“As empresas de outros setores da economia, que não a própria cultura, têm tratado seus investimentos nesta área, de modo geral, como marketing. Têm, ainda, usado as leis de incentivo para patrocinar ações isoladas ou pontuais, que, também de modo geral, se esgotam em si mesmas”
Quero defender aqui uma idéia que, para se realizar plenamente, demanda um elevado grau de articulação entre produtores, gestores e patrocinadores.
As empresas de outros setores da economia, que não a própria cultura, têm tratado seus investimentos nesta área, de modo geral, como marketing. Têm, ainda, usado as leis de incentivo para patrocinar ações isoladas ou pontuais, que, também de modo geral, se esgotam em si mesmas. Claro que há exceções, assim como um movimento de superação, inspirado pela ação das empresas estatais. Mas a maioria ainda age segundo um modelo superado.
A minha idéia é de que seria muito melhor para as empresas:
1 – se elas pensassem seus investimentos em cultura como um exercício de responsabilidade social, que também pode e deve ser eficiente em termos de marketing;
2 – se esses investimentos ocorressem segundo uma política de patrocínios e ações culturais, e através de editais públicos de seleção de projetos;
3 – se essa política, os instrumentos de sua implantação, e a avaliação de resultados, fossem feitos por empresas especializadas no assunto.
Na verdade, esta idéia não é exatamente nova, nem exclusivamente minha. O que eu estou propondo é que as empresas assumam o investimento em cultura como algo essencial – e não secundário – de sua vida empresarial, de sua relação com a sociedade e de seu papel no desenvolvimento do país. Portanto, nada mais natural do que tratar a cultura como uma esfera de atuação da empresa, ainda que não seja sua atividade-fim.
Para isso, as empresas podem agir como fazem com sua comunicação: terceirizando a gestão cultural para formular a política de investimentos, gerir os processos e avaliar resultados, naturalmente de modo integrado com as demais políticas da empresa. Não é isso o que elas fazem com a propaganda? Não é esse o conceito contemporâneo de public relations que orienta a comunicação das empresas?
Vamos então trazer este conceito para a formulação, o desenvolvimento e a avaliação de uma política de patrocínios culturais que seja mais do que colateral, que esteja no coração do que se chama hoje de Cidadania Corporativa.
Se há um país onde essa idéia faz sentido, e pode trazer resultados espetaculares para as empresas, é o Brasil, onde a cultura ocupa um papel privilegiado na vida social, e onde o Estado estimula a participação cultural das empresas através de leis de incentivo que podem ser melhor usadas por todos.
Defendo essa idéia com veemência, não apenas por que acredito que pode ser melhor para as empresas, mas sim por que se é melhor para elas, também é para a sociedade, a beneficiária final. E se é melhor para a sociedade, é melhor também para o poder público.
O conceito de Arquitetura Cultural se aproxima muito do que eu estou propondo, e significa um salto de qualidade e intensidade na atuação das empresas na área cultural.
Essa idéia se articula também com outra que venho defendendo desde o início de minha gestão no Ministério da Cultura, e que me parece óbvia: a gestão cultural e as políticas públicas de cultura devem ser compartilhadas entre o Estado, a iniciativa privada, o terceiro setor e a própria sociedade, direta ou indiretamente.
O Estado tem quatro papéis fundamentais aqui: formular políticas que possam servir de parâmetro para todos; articular os diversos setores; viabilizar mecanismos de incentivo; e zelar pelo interesse público.
Os executivos devem fazer com que suas empresas invistam mais e melhor em cultura, seguindo políticas de patrocínio, realizando seleções públicas e mobilizando gestores especializados, sob a lógica da Cidadania Corporativa. E sem perder os resultados significativos em termos de imagem e venda.
Os gestores devem se capacitar para oferecer às empresas esta visão e este serviço, de modo qualificado e competente o bastante para gerar resultados.
Os produtores culturais devem se preparar para mudanças que, venham do Estado ou da iniciativa privada, são inevitáveis, e, mais do que isso, desejáveis, de modo a produzir bens e serviços culturais que sejam igualmente positivos para os artistas, as empresas e o público.
Gilberto Gil
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