contribuinte do investimento cultural “privado”.
Lula, que goza o status de ser o maior líder da história recente do país, usa o seu capital político para jogar, de forma quase sarcástica, com a opinião pública e o setor cultural, ao se declarar indignado com os investimentos do banco Itaú na área cultural.
Não quero defender banco nenhum. Por mim, o mundo seria bem melhor sem as igrejas, partidos políticos, e acima de tudo, bancos. Mas se tem uma organização que utiliza de maneira equilibrada e decente, sobretudo por profissionais engajados e coerentes, em suas atividades fim, é o Itaú Cultural.
Costumo classificar a instituição como o paradigma do Investimento Cultural Privado no país. Não é melhor nem pior que ninguém. Mas é o paradigma. Os outros investidores nele se espelham, querem sê-lo, buscam alcançá-lo.
Mas o Bradesco resolveu fazer marketing pesado com a Lei Rouanet, já que o Estado não só permite, como incentiva. O atual ministério fez vista grossa. Enquanto jogava migalhas aos mestres da cultura popular (não deixe de ler artigo de Monclar Valverde nesta edição), submetendo-os a constrangedoras campanhas publicitárias que custam mais caro que o prêmio, deixava o maior banco privado do país fazer a mais bem sucedida campanha publicitária de sua história correr solta com o benefício público.
Enquanto mestres e agentes culturais ocupam-se de preencher formulários e prestar contas (muitos com CNPJ bloqueados), os patrocinadores triplicaram à solta seus investimentos em marketing via Lei Rouanet, tornando o mecanismo um bode fedorento, daqueles somente algum estadista de marca maior seria capaz de tirá-lo da sala.
Por uma questão de mercado, de equivalência e concorrência, o Itaú seguiu a mesma fórmula, sobrepondo o marketing a este investimento que faz há mais de 20 anos na estrutura cultural do país.
Para mim está claro que o governo não está atacando quem faz marketing com dinheiro público, mas sim com quem faz política pública melhor do que ele (nesse caso, todos que fazem política pública fazem melhor do que o Estado, incompetente como nunca para essa finalidade). Ou então teria atacado o Bradesco ao invés do Itaú.
O mal estar da pós-modernidade, da esquizofrenia frenética do neopopulismo cultural (ou do neogetulismo lulista), exigiu uma ação midiática de fazer inveja a James Carville, o mago da propaganda política democrata norte-americana. Combater os produtores culturais e artistas que negociam e sobrevivem à sombra de um mecanismo feito pelo e para a lógica neoliberal.
Sobreviventes de uma nação em crise, que discursa ideologismos de esquerda e pratica capitalismo global, os artistas respondem ora com adesão aos rompantes esquizo-comunistas de aluguel, ora com o instinto da sobrevivência e do real, que os impelem à lógica da submissão à sociedade de consumo e controle (seja ela mercadológico ou estatal).
Outra recente declaração desta semana nos causa indignação. Depois de demitir um presidente do Banco do Brasil por não diminuir os juros, Guido Mantega agora diz que o Brasil está pronto para viver com juros mais baixos. Parece que aprendeu com o ministro da cultura, que se lançou na mídia com o factóide do Profic, esbravejando contra o neoliberalismo encrustrado nas veias do governo, apenas para distrair a atenção dos incautos.
Diante disso, o frágil investimento privado em cultura sofre uma crise que ameaça, sob a desculpa da hecatombe financeira, desativar seus departamentos de marketing cultural, ao mesmo tempo algozes da indolência cultural recentemente vivida em nosso parco curral, mas também sustentáculos de uma não-política cultural, que agora se arvora a viver sem verba e somente com verborragia inveterada.
É preciso renovar o mecenato brasileiro. Não só para sobreviver a este cenário de instabilidade, insegurança jurídica, mas também de uma necessária discussão sobre os rumos da cultura nacional sob a lógica do mando privado sobre o dinheiro público. Nesse sentido a pirotecnia estatal pode até surtir um efeito positivo, se sobrar alguém no planeta dos macacos para contar a história.
Acompanhe o discurso do presidente Lula, quando critica o banco Itaú:
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