Qualquer tentativa de mudança de um dispositivo legal da relevância de uma Lei Rouanet, que disponibiliza cerca de R$ 1 bilhão por ano para a produção cultural brasileira, deve ser precedida de análise criteriosa e científica, com base em estudos técnicos, discussão transparente e participação democrática. Será que o processo iniciado pelo Ministério da Cultura cumpre alguns desses quesitos básicos da boa gestão pública? 

No intuito de proteger a sociedade de uma possível gestão ideológica em torno da Lei Rouanet, solicitamos do Ministério da Cultura, dentro do processo de diálogo há pouco inciado, sobre alguns dados que podem ser extraídos de forma muito simplificada por qualquer sistema de processamento de dados (que deveriam ser) públicos.

Qualquer mudança proposta para a Lei Rouanet deve ser resultante do conhecimento profundo dos impactos, positivos e negativos, gerados pelo mecanismo. Por isso Cultura e Mercado preparou um guia de perguntas, que pode ser livremente aprimorado e ampliado pelo leitor. A idéia é constituir uma base analítica que nos ajude a formular propostas concretas para um instrumento tão vital para o setor cultural e para a sociedade brasileira, mas que infelizmente tem sofrido descabidos ataques do próprio poder público, que mostrou-se incapaz de geri-lo de acordo com a sua real potência para a economia da cultura.

Enquanto a sociedade não souber responder as questões abaixo não poderá entender o que representa a Lei Rouanet em sua dimensão econômica e sociocultural. Ao finalizarmos a consulta, encaminharemos as questões ao Ministério da Cultura na quarta-feira, quando teremos o terceiro “Diálogos Culturais”, na cidade São Paulo:

– Qual o número de empresas culturais beneficiadas, direta ou indiretamente, até hoje pelo mecenato? Qual o perfil dessas empresas? Como se deu o crescimento e a consolidação dessas empresas diante do mercado? O mecenato auxiliou em sua evolução empresarial? Qual o grau de dependência desses negócios em relação à Lei? 

– Quantos postos de trabalho são gerados anualmente com o mecenato? Qual a arrecadação de impostos resultante dos processos econômicos iniciados com o mecanismo?

– Quantas ações iniciadas com o mecenato continuam com “as próprias pernas”? Qual o impacto econômico dessas ações continuadas em termos de arrecadação de impostos e geração de postos de trabalho?

– Quanto dinheiro não incentivado circula no mercado por processos iniciados com a Lei Rouanet? O que isso representa na economia da cultura (postos de trabalho, arrecadação de impostos…)?

– Quantos projetos de organizações comunitárias são atendidos pelo mecenato? Como o investimento privado em cultura potencializou essas comunidades em termos de número de atendimento e impacto nos modos de vida?

– Em relação à inserção econômica de processos culturais independentes, quantos novos agentes de mercado foram gerados pelo mecenato e quantos ainda dependem do mecanismo?

– Quantos livros, discos e DVDs são realizados anualmente com o mecenato? Qual o impacto de sua  distribuição e acesso? Podemos relacionar esses dados com outros programas, como Cultura Viva e Bolsa Família, para saber se os produtos culturais chegam a quem mais precisa?

– Quantos beneficiários de outros programas do MinC, como o Cultura Viva, os editais e o FNC, são beneficiários também do mecenato? Qual o peso de cada um na vida econômica desses agentes?

– Quantas bibliotecas, centros culturais, teatros e cinemas são mantidos anualmente com a Lei Rouanet? Qual o impacto de suas ações na sociedade brasileira?

– Quantos artistas, produtores e técnicos vivem hoje exclusiva ou parcrialmente de processos patrocinados pela Lei Rouanet? Como se dá o comportamento dessa relação de dependência com a Lei ao longo da carreira?

– Quantas empresas possuem políticas culturais e departamentos específicos para cuidar da relação com o investimento privado? Quantos postos de trabalho foram gerados por esses departamentos? Como se deu a evolução do processo?

– Quanto o interesse público está sendo pautado dentro dessas empresas? Como se dá o processo de evolução de uma ação meramente promocional para uma atitude mais responsável?

– Qual o perfil dos 20 maiores proponentes da Lei? E os 50 e os 100 maiores? Quem são e o que fazem? Qual o percentual de verba captada é acumulado nas mãos dos maiores proponentes?

– Como se dá a concentração de verbas dentro das etapas da cadeia econômica de cada setor atendido pela Lei?


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

14Comentários

  • RÔMULO DUQUE, 11 de novembro de 2008 @ 7:38 Reply

    Gostaria de que se acrescentasse a seguinte pergunta:

    Quanto de recurso é disponiblizado para Projetos de Pesquisa ; Novas linguagens e inserção social é disponibilizado pelas maiores empresas patrocinadoras da Lei Rouanet.

    Esta questão é que no documento do MINC uma das justificativas para a mudança é que os segmentos acima são poucos contemplados na Lei Rouanet, mas o que acho estranho é que nos Editais das grandes empresas (PETROBRAS,OI,VOTORANTIM ,etc) este são os segmentos mais contemplados e o que é mais interessante não existe o captador e portanto o patrocinio chega inteiro.

  • Armando Appel, 11 de novembro de 2008 @ 8:13 Reply

    Parabéns mais uma vez aos editores. As questões são absolutamente pertinentes e obrigatórias para uma avaliação do mecanismo.

  • Renato, 11 de novembro de 2008 @ 9:26 Reply

    para estudo e arquivo

  • Paulo Drumond, 11 de novembro de 2008 @ 9:50 Reply

    Todas estas questões são bastante pertinentes. Mas algumas coisas, para mim, são claras. Por exemplo: Não tem sentido, nem lógica, uma empresa determinar em que vai ser usado o imposto que deve e não lhe pertence. Não tem sentido, nem lógica, o imposto da lei Rouanet patrocinar projetos culturais de outros países, quando os projetos daqui não são realizados aos milhões. Não tem sentido, nem lógica, as empresas usarem os impostos da lei em benefício próprio. Fica na cara, que nestes exemplos citados o que está garantido é a promoção institucional do investidor (falso investidor, já que o dinheiro não é dele). Não tenho nada contra os que veem de fora, ao contrário, acho que nos ajudam a desenvolver, mas eles sempre terão o investimento da iniciativa privada. Neste sentido, esta brecha da Lei Rouanet prejudicou o desenvolvimento do investimento privado, do patrocínio, no setor. Já que proporcionou o surgimento de uma mentalidade não muito republicana, tipo: “jogo esta grana aqui, neste projeto que vai conseguir retorno na mídia, e divulgo o meu nome”, ao invés de buscar caminhos mais profícuos na inter-relação com o público consumidor, o cidadão, e no entendimento surgido no setor privado de diversos países, de que era preciso proporcionar bons retornos, “devolver” em bens, parte do lucro auferido na comunidade a que pertencia. Parece-me lógico que a lei Rouanet foi criada para patrocinar o desenvolvimento cultural brasileiro. Seu aperfeiçoamento deve ser claro e eficiente para atender a este objetivo. Os critérios devem levar a este fim.
    Penso também que os modelos de comissões que hoje são utilizados no setor público para a seleção de projetos que serão beneficiados, está ultrapassado, viciado, é ineficiente e facilmente influenciável. Isto em âmbito municipal, estadual e nacional. Se desejamos fazer uma mudança efetiva, buscando o desenvolvimento cultural brasileiro, precisamos também alterar completamente este modelo que só favorece o “cumpadrismo”. Melhor do que estas comissões seriam sorteios, ou então critérios de natureza mais democrática, republicana e menos elitistas. Ou este modelo de comissão não representa sempre uma determinada elite do setor que deverá ser beneficiada e todos os outros entram para legitimar o processo? Deem uma olhada geral para quem foram os recursos públicos nos últimos 10 anos, por exemplo. 10% do setor, se muito. Como também devemos pensar em uma melhor distribuição dos recursos públicos. Recursos públicos deveriam ser pensados como um caixa único. Venham de onde vierem. Sejam municipais, estaduais ou federais. Se são destinados à Cultura, e são impostos, não tem sentido um determinado projeto ser beneficiado por mais de uma fonte de recursos públicos, enquanto milhões de outros não são realizados. São milhões, sim, que não são realizados. E se não se pode atender a todos, é preciso se pensar em atender o maior número possível, sim! Recursos públicos devem levar ao desenvolvimento cultural e não ao enriquecimento individual ou de grupos. Desenvolvimento garantido, aí sim, haverá geração de emprego e renda.

  • Leonardo Andrade, 11 de novembro de 2008 @ 12:45 Reply

    E quanto a projetos que vivem da Lei Rouanet há muito tempo, mesmo após concolidarem-se como expressão cultural reconhecida e com plenas condições de caminharem com as próprias pernas? Não seria importante o questionamento sobre quanto tempo um mesmo grupo se beneficia do mecenato?

  • Paulo Drumond, 11 de novembro de 2008 @ 16:39 Reply

    Todas estas questões são bastante pertinentes. Mas algumas coisas, para mim, são claras. Por exemplo: Não tem sentido, nem lógica, uma empresa determinar em que vai ser usado o imposto que deve e não lhe pertence. Não tem sentido, nem lógica, o imposto da lei Rouanet patrocinar projetos culturais de outros países, quando os projetos daqui não são realizados aos milhões. Não tem sentido, nem lógica, as empresas usarem os impostos da lei em benefício próprio. Fica na cara, que nestes exemplos citados o que está garantido é a promoção institucional do investidor (falso investidor, já que o dinheiro não é dele). Não tenho nada contra os de outros países, ao contrário, acho que nos ajudam a desenvolver, mas eles sempre terão o investimento da iniciativa privada. Neste sentido, esta brecha da Lei Rouanet prejudicou o desenvolvimento do investimento privado, do patrocínio, no setor. Já que proporcionou o surgimento de uma mentalidade não muito republicana, tipo: “jogo esta grana aqui, neste projeto que vai conseguir retorno na mídia, e divulgo o meu nome”, ao invés de buscar caminhos mais profícuos na inter-relação com o público consumidor, o cidadão, e no entendimento surgido no setor privado de diversos países, de que era preciso proporcionar bons retornos, “devolver” em bens, parte do lucro auferido na comunidade a que pertencia. Parece-me lógico que a lei Rouanet foi criada para patrocinar o desenvolvimento cultural brasileiro. Seu aperfeiçoamento deve ser claro e eficiente para atender a este objetivo. Os critérios devem levar a este fim.
    Penso também que os modelos de comissões que hoje são utilizados no setor público para a seleção de projetos que serão beneficiados, está ultrapassado, viciado, é ineficiente e facilmente influenciável. Isto em âmbito municipal, estadual e nacional. Se desejamos fazer uma mudança efetiva, buscando o desenvolvimento cultural brasileiro, precisamos também alterar completamente este modelo que só favorece o “cumpadrismo”. Melhor do que estas comissões seriam sorteios, ou então critérios de natureza mais democrática, republicana e menos elitistas. Ou este modelo de comissão não representa sempre uma determinada elite do setor que deverá ser beneficiada e todos os outros entram para legitimar o processo? Deem uma olhada geral para quem foram os recursos públicos nos últimos 10 anos, por exemplo. 10% do setor, se muito. Como também devemos pensar em uma melhor distribuição dos recursos públicos. Recursos públicos deveriam ser pensados como um caixa único. Venham de onde vierem. Sejam municipais, estaduais ou federais. Se são destinados à Cultura, e são impostos, não tem sentido um determinado projeto ser beneficiado por mais de uma fonte de recursos públicos, enquanto milhões de outros não são realizados. São milhões, sim, que não são realizados. E se não se pode atender a todos, é preciso se pensar em atender o maior número possível, sim! Recursos públicos devem levar ao desenvolvimento cultural e não ao enriquecimento individual ou de grupos. Desenvolvimento garantido, aí sim, haverá geração de emprego e renda.

  • Júlio Marques, 11 de novembro de 2008 @ 16:57 Reply

    Creio que também seja válido incluir a ótica do aumento na base de captação/ empresas patrocinadoras, vez que o percentual da lei (4%) finda por torná-la elitista e excludente. Dessa forma acreditamos que vale indagar quanto à ampliação dos benefícios fiscais para médios e pequenos patrocinadores. Há algum estudo de impacto quanto à possibilidade de ampliação do percentual de reunúncia fiscal para empresas de menor porte?
    Ou ainda, se há um levantamento para o fato de tão poucos incentivadores potenciais utilizarem o mecanismo?

  • Cleiton Paixão, 12 de novembro de 2008 @ 8:33 Reply

    Essas questões podem inidicar o que existe de política pública na política cultural brasileira, se é que podemos chamar de pública.

  • geraldo maia, 12 de novembro de 2008 @ 15:03 Reply

    Como pode ainda essa insistência em manter a Lei Rouanet? Uma lei que nasceu espúria e vai continuar espúria façam quantos remendos nela. Precisa acabar, e logo, com esse monstrengo. E pensarmos em políticas públicas realmente fora do padrão balcão e da figura do “mecenas corrupto/r instituído por essa excrescência pública que lesa o povo e o estado para servir à privada ( e ao seu conteúdo) sob os ditames do deus mercado. Pessoal, acham mesmo que só vocês são capazes de pensar e produzir conhecimento? É um grave sintoma dessa lei.

  • Julio Calasso, 12 de novembro de 2008 @ 16:51 Reply

    O debate não poderia permanecer comprimido na bitola estreita em que o ministério insiste em manter a discussão sobre políticas públicas e os mecanismos de financiamento e patrocínio à produção cultural e artística.
    As questões que vocês levantam são absolutamente pertinentes, acrescentarei algumas logo adiante, mas, tenho todas as dúvidas em relação à nossa capacidade de interferir nesta proposta mirabolante que há quase seis anos paira sobre nossas cabeças: a nova Lei Rouanet.
    Infelizmente estes encontros são nuvens de fumaça; esta história de sair dos gabinetes e ouvir os interessados, descomprimir a desumana burocracia que eles próprios nos impuseram, como se não fossem seus inventores é pura cascata.
    Tive vários projetos aprovados ao longo dos anos e posso afirmar que as mudanças propostas pela atual direção do ministério, através de portarias e instruções normativas, foram sempre impositivas e imperativas.
    Na aparência, guardiões do patrimônio público, afinal, como diz o atual ministro em entrevista de página e meia a dois anos para o globo, a lei teria sido feita exclusivamente para beneficiar o sul maravilha e todos moramos na vieira souto e na avenida paulista.
    Na verdade, o ministério desenvolveu o caos e a imobilidade, nada fez em relação à carreira dos funcionários, mesmo em um governo como este e as conseqüências recaem sobre nós: milhares de projetos para serem analisados e concluídos, milhares de contas abandonadas, constante perda de documentos, editais ridículos, premiações vergonhosas, desmantelamento de entidades representativas, politização constante e transparência zero.
    Quando a burocracia abandona seus parâmetros complexos de ouvidor e formulador de políticas e ações que ampliem os acessos e democratizem o sistema e, ao contrário, interfere diretamente na produção de eventos da complexidade e extensão do ano do Brasil na França, aniversário da Tropicália em Londres e Copa Cultural, na Alemanha, devemos acender a luz amarela, no mínimo.
    Quero apenas enfatizar o que significa o ministério ser investido dos poderes como os que deseja nesta reformulação da lei.
    É inclusive apropriação indevida, já que esta legislação foi construída em um momento que toda a arquitetura de financiamento e provisão à produção artística baseada no Estado, direta ou indiretamente, tinha sido detonada pelo presidente Collor.
    Neste vazio, foi o inconformismo e a inventividade de artistas e produtores culturais, depois de quase dois anos de reuniões constantes, semanais, com representantes de mais de cinqüenta entidades ligadas à área cultural e uma interminável batalha legislativa, que conseguiu fazer aprovar a lei de incentivo à cultura do Município de São Paulo, em seguida a lei Rouanet e depois, leis municipais e estaduais espalhadas pelo país.
    Esta legislação não é panacéia, nem tem nada a ver com o neo liberalismo, é e deverá apenas o complemento de uma ação conjunta entre o Estado e a sociedade.
    Antes de qualquer precipitação e ingenuidade política, já que ninguém tem certeza como chega ao cabo uma proposta de mudança de legislação que mexe com incentivos fiscais, como a lei Rouanet e proponho rediscutir a sério o sistema de políticas públicas federais, estaduais, regionais e municipais e a conjugação entre verbas públicas e leis de incentivo.
    Outras perguntas cujas respostas precisam vir à luz:
    Qual é o percentual de utilização dos benefícios das leis de incentivo pelos institutos culturais, fundações e outras entidades mantidas com deduções de impostos das próprias empresas?
    Como são utilizados estes recursos, inclusive por estatais como Caixa Econômica e Banco do Brasil que constroem e recuperam patrimônio e montam diretorias com recursos usufruidos da lei?
    Quando o Itaú diz em comerciais de TV que é o banco da cultura do Brasil, quando banca e anuncia pela TV shows elitistas, é despesa própria, de comunicação, operacional, ou, incentivada com abaimento de impostos?
    A mesma preocupação vale para organismos públicos, secretarias de cultura que aprovam projetos próprios, sem recursos orçamentários, utilizando de forma privilegiada os benefícios da legislação.
    O que precisa ficar claro é que estes recursos se destinam, na origem, à produção artística e cultural independente e cabe ao Estado entrar na ciranda com recursos orçamentários, próprios, sem preguiça.

  • Patricia, 12 de novembro de 2008 @ 17:55 Reply

    Sinto a falta de esmuiçamento da idéia de “impacto nos modos de vida” das comunidades atendidas pelos projetos. Tenho a impressão de que só essa pergunta mereceria pesquisas aprofundadas quanto aos tipos de projetos aprovados pela lei.

  • Maria Alice Gouveia, 13 de novembro de 2008 @ 7:28 Reply

    Pois é, Leonardo. Acho que para discutir um pouco mais cientificamente a lei, se deveria pedir ao departamento de marketing e relaçoes públicas da Petrobrás que indique qual é o benefício próprio que a empresa está tendo com o patrocínio de projetos culturais, já que para vários leitores, como o Paulo Dumond, as empresas usam o incentivo em benefício próprio. Seria interessante descobrir os dados que comprovem isso.
    Eu, ao contrário, só conheço uma pesquisa realizada por um grande banco, que mostrou que, ao contrário daquilo que acham os artistas e intelectuais, para o grande público, o patrocínio cultural não acrescentava valor nenhum à imagem da empresa. Em primeiro lugar porque a grande maioria desconhecia totalmente o fato e, quando informada, dizia que o banco era avaliado muito mais pelo atendimento, pela qualidade dos serviços e do pessoal das agências do que pelo fato de apoiar a cultura. Vamos às pesquisas, pois..
    Um abraço, Maria Alice Gouveia

  • Carlos Henrique Machado, 13 de novembro de 2008 @ 15:21 Reply

    Nem o Ministério da Cultura, nem a Lei Rouanet são causas desse bate-cabeça, eles são consequências. Tudo isso é fruto da nossa leniência, da nossa obediência cega a essa divisão desse Brasil que não se move, esse poste europeu no meio do caminho, chamado de universo erudito. Esse arroto grave de um tenor que na fonte de um pensamento cultural, nasce para beneficiar uma meia dúzia. Essa indústria de valorização da batuta vem se alastrando pelo país e é enfiada guela abaixo na nossa sociedade, destrói fontes fundamentais e, então, perguntamos, todas essas crianças catequisadas pelos nossos atuais jesuítas serão artistas no futuro? Isso é uma cópia da cultura da edificação pregada pela igreja católica no século XVIII. Esse teatro de bistrô de zona sul é um subproduto da burguesia de olho no universo nobre. O Brasil está mesmo rachado, de um lado, o blefe do mundo culto erudito e, do outro, o popular, ou seja, a sociedade, o povo, o indivíduo que não consegue crachá de cidadania porque esse sonho literalmente branco permanece lá na nascente das águas de Campos do Jordão. É lá nesse símbolo que é jogado o veneno. Tudo isso que estamos discutindo aqui, jamais terá solução, pode aparecer o mecanismo que for, pois a cartilha de conceitos está nas mãos dos senhores doutores. Nosso pensamento acadêmico de arte é frouxo, medroso, restrito, xinfrin, com aqueles cacos de frases de mestres europeus a serem proferidos em suas chatíssimas e infrutíferas manifestações de vaidade pessoal que são as conferências, palestras, substituindo a missa em latim.

    Vamos aqui marretando o judas errado. O MinC não tem, assim como nós, peito para enfrentar um debate profundo sobre essa questão. Na busca por privilégios, sequer queremos discutir a escravidão no Brasil, mesmo que essa vergonha da humanidade grite em nossos ouvidos.

    A última pesquisa do IBGE mostra que a violência tem crescido muito no Brasil e que a chance de um adolescente negro tem de morrer vítima da violência é três vezes maior do que a de um adolescente branco.

    Democracia significa a busca por equilíbrio. A cultura poderia mostrar ao país que tem como ser a representante de um outro pensamento, mas não, é justamente dela que nascem as classificações humanas neste país. Não é exatamente um sul maravilha, é euromaravilha. Lá em Manaus, por exemplo, não tem um campeonato mundial de ópera? Essa discussão teve início anos atrás, mas foi abortada porque muita gente lucra e quer manter as coisas como estão. Ou a cultura se posiciona com propostas políticas de verdadeiras mudanças do eixo do nosso pensamento, ou seremos esse enfeite caro, essa réplica fajuta do sonho sustentado por meia dúzia de espertalhões, de um dia sermos todos europeus.

    O Brasil é a segunda nação negra do mundo e sua cultura é predominante em nossa sociedade. Não vemos essas instituições naturais participarem de qualquer questão cultural, ou mesmo serem respeitadas. Vamos ficar aqui por cem, duzentos anos reclamando de A, B, C e D, sem ter coragem de nos aprofundarmos e observar que o buraco dessa encrenca é bem mais embaixo. O Brasil precisa destruir esse clichê erudito e valorizar verdadeiramente a escolha que anda pelas suas ruas.

    Ainda tem gente que acredita que a classe artística é mais evoluida. Hoje a sociedade brasileira é oficialmente laica, aprovamos a pesquisa de células tronco. Elegemos e reelegemos um presidente que representa fidedignamente a nossa sociedade, entre outros muitos avanços, mas na cultura ainda estamos com o pensamento pré-colonial, pequeno. A sociedade brasileira acha este universo cultural uma piada, pois ela é a vanguarda do pensamento. Tudo o que for atrasado, com cheiro de mofo erudito, será para a sociedade alvo de chacota ou descaso. Se é para aprofundar o debate, que busquemos a nossa realidade que é erguer projetos de políticas públicas em cima dessa areia movediça, aqui no Brasil chamados de pensamento erudito. Ou vocês acham que é à toa que a música, é a única expressão artística, que tem classificação de erudita e popular neste país? Claro que não, é porque a música é naturalmente a expressão mais espontânea da nossa sociedade, portanto, como independe de técnica para se desenvolver, criou-se um clubezinho para manter as dinastias e seus respectivos lucros, importou-se um modelo e vendeu-se ao Estado, ou seja, meia dúzia do universo erudito marginaliza toda uma sociedade, o resto, este mundo cabeça que anda pelas outras artes é filho meio que bastardo desse universo dos nossos generais linha dura dessa eterna ditadura conceitual.

  • Carlos Henrique Machado, 14 de novembro de 2008 @ 9:20 Reply

    Maria Alice
    Estamos, novamente, em lados opostos. Creio que esteja fazendo uma leitura errada desses dados. Espero, sinceramente, que o banco que você mencionou, não leia dessa forma. Os três ítens, atendimento, qualidade dos serviços e pessoal das agências, para a imensa maioria da população, são uma lástima, ficam entre o desrespeito ao cliente e as distorsivas taxas de serviços, sem falar no tempo que se perde dentro de agências, desobedecendo a lei que os obriga a atender seus clientes num tempo determinado. A população não vai lembrar de cultura quando sabe que os bancos são as intituições que mais lucraram no Brasil nessas últimas décadas e seus serviços continuam onerosos, a ponto de cubrirem toda a despesa com o pessoal, ou seja, Maria Alice, ninguém vai se preocupar com a beleza do chapéu quando o tamanho do sapato é que é o problema, apertando terrivelmente os nossos calos. Não dá para fazer este tipo de comparação, a cultura eleva sim a imagem do banco, inversamente, os ítens citados, são o calcanhar de aquilies deles.

    Quanto à crença de que o banco não vê efetivos resultados nos investimentos à cultura, acho que é um pouco de ingenuidade. Eles não investem por filantropia, tanto não o fazem, que seus investimentos em publicidade estão no chamado horário nobre da televisão (novelas) que, bem ou mal, são cultura. As informações nos chegam, a forma como as interpretamos que é a grande questão. A leitura sobre cultura no Brasil, normalmente é apressada, o que faz dela, sempre, o vôo da galinha, e acabamos por dar um tiro no pé.

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