Foto: Nachoad
Reportagem de Marcio Aith, na Folha de S.Paulo, traz opinião de investidores de cultura, que demonstram preocupação quanto à continuidade dos  investimentos, caso o projeto do MinC se concretize.

Acompanhe a matéria na íntegra:

Empresas ameaçam reduzir investimentos caso Lei Rouanet seja alterada

Se aprovado nos termos propostos pelo Ministério da Cultura, o projeto de mudanças na atual lei federal de incentivos culturais, a Lei Rouanet, vai reduzir o apetite de empresas privadas em investir em cultura. É o que revelam entrevistas à Folha e um documento enviado ao governo por institutos ligados a grandes companhias que hoje patrocinam cultura em troca de benefícios do Imposto de Renda.

A mudança foi proposta em março passado pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, e ainda está em discussão. Um de seus objetivos é “democratizar” e “regionalizar” a produção cultural no Brasil, reduzindo, nas palavras do próprio ministro, o “poder absurdo” das empresas na escolha dos filmes, peças, exposições e festivais que são patrocinados com a alavanca da renúncia fiscal.

A principal mudança proposta pelo MinC diz respeito ao critério de aprovação dos projetos a serem patrocinados. Hoje tal aprovação tem uma rotina quase automática –o MinC tem pouco espaço para vetá-los ou adaptá-los às prioridades oficiais.

O projeto autoriza a criação de requisitos adicionais de aprovação, com os quais o governo pretende elevar o patrocínio cultural nas regiões Norte e Nordeste e restringir ao máximo o número de projetos com 100% de abatimento do IR.

Além disso, o ministério pretende criar uma forma de usar a renúncia fiscal para alavancar o Fundo Nacional de Cultura, ligado à pasta e que hoje opera apenas com dinheiro do próprio orçamento.

Pela metade

Ao todo, a Folha ouviu 15 empresas. Onze disseram que seus investimentos em cultura tendem a cair se o projeto restringir benefícios fiscais ou obrigá-las a mudar o foco de seus investimentos.

Quatro dizem que vão manter seu volume de patrocínio. Apenas uma diz que vai elevar os investimentos em cultura. Seus nomes só são indicados nos casos em que as empresas assim o permitiram.

“Se esse projeto for aprovado tal como proposto, cortaríamos pela metade nossos investimentos gerais na área”, disse Selma Caetano, consultora cultural do Grupo Carrefour. “O projeto parte da ideia, equivocada, de que o governo sabe mais onde colocar o dinheiro do que o setor privado.”

Segundo Selma, o Carrefour faz intensa programação cultural na região da zona sul de São Paulo, onde fica o instituto cultural da empresa e onde quase não existem espaços culturais.

“Sob o pretexto de direcioná-lo, o governo vai perder não só o dinheiro alocado para impostos como também a contrapartida das empresas, que não têm nada a ver com impostos.”

Na mesma linha falou Tanyse Marconato, coordenadora de marketing da seguradora Porto Seguro. “Nossos investimentos certamente diminuiriam. Como pode o governo conhecer melhor a estratégia da nossa empresa?”

Para Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural, é preciso obter mais recursos, e não dividir o pouco que se tem. “Entendo como legítima a necessidade de elevar o orçamento oficial do Ministério da Cultura e do Fundo Nacional de Cultura. Nesse aspecto, o MinC está correto. Mas isso deveria ser feito com a ampliação do perfil das empresas patrocinadoras, e não dessa forma. Do jeito proposto, existe, sim, o risco de desincentivo.”

Casa Civil

Há alguns dias, um grupo de institutos ligados a empresas co-assinou um documento, encaminhado à Casa Civil, propondo correção de rumo à proposta de alteração da lei.

O objetivo é convencer o Planalto a suavizar o projeto do Ministério da Cultura. Entre os institutos culturais que assinaram o documento estão os ligados a empresas como CSN, Gerdau, Usiminas, CSN, Oi, Itaú, CPFL e Acesita.

“Os que subscrevem essa proposta compartilham do entendimento sobre a importância do fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura. Porém, para tanto, julgam essencial ampliar as formas de obtenção de recursos, ao invés de se promover a divisão do pouco que se tem”, informa o documento.

Segundo as empresas, “na medida em que o projeto em questão tem como um de seus objetivos o incremento orçamentário do FNC, é fundamental declarar suas novas fontes de receita.”

Três empresas que assinam o documento falaram à Folha. Segundo elas, o projeto precisa, sim, ser alterado e democratizado. Mas as mudanças são propostas em um momento ruim, em meio à crise econômica, por meio de mecanismos frágeis que deverão colocar em segundo plano, na lista de prioridades das empresas, o investimento cultural.

Em nota, a Gerdau preferiu não falar sobre o projeto do governo. Preferiu comentar apenas o aprimoramento da lei como um todo. “A visão da Gerdau é que o resultado final será positivo para a cultura e para os seus investidores. Dessa forma, a empresa não vislumbra dificuldades futuras na utilização de incentivos fiscais em programas culturais.”

Maior patrocinadora cultural do país, a Petrobras, que não assina a lista, disse não estar em condições de anunciar a elevação ou a diminuição dos investimentos em cultura porque ainda está analisando a proposta do governo.


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Jornalista e colaborador de Cultura e Mercado.

2Comentários

  • Leonardo Brant, 30 de maio de 2009 @ 21:33 Reply

    Saiu hoje na Folha entrevista com o secretário-executivo Alfredo Manevy:

    Secretário evoca “espírito republicano” de nova lei
    Alfredo Manevy diz que resistência a projeto é mais de despachantes do que de empresários
    Marcio Aith

    O secretário-executivo do MinC (Ministério da Cultura), Alfredo Manevy, disse que uma parcela do empresariado entendeu melhor que outra o “espírito republicano” contido na reforma proposta pelo governo à lei de incentivos culturais, a Lei Rouanet.

    Em entrevista à Folha, ele afirmou que a resistência privada ao projeto vem menos de empresários, propriamente ditos, e mais de intermediários e advogados que funcionariam hoje como “despachantes de projetos culturais”, “um grupo que ganhou muito dinheiro com as distorções da lei, muito mais que os próprios artistas”.

    Manevy referiu-se à reportagem publicada ontem na Folha mostrando que, nos termos propostos pelo Ministério da Cultura, o projeto deve reduzir o apetite do setor privado por investir em cultura.

    Empresas consultadas anunciaram que devem reduzir seus investimentos na área, tanto os incentivados por redução de impostos quanto os feitos com recursos próprios.

    Os empresários reclamam de um suposto direcionismo estatal contido no projeto. Eles enxergam, nos termos nele propostos, uma possibilidade de o MinC aprovar ou rejeitar projetos culturais com base em critérios subjetivos.

    “A proposta em consulta amplia faixas de renúncia e mantém autonomia da escolha”, disse Manevy. “Não vamos escolher nada. O que o projeto faz é incluir critérios na etapa anterior, do MinC. Quem avalia não é o governo, são os pares, artistas e produtores. A palavra critério não existe na lei atual. Foi justamente a ausência de critérios que permitiu abusos amplamente divulgados.”

    Segundo o secretário, alguns empresários já perceberam que o objetivo do governo é melhorar a lei, tornando-a mais democrática, como é o caso do grupo Gerdau. “Outros, talvez por incompreensão, não pegaram o espírito da reforma, que é justamente desestatizar o mecenato privado”, afirmou.

    Manevy relatou que, desde a apresentação do projeto, em março, o MinC já aceitou algumas contribuições feitas pela sociedade civil. Uma delas diz respeito justamente a necessidade de critérios públicos nas decisões empresariais. “As empresas podem adotar comportamentos públicos, é disso que trata a reforma.”

    Pelo projeto inicial, estes critérios seriam definidos após a aprovação da lei. “Assimilamos que a própria lei já deve conter esses critérios”, afirmou.

    Dinheiro público

    Manevy diz ainda que, ao aprimorar a figura da renúncia fiscal, o projeto do governo não viola em nada o interesse de empresas sérias, interessadas em usar a lei para alavancar seus próprios orçamentos privados em cultura e não apenas usar dinheiro público.

    “Mecenato privado é assim no mundo todo, tem dinheiro privado”, disse Manevy. “O que não pode é o uso sem critérios de projetos 100% incentivados, como a lei atual define. Com o tempo, as empresas suprimiram os recursos próprios. E ficaram só com o velho e bom dinheiro do contribuinte. A queda atual é pela crise, não pela consulta pública.”

  • :: CULTURA E MERCADO :: o mais influente blog sobre política cultural do Brasil » Blog Archive » O teatro da lei e a Lei do Teatro, 5 de junho de 2009 @ 20:11 Reply

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