Em um artigo publicado nesta semana no site Publishing Perspectives, Tom Roberge, diretor de marketing da editora norte-americana New Directions – fundada em 1936 – saiu em defesa das livrarias independentes. Intitulado “Por que precisamos das livrarias independentes mais do que nunca” (tradução livre), o texto aponta algumas razões pelas quais grandes empresas como a Amazon não devem assustar os pequenos.
“Ao contrário do alardeado algoritmo da Amazon, os funcionários de livrarias falam com seus clientes regulares, conhecem os seus gostos e recomendam títulos que a Amazon talvez nunca considere adequados”, diz Roberge. Para ele, os livreiros são valiosos na defesa dos títulos e no engajamento literário.
“O ponto é: livrarias importam. Vê-las fechar suas portas porque não conseguiram reduzir os preços o suficiente seria devastador, é claro, mas também seria ruim para o negócio editorial como um todo”, afirma o editor. E completa: assim como livros de bolso não destruíram a cultura do livro, apesar de ser 10 vezes mais barato, tampouco os e-books o farão. “Pelo contrário, os livros de bolso acabaram rejuvenescendo a indústria do livro e tornando-a mais forte. O mesmo vai acontecer com os e-books.”
Para Welbert Belfort, criador da livraria e editora Scriptum, de Belo Horizonte (MG), mais do que os e-books, o que tem afetado o negócio é a política de algumas grandes editoras, que passaram a comercializar elas próprias suas publicações, com descontos nos quais as pequenas não conseguem chegar. Além disso, as grandes redes de varejo, onde o livro é “apenas um detalhe”.
“Temos gerações que saíram da faculdade e nunca foram a uma livraria. Não temos essa cultura no Brasil, como existe em outros países. O governo tem política para incentivar a venda de carros, a vinda dessas grandes lojas, mas não tem uma política para incentivar a cultura de ir em livraria ou biblioteca”, alerta.
Afonso Martin, diretor da Associação Nacional de Livrarias (ANL), acredita que a falta de cultura é uma das razões do baixo número e a concentração regional de livrarias no Brasil, conforme pesquisa divulgada na última segunda-feira (18/8). Das 3.905 lojas mapeadas, 4% estão na região Norte; 16% no Nordeste; 6% no Centro-Oeste, incluindo o DF; 19% no Sul e 55% no Sudeste.
“É reflexo da realidade nacional. Se por um lado a maior quantidade de livrarias está na região Sudeste, há concentração por questões de desenvolvimento da indústria, questões históricas… O livro está ligado diretamente a como a nação o vê. Se ele não tem tido reconhecimento do Estado como algo importante, a livraria acaba sendo penalizada.”
Para viabilizar o negócio, lembra ele, é preciso ter condições tributárias favoráveis. Uma livraria que apenas vende livros, por exemplo, pela lei brasileira está classificada como lucro presumido e tem isenção de imposto. Mas se começa a vender outros produtos, sai do sistema. “É preciso haver uma reforma tributária nesse sentido”, defende Martin.
Ele dá como exemplo a medida criada em Porto Alegre (RS), o cartão livro, que permite
que estudantes escolham os livros diretamente nas livrarias, e não recebam da prefeitura os títulos que essa escolhe via licitação. “Com isso também se incentiva a abertura de pequenos negócios locais”, afirma.
Poder local – Localizada no Bom Fim, bairro de tradição cultural na capital gaúcha, a livraria Traça surgiu em 1986. Funcionou somente como sebo durante muitos anos e depois passou a comercializar também livros novos. A livraria física conta com 10 mil títulos em estoque, num espaço de 60 m2. A Traça também mantém um depósito de 1.000 m2 com mais de 150 mil títulos, que abastece a loja e as vendas pela internet. No total, são quase 20 colaboradores.
Segundo Carmen Menezes, criadora da loja, a internet permitiu um grande aumento de vendas – a loja física responde hoje por menos de 20%. Mas o livro digital ainda não afeta significativamente. “Acreditamos que haverá ameaças realmente importantes quando a tecnologia evoluir e os tablets pararem de se parecer com vidro e se aproximarem da aparência e sensação do papel”, diz.
Para manter a loja, ela busca entender o espaço como elemento da paisagem urbana local, inserida na trama do bairro e atendendo a demandas específicas daquela população. A existência de depósito, que permite a renovação constante de títulos na loja (de 100 a 150 diariamente), o atendimento feito por pessoas que realmente entendam de livros (livreiros em oposição a meros atendentes/vendedores), a confiança da comunidade e a prestação de alguns serviços específicos (como encomendas) completam a receita. “Dá-se muita atenção ao público, especialmente os mais jovens, que estão se mostrando bons compradores”, conta.
No Bom Fim há outras quatro livrarias. Segundo Carmen, vive-se uma espécie de cooperação, já que todas são pequenas e não têm a pretensão de carregar grandes acervos. Quanto às megastores, a fórmula para combater a concorrência é simples: se não há como competir com elas em preço de bestsellers, elas não podem competir com as menores em agilidade, eficiência, atendimento e localização.
“Resumindo: é um ambiente difícil, exige atualização e renovação constantes, opera-se localmente na loja física e nacionalmente na internet, a concorrência em livros novos é selvagem, o público leitor vem crescendo e esperamos pelo menos mais 10 anos de atividades relativamente tranquilas. A longo prazo, acreditamos que o livro de papel será apenas uma relíquia colecionável, mas aí já estaremos aposentados.”
Aposentado também espera estar Belfort se as condições não melhorarem nos próximos anos. Ele abriu a primeira loja da Scriptum na capital mineira em 1997. Hoje tem um espaço com 120 m2, cerca de 10 mil títulos disponíveis e seis funcionários. Ele diz que tem conseguido se manter fidelizando os clientes, importando livros que não são encontrados facilmente no Brasil, especializando-se em um tema – no caso, a psicanálise. Além disso, as receitas da editora ajudam, e ele acaba de abrir uma loja online.
O espaço não tem café, como a maioria das lojas hoje em dia. “Não sou puritano. Livraria é cultura e é negócio. Ter café é um forma de pagar as contas. Mas é preciso saber se todas as lojas que estão sendo chamadas de livrarias têm a venda de livros como sua atividade principal. Às vezes é um café que fala que é livraria para parecer mais inteligente”, provoca Belfort, questionando os números da pesquisa da ANL.
Segundo a assessoria da associação, são consideradas na base de dados da pesquisa as lojas que vendem livros não-didáticos durante todo o ano, independente do quanto isso representa no seu volume de receita.
“Atitudes que geram resultados” foi o tema da Convenção Nacional da ANL, que terminou na quarta-feira (20/8), em Itapecerica da Serra (SP). Martin conta que uma das conclusões é que as livrarias não podem mais ser meros balcões de vendas de livros. “Isso era possível antes, mas hoje não. Quando escutamos que as livrarias vão morrer, não é que vão morrer como negócio. Mas elas deverão atuar mais como centros culturais. A pequena livraria, para continuar existindo, precisa se profissionalizar, se transformar em empresário de cultura.”
Tudo isso por conta da maior exigência do consumidor, que busca experiências únicas. Ao mesmo tempo, alerta Martin, é necessário haver reformas estruturais, que muitas vezes fogem da alçada das lojas em si.
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