A primeira parte deste texto tratou de expor um panorama, com dados históricos e atuais, sobre pesquisas e indicadores referentes ao público que consome cultura especificando ainda o público no Brasil e em dança. Como essa discussão é tema, sobretudo, nos equipamentos culturais propus refletir como público junto aos artistas.
É fato que repertório e valores simbólicos são fundamentais para a fruição estética. E isso é uma construção que se dá num período de tempo razoavelmente longo. Contudo, pode o artista ajudar a iniciar o público em seu trabalho? O artista da dança pensa no seu público ao construir seu trabalho? Se sim, como o faz? Se não por que não o faz? Em que medida os números apresentados na primeira parte deste texto ajudam ou não nessa reflexão? Enquanto o espectador for um dado estatístico como relacionar-se com ele? E como conhecê-lo?
É muito difícil para o artista conhecer os muitos perfis de público. Talvez ajude considerar aspectos da teoria da recepção.
Parece um tabu pensar no público como se isso significasse necessariamente fazer concessões no projeto artístico. Claramente não se trata de obedecer ao senso comum, submeter-se ao mercado, popularizar a obra ou proporcionar o conforto que a indústria cultural oferece. Trata-se, antes de tudo de ser dialógico.
Em Públicos da Cultura e as Artes do Espetáculo a autora Gisele Nussbaumer comenta a teoria da recepção pensada por José Sanchis Sinisterra e mostra que a recepção de um espetáculo, assim como a leitura de um livro é um processo interativo de retro-alimentação. Sinisterra lembra que o fenômeno estético acontece na interação e que o espectador que lá está, quer “ingressar no tecido ficcional que constitui a obra”.
O que nós público de arte contemporânea buscamos é a força que um discurso artístico pode ter, a particularidade como o artista interpreta e intervém no mundo e isso é potencial artístico e produtivo, para o qual gestores e institutos culturais devem trabalhar.
Não estamos falando de números. Defendemos projetos que, por sua natureza, se destinam a um “pequeno público” e, alcançado seu objetivo, esse “pequeno público” torna-se um grande e completo público. Contudo há muitos projetos que não deixam clara sua proposta, como se hermetismo fosse sinônimo de complexidade, ou na outra ponta, como se apresentá-lo como processo justificasse sua insipiência.
Essa é uma questão que merece reflexão e debate crítico de todos nós do campo da dança. O que artistas, grupos e editais estão dizendo quando usam o termo – processo?
Retenho duas perguntas do texto de Cecilia Almeida Salles (ver bibliografia). Processo é uma adjetivação ou uma espécie de gênero? A autora aponta a trivialização do termo que justifica aquilo que ainda não está pronto e se distancia da discussão elaborada sobre o inacabamento do processo contínuo de criação relativizando noções de origem e conclusão de uma obra.
Me parece claro que há projetos artísticos que necessitam mostrar situações momentâneas de sua construção, que têm o percurso criativo como tema ou outra razão para assim apresentá-lo. Se num passado recente acreditamos que a exposição de um processo de criação poderia levar ao debate entre artistas e ainda iniciar o público através de uma aproximação deste fazer, precisamos hoje avaliar o que aconteceu às obras e ao seu público.
Quanto ao espectador, este também deve emancipar-se. A postura colonizadora ou colonizada pode estar no programador, curador, produtor, artista, público, gestor etc.
Entrevistamos Marcelo Evelin, artista da dança piauiense, para a revista Continuum do Itaú Cultural (agosto, 2011) e apesar de as questões da entrevista não se relacionarem ao público, Marcelo quis falar do atual projeto do Núcleo do Dirceu, Mil Casas.
“Tenho me perguntado muito como chegar ao espectador, na pessoa. Isso tem sido prioridade para mim. Não penso em público como a sala de teatro cheia, mas sim em chegar a algumas pessoas e chegar realmente. Como criar a consciência no espectador, nesse espaço entre eu e ele? Ele tem que ser despertado e responsabilizado por essa relação, por esse entre. Penso que é uma busca por empatia”.
Dessa necessidade de aproximação nasceu o projeto subvencionado pela Petrobrás. Num prazo de dois anos os 15 artistas do Núcleo do Dirceu entrarão nas casas das pessoas para conhecer o espectador e se apresentar a ele através de uma ação performática.
Na entrevista, da qual também participou a artista paulista Thelma Bonavita, falamos da função da arte contemporânea hoje. Marcelo acredita que a forma de desconstruir e romper é permear. Trouxe a imagem da porta do elevador fechando e uma mão reabrindo-a permitindo a entrada de mais pessoas. Isso confirma meu sentimento de que é nessa fenda entre os dois lados que existe a possibilidade de criarmos sentidos juntos.
Para saber mais:
NUSSBAUMER, Gisele Marchiori (org.). Teorias e Políticas da Cultura: Visões Multidisciplinares. Salvador, Edufba, 2007.
SALLES, Cecilia Almeida. Indagações sobre o que pode (ser) um processo. Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010.
*Esse texto, na íntegra, foi originalmente escrito como resultado do projeto Em busca de novos caminhos para a dança contemporânea de Angelo Madureira e Ana Catarina Vieira, contemplado no 9º Edital de Fomento à dança da cidade de São Paulo.