No final de janeiro foi lançada oficialmente a Spcine – Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo. Iniciativa da Prefeitura de São Paulo, em parceria com o Governo do Estado e o Ministério da Cultura, a empresa atuará como um escritório de desenvolvimento, financiamento e implementação de programas e políticas para o setor audiovisual.

Serão três os eixos de atuação: Inovação, criatividade e acesso; Desenvolvimento econômico; e Integração e internacionalização. Em seu discurso no evento de lançamento, o diretor-presidente da nova empresa, Alfredo Manevy, falou sobre mobilização do setor, valorização da cidade, diversidade, acesso, revitalização dos cinemas de rua, apoio à produção das periferias, otimização de recursos, criação de circuito independente, entre outros objetivos.

Em entrevista por e-mail ao Cultura e Mercado, ele comenta sobre a ideia de transformar São Paulo em um polo articulador da produção audiovisual latino-americana, a descentralização da distribuição, a disputa entre cinema autoral e cinema comercial, além de fazer defesa com relação às recentes críticas de representantes do setor sobre os editais a serem lançados nos próximos dias.

Cultura e Mercado – Você falou em seu discurso no lançamento da Spcine sobre as dificuldades de se abrir uma empresa pública – por isso a demora no lançamento. Além das questões burocráticas que qualquer empresa enfrenta, o que dificultou o processo?
Alfredo Manevy – A abertura de uma empresa pública envolve uma série de etapas políticas e técnicas: elaboração de PL, aprovação por lei na Câmara, tramitação em dois turnos, depois a licitação de empresa contábil, integralização de capital, aprovação do estatuto social nas instância públicas e cartório. E na área pública, cada etapa tem que ter transparência, ritual. Mas creio que estamos com saldo positivo. A empresa começou a operar um ano e meio depois da ideia lançada. E cultivando uma parceria com três governamentais, de partidos diferentes.

CeM – Também foi dito que se pretende transformar São Paulo no “polo articulador” do audiovisual. O que é necessário para que isso aconteça?
AM – É necessário que São Paulo assuma seu potencial de grande metrópole cultural do planeta. É um papel fundamental desse centro articular cinematografias do mundo que entram no Brasil, em busca de mercado, e articular coproduções do Brasil e de São Paulo com outros países e continentes.

CeM – Já existe alguma proposta definida com relação à revitalização dos cinemas de rua? Essas salas já estão mapeadas?
AM – Já estão mapeadas e temos duas já desapropriadas. Recuperamos o Belas Artes em parceria com a Caixa e estamos buscando parceiros na parceria com o Cine Marrocos e o Art-Palacio.

CeM – A Spcine foi inspirada na RioFilme, uma empresa que elevou o cinema carioca (e nacional) a um novo patamar de produção, distribuição e reconhecimento. No entanto, há quem critique o modelo. Quais aspectos deverão ser reproduzidos e o que deve ser diferente na empresa paulista?
AM – Estudamos a Riofilme. O positivo da Riofilme foi a inflexão na busca de critérios e resultados, funcionar como empresa também. O que será diferente, em São Paulo, é a combinação do econômico com o artístico. Temos respeito enorme com a produção autoral e independente, que é marca da cidade. Em São Paulo eu creio que cabem todos os cinemas: o mais focado na renovação de linguagem e a produção recente que tem foco em alcançar o público acima de 500 mil, 1 milhão de espectadores. Acho essa oposição entre comercial e artístico muito pobre, porque desconsidera que são dimensões e não guetos.

CeM – Existe uma certa disputa entre o chamado cinema autoral e o cinema comercial, em especial no que diz respeito à distribuição. De que maneira a Spcine pode ajudar a diminuir essa distância entre um e outro?
AM – É uma disputa que não interessa à Spcine. A Spcine precisa de ambos. O desenvolvimento da atividade tem uma dimensão econômica, fundamental, e outra cultural, fundamental. Ninguém terá um indústria sem ter uma perspectiva cultural. Quem faz cinema autoral também quer público, quer repercussão. O cinema chamado autoral precisa ter distribuição, lançamento, um número maior de salas. Precisa ser articulado com a televisão e com o mercado internacional. E o cinema feito desde o início para tentar um público maior que 1 milhão de espectadores é essencial, porque sem ele a sociedade brasileira não será mobilizada para o cinema brasileiro, não vamos ultrapassar o marketshare de 20%, que é ainda muito pequeno dentro de nosso próprio mercado nacional.

CeM – Já foram anunciadas algumas medidas no sentido de descentralizar a distribuição audiovisual, com abertura de salas nas periferias e circuitos independentes. Feita essa abertura física, como será a gestão da distribuição?
AM – A gestão será sempre em parcerias. O Brasil tem excelentes distribuidoras de grande, medio e pequeno porte.

CeM – Há alguns dias a Spcine recebeu críticas de associações do setor audiovisual com relação aos próximos editais que serão lançados. Entre as críticas estão a exigência de que as produções tenham capital inicial e a destinação de mais de 50% dos recursos ao chamado cinema comercial. Como tem sido a participação das entidades do setor audiovisual na elaboração dos editais? Por que elas reclamam disso agora?
AM – Estamos desde o início garantindo espaço para todos os tipos de cinema, com equilíbrio verdadeiro. E estamos garantindo uma grade de critérios para todos os editais. Achei a crítica desassociada do que foi apresentado, e desrespeita toda a discussão de um ano que tivemos inclusive com a APACI e ABD, que são parceiras. Nós criamos algo inédito: um comitê com todas as entidades para debater a política, debater os editais. Ali vale dizer tudo. E isso vem sendo feito há meses. Me parece então uma manifestação isolada de quem não leu com calma a proposta da Spcine ou de quem prefere impor uma opinião e não participar do debate que está aberto. Pensei em mandar uma caixa de óculos para eles lerem melhor o que está nos editais, pois uma parte deles será inclusive por meio de juri. É o famoso não li, não gostei.

CeM – Os recursos aportados inicialmente pela prefeitura, governo do Estado e governo federal (via Ancine) são suficientes para realizar quanto de todas as propostas dentro das três diretrizes de atuação da empresa? Quais outras fontes financeiras estão sendo previstas?
AM – Os R$ 65 milhões para o primeiro ano são uma base razoável. Mas já conseguimos um convênio de R$ 7 milhões com o Ministério das Comunicações e vamos captar novos recursos com outros parceiros públicos e privados.

CeM – Quais são as ações previstas no que diz respeito à relação com as TVs e a produção online?
AM – A televisão é central no audiovisual, no Brasil e no mundo. Vamos lançar em breve uma ação focada em produção independente de TV, com um aporte semelhante ao cinema. A televisão vive um boom de criatividade e público. A TV por assinatura vive hoje uma revolução fundamental graças a uma lei que foi produto de muita luta: a 12.485. Tenho orgulho de ter ajudado enquanto Secretário Executivo do MinC a construir essa lei, no governo do presidente Lula, o que viabilizou sua aprovação em 2011. Essa lei é uma das mais modernas do mundo.


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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