“Não por acaso o nome do artigo brinca com PPPs, pois o quê deveria estar sendo amplamente trabalhado são novas formas de constituir as parcerias público- privadas, que possam facilitar o trabalho de gestores – como Adélia – que querem trabalhar bem apesar de falta de recursos e estrutura.”

Em um ótimo editorial em Cultura e Mercado, Léo Brant levantou questões que na verdade deveriam estar sendo discutidas a partir do absurdo kafkiano das acusações levantadas contra a notável gestão do Museu da Casa Brasileira.

Ele finaliza apontando fatos importantes como o descalabro de se comparar uma figura com a qualidade e respeitabilidade de Adélia Borges a pilantras “a la mode Maluf”. Ou o fato de nós, do setor cultural, estarmos mais calados do que deveríamos, num momento não só de enorme injustiça com uma equipe que tem feito um trabalho brilhante, mas um momento em que deveríamos estar discutindo as macro questões levantadas por este episódio.

Discutir um pouco estas questões de fundo é o que me proponho aqui. Não por acaso o nome do artigo brinca com PPPs, pois o quê deveria estar sendo amplamente trabalhado são novas formas de constituir as parcerias público- privadas, que possam facilitar o trabalho de gestores – como Adélia – que querem trabalhar bem apesar de falta de recursos e estrutura.

Aponto então algumas coisas que tem gerado outras PPP: “parcerias perde–perde”, relações onde perdem os dois lados.

Paparazzis

O primeiro de nossos Ps é dedicado à mídia, pois assistimos a um processo de “paparazzização” da mídia impressa e televisiva, baseado – supostamente – na idéia de que baixaria é o que vende. Jornais e TVs se nivelam por baixo. Tudo virou um misto de revista de celebridades com noticiário de mundo cão. Com isso perdemos todos: nós perdemos a mídia de qualidade que desejamos e a mídia perde mercado e público, pois deixa de exercer seu papel.

Fofoca, voyeurismo e elementos policialescos deixam de ser a exceção para se transformar na regra em todas as seções, sejam de futebol, política, cultura ou economia. Tenho a impressão que só quem está mais infeliz do que nós com essa situação são os bons jornalistas, que estão lá dentro e sujeitados a essa situação.

Todos nós: público, jornalistas, estudiosos, formuladores de políticas, deveríamos estar trabalhando muito seriamente a questão da mídia, sua ética e função. Afinal, ela é mais primeiro poder do que quarto. É o que se percebe, por exemplo, no caso do Museu da Casa Brasileira. Ao escolher um recorte, a mídia não apenas cria a estória, mas a História. Acontece isso quando ela busca fatos que parecem cheirar mal e omite fatos esclarecedores sobre o MCB, como o fato da atual gestão ter multiplicado por cinco (!!!) a freqüência, recursos e atividades do Museu.

Alô mídia! Vamos reverter este processo doentio de “paparazzização”? Nós adoraríamos ter confiança e não vergonha de vocês. Alô público consumidor! Enquanto isso não acontece, que tal seguirmos desligando, deixando de comprar, mudando de veículo?

Pedras

Algumas questões importantes já foram apontadas no editorial de Léo, como o fato do Estado não dar conta de manter suas instituições e estas serem obrigadas a encontrar maneiras alternativas (que acabam se institucionalizando), mas outras macro questões fundamentais que emergem desta situação.

Por exemplo:discute-se se houve ou não nota fria, mas não se discute a legislação e tributação que levam (quase obrigam…) à disseminação deste tipo de prática. Atire a primeira pedra o empresário ou gestor que nunca teve que aceitar notas por serviços sem saber ao certo sua origem.

Quando se verifica os porquês disso percebemos que cada um está ligado a uma questão que deveria ser revista e transformada:

1) Empresas e instituições não aceitam pagar pessoas físicas – porque os impostos são pagos também pelo contratante ou para não configurar vínculo empregatício. E se contratar é difícil (pois os encargos são muito altos) demitir é mais difícil ainda – seja pelos custos ou pela vulnerabilidade jurídica a que ficam expostos os contratantes, que sabem que perdem qualquer ação trabalhista.

2) Assim, em tese, todo mundo seria obrigado a se constituir como empresa. Inclusive aquele assistente de cenótecnico que ganha 50 reais/dia para martelar e pintar. Ocorre que tanto a empresinha de uma só pessoa do cenotécnico quanto a maior empresa de produções artísticas do Brasil arcam com os mesmo percentuais e procedimentos tributários. Qual seja: uma fortuna em impostos, um trabalhão danado com a contabilidade. E aqui de novo: abrir uma empresa é difícil, mas fechar é impossível.

3) Pelo que tenho acompanhado na minha vida profissional, percebo que, em muitos casos, os técnicos e gestores públicos dedicam 75 % do seu tempo em burocracias e 25% para planejar, articular, implementar. A relação saudável seria a inversa. Não sou especialista, mas minha sensação é que leis como a 8666 (das licitações) podem até impedir (podem?) roubalheira em grande escala, como licitações de grandes empreendimentos de construção civil, mas no caso de gestores de cultura atrapalham enormemente a vida. Faz sentido licitação para comprar cola e prego para algo que está despencando hoje e não adianta ser consertado daqui a dois meses, quando o processo andar ? Faz sentido que a loja escolhida só possa vender o prego depois de encaminhar todo o pacotão de certidões negativas de débito (e para preparar isso ela provavelmente gasta mais do que vai ganhar na venda)? E não é piada, já vi isso acontecer.

4) Outras questões de leis como a 8666: qualidade e resultado. Problema um: nosso trabalho com o intangível resulta em profissionais altamente especializados e na necessidade de critérios qualitativos e não quantitativos. Seria possível, por exemplo, fazer uma cotação de qual o Guto Lacaz mais barato para criar um projeto? Difícil. Infelizmente não existem muitos Gutos Lacaz. E processos por notória especialização nem sempre são possíveis, além de ainda mais burocráticos.

E quanto à qualidade – e os enormes prejuízos que a falta dela acarreta? Quantas vezes não participei de eventos internacionais de peso que se transformam na verdade em um vexame para o país, pois a empresa responsável ganha a licitação por preço? O resultado é que nada funciona. A conseqüência, ainda mais desastrosa: os líderes e formadores de opinião presentes difïcilmente vão querer voltar ou fazer negócio com o Brasil. Constrange ouvir que “é difícil trabalhar num país que não tem condições de realizar um evento”. Imagina! Nós fazemos os maiores eventos do mundo! Houve economia de dinheiro? Ou houve na verdade enorme desperdício de oportunidades e recursos investidos e? Novamente perdemos todos: além dos participantes que não conseguem trabalhar direito, perdem os organizadores – reféns de sua própria burocracia que impede trabalho eficiente e inviabiliza os resultados desejados.

Prêmios

Quem trabalha com ou para instituições públicas sabe a extrema dificuldade de se fazer coisa boa. Que sistema é esse que incentiva aqueles que empurram com a barriga (é o resultado de fazer tudo seguindo à risca a cartilha) e castiga os que inovam e buscam maneiras de viabilizar projetos?

Num caso como o do Museu da Casa Brasileira a situação deveria ser exatamente a inversa do que está acontecendo. Essa equipe que trabalha por paixão e crença (quando Adélia chegou a folha total de salários pagos pelo Estado era de cerca de quinze mil reais para dez pessoas) deveria estar recebendo não pedras, mas prêmios pelo que conseguiu nestes anos.

Recomendo a quem se interessar fazer o que fizemos: ir até lá para conhecer mais a fundo e ouvir deles o que têm feito. Espero que os resultados assombrosos a que tivemos acesso através de uma apresentação preparada pela equipe do Museu possam ser amplamente divulgados.

Se nossa mídia fosse de fato investigativa e não fofoqueira, era o que teria feito antes de denegrir a imagem de quem não merece. E o Ministério Público, cuja ação é necessária e bem vinda, talvez percebesse que existem outros ângulos: acaso verificaram a credibilidade e razões de quem levantou acusações?

Enfim, essa situação ainda não chegou ao fim. Que bom.

Ainda há tempo para discutirmos mais a fundo os pontos que a situação levanta e transformá-los. Ainda há tempo para pedidos de desculpas à Adélia Borges e sua equipe. Ainda há tempo para ser decente e divulgar o que merece ser divulgado. Ainda há tempo para que um número maior de pessoas e instituições possam demonstrar seu apoio e apreço à equipe do Museu da Casa Brasileira. Por exemplo, indicando esta equipe para que receba os prêmios que merece.

Isso seria justiça.

Lala Deheinzelin


Diretora-presidente da Enthusiasmo Cultural, coordenadora do Global Committee on Creative Economy e diretora de cooperação internacional do Instituto Pensarte.

2Comentários

  • isabel marazina, 15 de março de 2007 @ 10:49 Reply

    TEM O MEU AMPLO APOIO!!!
    ISABEL MARAZINA
    PSICANALISTA.
    SÃO PAULO

  • Gustavo Fs Freiberg, 19 de março de 2007 @ 0:30 Reply

    Como parte do público paulistano, reafirmo e apoio as inovações introduzidas no Museu da Casa Brasileira nestes quatro anos da gestão de Adélia Borges e especialmente em relação a uma questão crítica nas instituições museológicas nacionais: a formação e ampliação de público. Exemplo disso é o crescimento enorme da visitação das exposições específicas do Museu, como também a inovação que significou a música aos domingos, confirmada pela lotação do belo espaço do terraço.
    Como profissional me sinto gratificado por o Museu haver conseguido colocar o design na agenda cultural do país no mesmo nível do conjunto das artes visuais, por meio de relevantes exposições, premiações e debates que convocam os jovens atuantes da área.
    E finalmente, como agente cultural, experimentei o que significa a construção democrática da agenda de uma instituição pública com a abertura, por parte da sua direção, a sugestões da sociedade que enriquecem a programação e, como conseqüência, a vida da cidade.
    Por tudo isso, e frente à crise que se abateu pelas denúncias do Ministério Público, é necessário dizer claramente que os resultados alentadores foram possíveis pela ação da diretora e sua equipe em parceria com a Associação Amigos do Museu, mas que a sistemática de terceirizar a administração das instituições públicas culturais, colocadas em prática nos últimos anos, e a falta de políticas públicas de cultura no plano estadual nos confrontam com a contradição de ter pessoas do calibre, a experiência e a qualidade humana de Adélia Borges à frente dessas instituições mas precisando apelar para malabarismos administrativos para levar a bom término sua tarefa.

    *artista visual e designer
    *membro da Cooperativa de Artistas Visuais do Brasil
    *participante na Câmara Setorial de Artes Visuais do MINC
    *ex-conselheiro municipal de cultura de São Paulo

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