A sociedade brasileira perdeu a consciência de sua cultura? A cultura morreu e a sociedade sequer mandou flores? Creio que não. A culpa é da tirania da informação que não joga luz na produção nacional? Creio que isso seja grave, mas não é somente este o motivo de tamanho silêncio sobre o papel da cultura na arena política.

Imagino que toda essa confusão que vivemos de forma crescente no espírito da cultura esteja relacionada ao empobrecimento da massa de valores que não tem mais capacidade de fazer da cultura de mercado um agente regulador da vida coletiva

Vários alertas foram dados sobre o papel realçado da atual ideologia da produção neoliberal de cultura. Muitos foram os alertas vermelhos para a situação insustentável que o “progresso técnico” apresentou como o principal pilar de sustentação dos micro-cosmos da cultura nacional.

Aí está, a mensagem foi dada por uma sociedade muda, ausente sobre a tônica da cultura nas eleições. O que se pode afirmar é que a semente neoliberal de cultura como evolução positiva frente à realidade da nossa sociedade recebeu um tratamento frio, de um silêncio cáustico, estabelecendo assim uma imagem de absoluto inconformismo.

Como reagir agora? Como enxergar uma cultura capaz de tornar a sociedade seu agente primeiro? Como garantir a mensagem de uma obra que devolva à cultura uma paisagem de esperança, realce o seu papel critico e, ao mesmo tempo  apresentá-la como a grande mola propulsora do Brasil como protagonista entre novos atores globais? A cultura homogeneizada pelo mercado, regulada por uma interpretação interessada somente na produção, mesmo incompatibilizada com a ética é que não será. Não é este o sentido na aldeia que vincula sociedade e cultura. Não serão simultaneamente as fábulas e mitos frequentemente tecidos pelas particularidades do mercado que intimidarão a negação silenciosa da sociedade.

Observamos nos últimos anos que a inflexibilidade da economia de mercado dentro do ambiente da cultura só aumentava a busca por mais concentração. O uso extremado das técnicas, da burocracia privada, dita pela forma estrutural como dinâmica, soterrou com sua papelada a sociedade. Mas, mesmo assim, muitos, com suas mentes burocratizadas, viram virtudes no remédio amargo para a vida social, vindo dessa violência estrutural.

Como podemos cobrar da vida política que se interesse por produções, sistemas técnico-científicos criados nos laboratórios da cultura de mercado como um produto da inteligência do homem?

Como essa cultura está em órbita, não há como a sociedade captar seus momentos sucessivos e identificar nesse processo um sentido geométrico de evolução. E se não há sentido algum exatamente porque a sociedade não vê nisto nenhum outro conceito que não seja a busca pela mais-valia, a valorização da cultura dependerá, a partir de agora, da empiricização, pois é ela que estará perto de construir uma filosofia das técnicas e das ações correlatadas, para que se torne uma forma de conhecimento concreto.

No histórico atual a produção cultural enfrenta um sistema com intervalos híbridos, exatamente porque os movimentos da sociedade não se vêem renovados dentro dele. E, longe de naturais, as condições artificiais afastam a cultura da vida política e, consequentemente dos astros que norteiam a sociedade.

Serão necessários agora novos materiais humanos para produzir matéria-prima intelectual que valorize a desejada busca por um processo histórico capaz de mover o nosso mundo interno e externo, algo mais próximo da identificação pela sociedade como momento de evolução. E é nessa combinação que a utopia é constatada como pertinente, justamente por sua densidade, seus valores, seus caminhos que podem articular a superação dos obstáculos que contrariam a força estrutural dos sentimentos de natureza humana.

É desse conjunto de aspectos que nascerão as possibilidades reais, factíveis de determinadas condições que devolverão a cultura às esferas da vida, levando o homem a pensar no presente estado de coisas. É dessa liberdade, dessa dignidade que a história atual da cultura necessita.

Nesses últimos anos testemunhamos grandes e perversas mudanças no acúmulo de normatizações particulares conduzidas por atores privados da cultura que ignoraram o interesse cultural tratando o homem e seu cosmos de modo residual. E foi nesse desequilíbrio bêbado que a visão macroeconômica instalou sua ideologia e impôs um sistema único e nos levou a essa crise identitária.

A grande ingenuidade desse totalitarismo técnico foi não associar a espontaneidade popular como alimento de política sem observar a riqueza das formas do intercurso de solidariedade entre pessoas. Na realidade, essa negação simboliza o fracasso ideológico da cultura de massa, dos símbolos do baixo produto cultural que ela criou dentro ou fora das grandes instituições privadas. O silêncio da sociedade prova que a cultura popular não será domesticada pelo mercado e suas formas exóticas que a cada dia acumulam um sistema com novas e novas técnicas.

Enfim, a selva neoliberal de cultura reduziu as noções de moralidade pública que compõe uma base particular de evolução social e moral de uma sociedade. É irônico agora recordar o quanto o progresso técnico apareceu como solução para a democracia cultural. O quanto o Estado social que buscava cidadania plena foi atacado pela produção capitalista de cultura.

Com a eclosão do silêncio muito maior que o unilateralismo avassalador à caça de lucros, este discurso miúdo enfrenta um amargo vazio. Os responsáveis por essa idéia deveriam buscar um nível de reflexão superior para entender que a cultura só se realiza em sua plenitude a serviço da humanidade.

Concebida e realizada com brilho, a cultura nunca abandonará sua apaixonante narrativa e sua rígida fidelidade ao método de documentar extraordinariamente o amor e a liberdade dos povos. Pois essa é a função histórica da cultura, projetar a mais reveladora luz como pano de fundo dos nossos sentimentos.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

3Comentários

  • Alexandre Reis, 22 de agosto de 2010 @ 17:06 Reply

    Caro Carlos Henrique,

    Seu texto chega num momento de grande confusão e repetitividade, confusão pois não está claro em que os candidatos mais uma vez farão pela cultura. E ela (cultura) tem sido renegada desde muitos anos como alguma coisa secundária dos seus pacotes, dos seus projetos e dos seus programas. Nenhum deles mencionou sequer o que vem sendo tramitado e com pouca resolução e/ou satisfatória finalização para o que foi proposto dentro de gabinetes parlamentares e pautas que nunca finalizaram de tramitar, desde 2008… numa inacabada proposta sociocultural sem resultados (isso desde muitos anos antes, tenho insistido, é idêntico ao que temos de política cultural aqui: desde 1990). Certamente concordo com o que você citou como "uso extremado das técnicas, da burocracia privada, dita pela forma estrutural como dinâmica, (que) soterrou com sua papelada a sociedade." A coligação entre confusão e repetitividade não dá espaço para que nada possa respirar ou emergir no meio de tantas trevas. Essa indiferença é o resultado do que não foi feito e do que não será feito dentro dos prazos que estes senhores "bem comportados" anunciaram como inovação cultural, que nunca aconteceu. Interessante observar, passeando por páginas relacionadas ao setor que estão surgindo, despencando, emergindo, bradando por todos os cantos cursos de formação cultural, de produção cultural, de produção executiva para todo tipo de manifestação cultural…. enfim, são os mesmos senhores "bem comportados" que estão nos oferecendo suas temáticas, metodologias, teorias, receitas que não funcionam há décadas. E também é interessante observar que tais cursos aparecem como último suspiro para um devir cultural do que não foi feito e que não será realizado nos próximos anos de mercado cultural, pela própria ausência e silêncio relacionados ao tema. De fato, eu concordo com você quando cita que "a selva neoliberal de cultura reduziu as noções de moralidade pública", pois não há caminho brilhante que vislumbre algum êxito, nos próximos seis meses de transição, ou qualquer mudança no setor cultural significativa para o país. E, como dizem em Brasília: "agora é a hora da xepa, é fim de feira, é assim mesmo e salve-se quem puder!"

    Gosto de participar deste debate, mas infelizmente até hoje em nada ele contribuiu para o que propus. E não há esperança que sobreviva a tanta indiferença, nem sequer estes "senhores comportados" respondem mais aos meus e-mails.

    Fizeram-me calar !!

  • Carlos Henrique Machado, 24 de agosto de 2010 @ 10:49 Reply

    Caro Alexandre

    Vamos depender muito agora do reino de nossas vontades e, sobretudo de uma necessária clareza de um projeto nacional. Porque somente ela pode contrariar a força das estruturas dominantes, sejam as presentes ou as herdadas. Identificar as etapas, os ajustes e empreender um caminho claro no sentido de um projeto de nação.

    Aí Alexandre, o peso da ideologia numa construção histórica dependerá do surgimento dos valores contingenciados para o surgimento de uma nova estrutura.

    O que pretendemos como resultado? Arranjos diferentes de todo um sistema macroeconômico que nos chegou agora através do projeto da globalização. Esse sistema perverso é um sistema duro que nos cobra inapelavelmente que abandonemos a densidade e mergulhemos nos valores mais medíocres, aonde a nossa participação nada determina, ao contrário, somos apenas peça de um sistema, peças, sobretudo substituíveis.

    Não há outra saída. Devemos ter outro projeto de país, aonde o Estado não dite verdades, mas regule as relações institucionais da cultura, numa combinação que inclui a liberdade e a dignidade da criação, do pensamento e de todo um contingente de valores que já existem na sociedade, aliás, na esmagadora maioria da sociedade. Todo esse processo que artificializou a cultura como um fenômeno de globalização, deformou as utopias humanas jogando-as na utopia de projetos que pudessem ser identificados pelo sistema e, assim, toda a estrutura dominante impediu que o homem pudesse, a partir de sua consciência, ampliar as normas na esfera pública.

    Não há, Alexandre, na atmosfera privada, como fazer da sociedade, e nela estão incluídos os cidadãos e os políticos, um projeto nacional quando os principais atores de comando das instituições culturais vivem de um sistema técnico totalemtne balizado pelos atores hegemônicos. Ou seja, é a sociedade determinada por sua natureza, que poderá cada vez mais modificar esse mundo virtual fundado pela globalização que nos enfiou essas técnicas emergentes para nos fazer adaptáveis ou palatáveis ao imperialismo cultural. Somente o Estado, organização máxima do cidadão, é capaz de assegurar a restauração do homem e sua cultura fundada num novo pacto nacional.

  • gil lopes, 28 de agosto de 2010 @ 2:00 Reply

    Carlão, tem que ser mais claro companheiro caso contrário mistifica, ninguém entende. Não dá mais pra subsidiar produto cultural estrangeiro, é preciso reformar o incentivo fiscal escasso, redirigi-lo para o produto nacional, o Gigante na cultura precisa acordar, há uma defasagem com o setor cultural. Temos que saber se queremos ter clássicos, o que fazemos com eles, o que fazer de Villa e Jobim por exemplo. De Vinicius e Caymmi, de Jorge Amado e Manuel Bandeira…temos muito o que fazer. Temos que fazer uma Flip BR, temos que ter entre os 20 mais vendidos livros de ficção entre nós, algum deles nacional. Não dá pra conviver mais com um espaço tão exíguo e tão ocupado pelo que vem de fora. Está demais e muito pobre, o resultado é o prêmio multishow, uma desgraça.
    Tem que ser claro Carlão, temos que responder a altura, competitivamente à presença estrangeira entre nós. Construir o Brasil dos brasileiros.

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